segunda-feira, 22 de julho de 2013

A hora do lobo


No filme do Bergman que dá título a esse post, a hora do lobo é o período entre o fim da madrugada e a aurora onde coisas sinistras acontecem. Lobisomens uivam, crianças choram, homens de bem questionam sua sanidade e são postos cara a cara com a própria loucura. É um filme quase insuportável de assistir de tão perturbador, mas a insanidade do Bergman é fichinha perto do lobo com o qual eu venho me digladiando há uns meses.

Minha hora do lobo acontece quando as luzes ainda estão acesas e é cheia de gente falando sem parar, vai ver é esse o problema. Ela começa por volta das sete da noite, quando eu chego em casa e ligo o computador pra olhar qualquer coisinha, e termina quando, por volta da meia noite, eu me encontro nocauteada, vendo meus netos correndo pela sala, que aparentemente nasceram enquanto eu dava aquela olhadinha no Facebook. Pensei que só eu passasse por isso, mas conversei com um amigo esses dias e ele confirmou: existe algo de bizarro que acontece na internet por volta das sete da noite. Pessoas de bem se sentam em frente ao computador para dar aquela espairecida básica depois da aula, no fim do expediente, e então caímos de cabeça num limbo absurdo onde as percepções de espaço e tempo se confundem. Quando nos damos conta, é quase meia noite, a gente nem tomou banho ou terminou de escrever aquele e-mail que nos trouxe ao computador pra início de conversa. O que se passa nessas quase cinco horas? Não faço ideia, mas minha cabeça é um buraco negro que mistura culpa, um monte de opiniões que ninguém pediu e um punhado de fotos feias. 

Antonio Prata tem uma crônica muito boa que fala sobre esse ciclo vicioso de procrastinação na internet - não vou procurar o texto porque sei que se eu me embrenhar nesses arquivos esse texto nunca vai sair da pasta de rascunhos desse blog, que já conta com mais de cem textos que foram trocados porque cliquei naquele link para ouvir a música nova do Radiohead e quando dei por mim já estava na terceira página do arquivo do blog de uma menina que eu nem gosto. Tudo que é sólido desmancha no ar, já reconhecia o sábio barbudo Karl Marx. Se até um sistema inteiro é capaz de desvanecer por aí, o que dizer da concentração, essa danada? Pior ainda se for a minha concentração, que nunca foi boa das pernas - hoje, por exemplo, deixei a carteira no balcão da padaria. 

É por isso que a internet tem me afligido cada vez mais. Uma coisa é você simplesmente perder quatro horas do seu dia fazendo absolutamente nada na rede e se dar conta disso como uma troça do destino  e a outra é ter certeza absoluta do que está acontecendo com você, saber que é ruim e não conseguir controlar. Ignorance is bliss. Conversei com a Milena esses dias a respeito disso e nós duas concluímos muito pesarosas que estamos nos transformando nesses sujeitos de atenção difusa, incapaz de se concentrar em algo por mais de quinze minutos que os apocalípticos da internet tanto alardeiam. Me sinto muito mal quando estou deitada no sofá de casa lendo um livro, por exemplo, e percebo que não passo meia hora sem pegar no celular ou pelo menos pensar em pegá-lo. Quando eu me dou conta já estou lendo toda a timeline do Twitter, vendo o álbum de fotos daquela pessoa, e o livro já caiu no chão e a concentração bateu asas. 

A Luiza Voll escreveu um texto muito bacana sobre sua experiência sem Facebook e disse algo muito interessante: ela reaprendeu a usar a internet. Nós ficamos tão reféns das atualizações das páginas que curtimos que acabamos nos esquecendo de explorar o que a internet tem a oferecer. Nem lembro mais qual foi a última vez que entrei num site assim, como quem não quer nada, para ver qual era. Outra coisa que ela escreve, e esse é bem mais óbvia, foi o tempo que ela ganhou. Na crônica sobre procrastinação, o Antonio Prata diz enquanto procrastinamos não estamos fazendo nada de realmente útil e vai além: deixar de trabalhar pra ir ao cinema é uma vagabundagem louvável, mas adiar a conclusão daquele relatório para ler as postagens na página daquele evento é um mal, no mínimo.  

