






Quando era pequena almoçava com meus pais no shopping praticamente todos os domingos. Íamos para a praça de alimentação e eu, como toda criança, mal sentava e já estava comendo. O mesmo macarrão, do mesmo buffet de massas, com os mesmos ingredientes (combinação que repito quase sempre que vou a esse restaurante, até hoje). Quando terminava, papai mal tinha chegado na metade de seu primeiro chopp, o que significava que havia muito tempo pela frente, e não me restava nada além de ir para a Siciliano. Todo domingo eu ficava lá mais ou menos das 13 às 15 horas, sentada nas cadeirinhas da seção infantil tendo todos os livros do mundo ao alcance das minhas mãos. Chegou uma época em que eu de fato tinha noção de todo o acervo infanto-juvenil da loja, e era capaz de dizer quando haviam chegado novidades, ou se mudaram os livros de lugar. Alguns atendentes me conheciam de vista, sorriam para mim ao me verem entrar, e já me avisavam quando meus pais apareciam ali na porta, me chamando para ir embora.
Foi nessa Siciliano que comprei meu primeiro Harry Potter, foi lá que eu chorei lendo um livro pela primeira vez (“Para Francisco”, que comecei a ler enquanto esperava por 2h o início de uma sessão de cinema), foi lá que comprei o maior livro da minha vida até hoje – e ainda um dos mais queridos: Toda Mafalda, um calhamaço gigante com todas as tirinhas da Mafalda já publicadas, que ganhei sob protestos de papai, que dizia que eu nunca leria um livro daqueles nem que vivesse mil anos. (Sim, já o li inteiro. Duas vezes!)
Com a adolescência, a Siciliano passou a ser o meu ponto de encontro com os amigos. Se íamos ao cinema, nos encontrávamos na Siciliano antes da sessão, se íamos só vadiar no shopping, era lá que o passeio começava. Engraçado que até a loja fechar, há poucos dias, sempre ouvia ou dizia “a gente se encontra na Siciliano”, embora eu e todos os meus amigos soubéssemos que o único lugar no mundo para se encontrar antes de qualquer coisa era a Siciliano. Era lá também que eu passava muitas horas com meu primo, provavelmente dividindo um pufe (já reparou o quanto era raro encontrar um pufe ou cadeira vazia naquela Siciliano?), com o livro 1001 Filmes Para Ver Antes de Morrer, folheando-o e comentando sobre os filmes que já tínhamos assistido (fazemos isso em toda livraria que pisamos).
Foi lá que eu tive a coisa mais próxima que já cheguei a ter de um ataque de pânico. Na véspera do PAAES estava sozinha no shopping quando de repente me caiu a ficha da importância da prova que eu faria no dia seguinte. Fui andando meio perdida pelos corredores do shopping e quando vi já estava na porta da Siciliano, o lugar em que eu mais me sentia segura. Foi lá que eu me sentei atônita em uma cadeira e tentei respirar e parecer normal enquanto fingia que lia um livro do Calvin.
Semana passada fui ao shopping bater perna com a Naná e cheguei bem mais cedo do que ela, e foi estranho pra caramba não ter a Siciliano para me refugiar enquanto esperava. Mesmo tendo passado um tempo enorme nas liquidações de sapatos, os minutos pareciam passar muito devagar, porque eu sabia que se estivesse enfiada nas prateleiras bagunçadas onde ficavam praticamente jogados ao léu livros da Taschen, minha espera não duraria mais que um piscar de olhos.
A Siciliano fechou para dar lugar a uma Saraiva Megastore, um dos meus maiores sonhos de loja que enfim se tornou realidade. A loja é magnífica, linda e reluzente, com todos os livros do mundo em proporção bem maior e além disso milhares de DVDs. Não estou acostumada a encontrar um “Crepúsculo dos Deuses” na primeira prateleira de filmes que fuço. E apesar de toda essa lindeza, Naná falou uma coisa muito certa, ainda que tenha sido uma brincadeira: “Não queria que a Siciliano tivesse fechado, onde a gente combinar de se encontrar agora?” “Agora tem a Saraiva!” “Eu sei, mas não a mesma coisa.”
Pior é que não é mesmo.