sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Espectadora brejeira


Eu sinto saudades de ver TV. Mesmo. Desculpa mundo, mas eu fui uma criança de apartamento criada com vó e enquanto as outras crianças do meu prédio estavam lá embaixo ralando o joelho brincando de polícia e ladrão, eu estava em casa assistindo Sessão da Tarde porque não sou obrigada a ser eternamente café-com-leite e há limites pra toda a humilhação. Honestamente, não acho isso ruim, não sinto que minha infância foi menos importante ou significativa e não sou apocalíptica do tipo que acredita que eu seria uma pessoa melhor se tivesse quebrado um braço naquela época que todo mundo tem uma história de braço quebrado pra contar. Minha infância de apartamento me apresentou aos livros e também fez com que eu fosse amiga das pessoas que gostavam de mim esquisita e fresca como sempre fui, sem jamais me rotularem de café-com-leite - e por isso eu sou amiga delas até hoje. 

Mas eu estava falando sobre TV. Porque além dos livros e dos amigos tão desajustados como eu, eu também via muita TV. Minhas atividades da manhã só começavam depois que eu assistisse, na sequência, As Trigêmeas, Doug e Ginger; eu me envolvia das novelas de um jeito pouco saudável a ponto de o primeiro livro que eu tentei escrever ser uma releitura de Mulheres Apaixonadas onde eu mudei tudo que eu achava estar errado com a trama do Maneco; e eu já fingi estar com dor de barriga na escola pra poder ir pra casa e assistir Elvira - A Rainha das Trevas na Sessão da Tarde. Sinto falta disso tudo, mas sinto falta, principalmente, do ritual de se estar na frente da televisão, que tinha graça justamente por não ter ritual algum. Era um relacionamento imprevisível e sem cobranças, onde eu me colocava na frente da tela disposta a fazer o melhor do que ela tivesse a me oferecer.

É fato que o modelo de televisão de antigamente, da minha infância, não funciona mais nos dias de hoje. Sei disso porque eu, a noveleira das noveleiras, tenho dificuldades de acompanhar as novelas porque elas não se ajustam à minha rotina e me cansa ter um compromisso no mesmo horário, seis dias por semana. Eu quero ver novela a hora que me der na telha. Além disso, tem os intervalos comerciais, insuportáveis pra qualquer pessoa que se acostumou a ver programas sem interrupção pelo computador. Mas, sobretudo, nossa vida mudou a ponto de não conseguirmos mais sentar na frente da televisão sem o compromisso de ver algo pré-estabelecido, simplesmente com a vontade de distrair a mente e assistir a algo bem idiota. Ir ver TV com hora marcada, como eu faço hoje, não tem nada a ver com o ato brejeiro e preguiçoso de se ver televisão na minha infância.

Eu sinto falta de não saber o que está passando e passar a tarde inteira acompanhando a programação de um canal sem necessariamente ter me planejado pra isso. Amo o Netflix com cada partícula do meu ser, do couro cabeludo ao dedão do pé, mas o excesso de possibilidades me angustia e às vezes eu só queria um botão de shuffle onde eu não tivesse que escolher, e pudesse ver qualquer coisa aleatória. Eu nunca vou assistir de livre e espontânea vontade Jordan, A Médica Legista, que eu sempre vejo no catálogo, mas quem garante que ela não me ofereceria um tipo de diversão sem culpa e compromisso que só uma maratona inesperada da Warner nos dias dourados sabia servir? Sempre digo que vou usar um dia das férias para ver TV durante o dia todo sem compromisso, mas basta meia hora ali pra que eu fique angustiada pensando que eu poderia estar vendo algum seriado, algum filme e meu Deus eu nunca vou terminar Parks and Recreation se continuar nesse ritmo. 

Vivemos em um mundo extremamente sistemático e racional, e é natural que essa lógica invada nossa vida para além das coisas práticas como trabalho e estudos, mas também no lazer. Combinado a isso, temos uma liberdade de escolha que só coexiste com uma vida de listas de afazeres e metas quando colocamos a diversão em uma planilha e é aí que a graça acaba. Sempre vai existir um infinito de coisas a serem vistas, livros a serem lidos, séries incríveis que você não pode perder de jeito nenhum a serem assistidas e isso tudo entra no caminho e invade os pensamentos quando a única coisa que eu quero é assistir um episódio de Mundo Amish ou América Aérea, mas perco a concentração porque me preocupo com aquele filme que eu deveria (como se alguém fosse me cobrar isso) estar vendo. 