E é por isso que eu venho pensando cada vez mais em sumir do Facebook. Não posso dar um perdido de repente porque, querendo ou não, boa parte da minha vida está concentrada ali, seja com os assuntos da faculdade, contatos que preciso para matérias, sem falar nas amigas que moram longe e toda a nossa história construída entre curtidas e surtos compartilhados. Mas não descarto fugir, ao menos por umas semanas. Dizem que reconhecer o problema é o primeiro passo para a mudança, e cá estou eu limpando a maquiagem de Amy Winehouse e aceitando a rehab de bom grado. Um belo dia bato asas para longe da rede social que já é o terceiro país mais populoso do mundo em busca da minha concentração, do meu tempo e do meu foco, que há muito tem batido as deles junto às borboletas do mundo real. 

10 comentários:

  1. É, nega. Esse horário é um buraco negro muito sinistro! Como eu estava há 3 anos envolvida com teatro nesses momentos, tinha desaprendido. Mas sexta-feira cheguei em casa às 19h e sentei na frente do notebook e de repente eram 00h e eu levei um susto quando olhei o relógio. Deus sabe como essas 5h passam. Mas não ouse fugir da internet, que eu não sou suas nega, Anna Vitória. <3

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  2. Nem me fala nisso! Eu sou dessas também! Entro pra mandar um email e ver algo que to precisando e acabo no perfil de uma pessoa que nunca vi, ou futucando uma página do facebook e etc. Eu de vez em quando faço isso de uma semana sem internet, ou só sem facebook, pra poder dar uma amenizada nessa doença rs, e vou dizer que dá certo viu? Ultimamente eu entro rapidinho no facebook, dou uma olhada e só. To gastando mais tempo lendo blogs e sites e assistindo filmes e séries.
    Boa sorte na rehab hahaha.
    Beijo

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  3. Meu problema maior é o Twitter. Tenho aquela necessidade de atualizar a tl umas noventa vezes porque algo grita dentro de mim que, se eu parar pra focar a mente no necessário, vou perder uma piada muito boa, ou uma história fantástica, ou um comentário importante, etc. Aplicativo demoníaco, esse! Só funciono de verdade quando não tem mais jeito, é fazer ou fazer, e aí eu me obrigo à esconder o celular desligado (sério) em algum lugar longe o suficiente pra me dar preguiça de ir buscar. E logo na primeira vez que pensei em largar o vício, corri nele pra avisar que estava pensando em largar. Fail.
    Essa vida de geração Y tem ficado complicada...

    tracerizar.blogspot.com.br

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  4. Eu ODEIO o Facebook e odeio ainda mais o oversharing(já entendi BRIGAS apenas observando os posts que brotavam na minha timeline, sem esforço nenhum da minha parte) que rola nele. Odeio também que ele tenha matado o Orkut e o MSN.
    Por mim, já teria largado, mas não é todo mundo que pode ser encontrado ~fora~ dele :/ e tem o stalk também né :P Ainda prefiro o Twitter e ficaria muito feliz se o Orkut com aquele espaço que só cabia uma frazezinha voltasse à moda.
    E realmente: esse horáriozinho voa mesmo ._.
    Beijos

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  5. Vixi, Anninha, isso é tão verdade. Eu passo por esse problema de não conseguir me concentrar quase sempre por causa da disponibilidade da internet aqui em casa. E percebi isso num dia que a internet decidiu cair e eu consegui ler um livro de uma vez numa sentada e estudar pra prova da outra semana. Nunca mais aconteceu. Tipo agora, eu devia estar estudando, mas tô aqui atualizando feed MORRENDO de vergonha depois de ler esse texto.

    Lembro que quando desativei o twitter, foi libertador, mas assim como quando desisti de tomar coca-cola e resolvi que "se eu bebesse um pouco não faria mal e não viciaria de novo", caí na teia da aranha e voltei pro twitter, viciada outra vez.

    Também penso em desativar o face por uns tempinhos, mas penso na Máfia que eu entrei agora. Acho que vou estabelecer horários e tal, porque a bicho tá pegando pro meu lado com a quantidade de coisas que eu tenho deixado pro segundo plano e que, na verdade, deviam estar em primeiro.

    Adorei o texto, também sofro disso.

