
Na primeira - e única - quadrilha que dancei na minha vida, ele era meu par. E na cabeça de uma menina de cinco anos de idade tomada pela monomania em forma de um kindergarten-sweetheart loirinho chamado Marcelinho, dançar junto na festa junina era uma glória a equiparar-se com um casamento, embora não fôssemos nós os noivos da festança. Perfeccionista e enjoada do jeito que eu já era naquela época, me empenhei como nunca nos ensaios, nós tínhamos que ser a dupla mais perfeita de toda a turma. E sendo um tiquinho só mandona e controladora, do jeito que Monica Geller faz escola, e pelo que me contam do Marcelinho ser meio banana, era eu quem o conduzia durante a dança e ainda ralhava com o pobre quando ele se distraia de nossa apresentação para focar em qualquer outra coisa que fosse, para o desespero da professora encarregada de nos ensaiar.
No grande dia, lá estava eu: maria-chiquinhas (o quanto meus cinco fios de cabelo permitiram), blush exagerado, pintinhas desenhadas, batom vermelho (começava minha realização enquanto mini-perua), um lindo vestido xadrez, laços de fita lilás nos cabelos, botinhas pretas e todo meu amor pelo Marcelinho. Eu só não contava com uma coisa: seria desbancada por mim mesma.
Vamos as fatos: chegando lá, não queriam me deixar dançar com Marcelinho. O motivo? Eu era alta demais pra ele. Aliás, quando eu era pequena, eu era alta demais pra qualquer garoto da minha classe e isso me enchia de ódio. Ainda mais quando queriam me impedir de dançar com o amor da minha vida só porque ele era lá uns 15 centímetros mais baixo. Pouca coisa, ninguém ia reparar. O que eu fiz? Abri o berreiro, claro. Na verdade, não me lembro se chorei ou só armei uma tromba do tamanho do mundo, para constrangimento geral da minha família.
Queriam me fazer dançar com um outro garoto, que nem da minha sala era. E eu batia o pé, não dançaria com ninguém se não fosse com Marcelinho, tinha ensaiado com ele todos esses dias e era com ele que eu iria me apresentar. Nosso momento de glória, nosso pas-des-deux caipira não poderia ser arruinado por uma convenção social estúpida que obriga que as damas sejam mais baixas que seus respectivos cavalheiros. Marcelinho, numa hora dessas, deveria estar mais preocupado em acabar logo com aquela confusão para que fosse gastar todas as suas fichas na pescaria, mas conta minha mãe (apaguei esses momentos da minha memória) que eu segurei no braço do loirinho e não soltada nem por decreto.
A apresentação estava atrasada, mamãe estava a ponto de se sentar no chão e chorar no cantinho, professoras a diretora da escola e até outros vieram tentar persuadir-me de dançar com o outro par e eu nada. Até que uma boa alma veio com a solução, que fizéssemos um trato. Como haveria arraiá no sábado e no domingo, naquele dia eu tinha conseguido a mão de meu querido Marcelinho, uma vez que a apresentação já estava atrasada demais, contanto que no outro dia, eu topasse dançar com o outro garoto. Sem choro, nem vela, e nem ameaça de fugir.
E assim foi. Dancei numa noite com o amor da minha vida, meu pequeno príncipe encantado, e no outro dia, dignei-me a aceitar o outro garoto, mais alto que eu. Mamãe conta que se o pobre tem complexo de rejeição e inferioridade, a culpa é toda minha, que não olhei para a cara do coitado por meio segundo da dança, e praticamente arranquei minha mão da dele assim que findou a música, para ir correndo agarrar o braço do meu verdadeiro par.