    Beijos :*

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  6. Sumir das redes sociais é uma benção! Eu quase não ligo mais o notebook a não ser que o que eu preciso não dê pra ser feito pelo celular, mas entendo seu dilema, já me peguei várias vezes encarando a tela do celular com todos os tweets lidos, perfis do facebook stalkeados me perguntando porque eu ainda to fazendo isso quando tenho mais um monte de coisas pra fazer. Acho que já consegui me desligar do computador um pouquinho, o celular agora é o próximo passo... Ah os problemas do mundo moderno!

    beijos Annoca!

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  7. Eu sempre tive tudo que foi de rede social na vida, e em meados de 2010 eu era viciada em Twitter, passava tardes e tardes nele, tentando fazer amigos e conhecer pessoas novas. Hoje não mais. E olha que nem foi porque eu decidi largá-lo, a coisa aconteceu sozinha. Eu abusei dele, passei uns dias sem entrar e acabei esquecendo que ele existia. Eu sempre penso que eu poderia estar fazendo mil coisas importantes ao invés de ficar atualizando Facebook, ou esperando aquela pessoa me responder, mas a verdade é que eu sempre consegui conciliar internet + vida real. Quer dizer, minha vida nunca foi seriamente afetada por eu passar um tempo considerável online, sempre passei por média e essas coisas todas. Além do mais, nunca trocaria uma saída com os amigos pelo bate papo do Facebook. Mas tenho certeza que se excluísse meu perfil, sentiria uma saudade danada de saber das coisas de antemão.

    Abraço :)

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  8. Às vezes eu fico assustada de verdade com isso, sabe? A internet suga muito de mim. E eu fico com medo porque estou prestes a entrar em um semestre com oito cadeiras, e trabalho em tempo integral...e como vou conseguir se tiver a internet ali, sempre esperando um deslize meu? :(

    De repente eu também estou precisando de uma rehab. Acho que todos estamos. Mas não estou preparada pra isso agora. Talvez lá para o meio do semestre, quando as coisas estiverem caóticas.

    Beijo. <3

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  9. gente, a hora do lobo é um dos meus filmes favoritos do bergman. deu até vontade de rever agora. ele é super obscuro e cheio de mensagens escondidas. valeu pela lembrança. ;)

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  10. Wait a minute... VOCÊ ESCREVEU ESSE TEXTO BASEANDO-SE NA MINHA MENTE?
    Porque eu percebi exatamente isso aí que você disse ontem e percebi que se não fosse o facebook eu não teria reprovado naquela matéria que reprovei, porque cheguei fundo o suficiente para REPROVAR. EM. SOCIOLOGIA.
    E daí hoje acordei empoderada de uma coragem que nem sabia que existia e suspendi minha conta na tão aclamada rede social azul. Confesso que em parte foi recalque porque até o facebook da minha mãe já atualizou pro novo visual e o meu ainda não e isso só pode ser bullying do tio Mark que notou que estou presa naquele buraco negro há CINCO ANOS e resolveu me trollar um pouquinho, não me dando atenção ou privilégio de ser uma das primeiras a receber uma nova atualização e poder dizer pro mundo que sou descolada. E sim, eu sei que o novo visual do facebook é um lixo, mas sou paranóica.
    A outra parte, confesso, é porque eu passo tempo demais falando com todo mundo e atualizando o spotted e ai Gzuis eu ainda tô com dor no coração em pensar que ficarei longe do spotted, mas na hora que me perguntaram porque eu estava abandonando a página eu marquei "é temporário, volto logo" e estou desde já contando os dias pras minhas férias chegarem porque quero voltar pro meu universo azul e pras minhas amigas lindas.
    Enquanto isso, contento-me com o bom e velho twitter, com meus comentários-livro nos blogs que obviamente voltaram e com minha recém descoberta da vida, o tal do whatsapp.
    É rede social demais e cada dia que passa mais textos e livros não lidos acumulam-se por aqui. Se quero que a vida dê certo, preciso começar por algum lugar. Torço pra você não precisar tomar uma atitude tão extrema quanto a minha, mas saiba que se for necessário estarei ao seu lado te apoiando, porque prima é pra essas coisas.
    Te amo <3

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