O irônico disso tudo é que quando era criança meu sonho era ter acesso a um serviço parecido com o do Netflix, que me ofereceria todos os desenhos e filmes do mundo ao alcance de um clique, sem depender do dia ou da hora, porque as melhores coisas passavam na hora do jornal do meu pai ou então quando eu já deveria estar dormindo. E hoje, com o mundo no meu computador, eu só queria o descompromisso de ver Mythbusters numa manhã de domingo, só porque era aquilo que estava passando no momento.

Ser humano é uma droga. 

9 comentários:

  1. Via tv que nem você na infância. Sabia a programação da nickelodeon de cór, via novelas, todos os desenhos possíveis (deus abençoe os anos 90), mas aí eu cresci e confesso que a tv deixou de ser atrativa. Só vejo meus filmes (e nem preciso me estressar porque gravo todos), mas ainda gosto de parar e assistir algo aleatório de vez em quando, tipo discovery home&health, qualquer programa de perda de peso e reeducação alimentar, algo relacionado a história ou curiosidades, mas é só isso mesmo.
    O foda é que a gente nunca tá realmente satisfeito com nada, como você disse :/

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  2. Amiga, eu comecei a perceber que eu não vejo televisão quando escuto as pessoas comentando sobre algum comercial e eu não faço a menor ideia de sua existência. Porque eu só assisti novela pela internet. Quando estou vendo GNT, geralmente estou com o computador na mão e coloco a TV no mudo na hora dos comerciais. Não faço a menor ideia do que passa hoje no Discovery Home and Health e amargo uma saudade da época que eu ligava a TV e passava horas nesse canal, sempre sem fazer ideia de qual seria o próximo programa a passar. Saudades da época em que acabava um programa e aparecia aquela telinha falando quais seriam os próximos 2, e era ali que eu programa meu banho e minha pausa para comer, por exemplo. Hoje a gente sabe a hora de tudo, sabe exatamente onde está o que queremos, tem muito mais coisa programa pra fazer, e realmente, não consigo zapear pela TV sabendo que tenho uma pilha de livros não lidos e coisas do tipo. Nossa, você me descreveu nesse post!
    Beijos! <3

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  3. Também comecei a perceber que tinha deixado a Tv de lado, mas confesso que quando sento, fico em loop infinito no controle. Quarta-feira assisti a 3 filmes seguidos e, Meu Deus, como é bom não se preocupar com nada na vida.

    Mas admito, precisei reajustar todo meu horário de estudos quando apronto uma dessa. E isso é uma droga. SDDS infância.

    Beijos ;)

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  4. Não faz muito tempo em que me larguei no sofá assistindo televisão, mas o motivo não foi dos melhores: peguei uma gripe super forte em meados de agosto e a única coisa que eu podia fazer era ficar vendo tv. E tirando a parte da doença, que ninguém merece, foi legal passar aquele tempo aleatoriamente. Assisti desde o programa novo da Fátima Bernardes (que nem é novo mais!) até a novela das nove. Entendo o que você quer dizer, é mais sobre a nostalgia do descompromisso do que pela grade da emissora mesmo. (:

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  5. Engraçado ver que, mesmo sem querer e de longe, tinha mais um monte de gente compartilhando a infância comigo. Pq foi exatamente assim: tv, tv, videogame e tv.
    O que eu mais sinto falta é de poder ser presenteada com alguma coisa passando e poder assistir... pq hoje não dá tempo. Pq tem faculdade, trabalho, aquele freela, sair de casa pra pegar um sol e fazer a saudável...

    De toda forma, Crossing Jordan é muito legal! (minha adolescência era dividida entre Gilmore Girls e uma leva de séries policiais... Jordan era um deles.)

    bjs

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  6. Acabo de escrever 02948832975328 linhas de comentários e o blogge resolve não publicá-lo. :/
    Enfim, minha infância foi completamente igual a sua.
    Preferia mil vezes ficar em casa assistindo tv sem compromisso (Bjs Castelo-Rá-Tim-Bum, Doug Funny, Bob, Cocoricó (Alípio♥), Trigêmeas) a ficar na rua brincando de sei lá o quê- porque sempre fui ruim em qualquer brincadeira de grupo).

    Saudades infância.

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  7. Me identifiquei muitíssimo com o seu texto, como sempre.
    Eu não tenho Netflix e a Sky é só na casa dos meus pais. Gravo o que eu gostaria de assistir e vejo no final de semana, quando vou pra lá. Aqui, a TV é muito ruim. Até pouco tempo, só pegava a Globo. Então, acabei desacostumando ainda mais de ver televisão. Mas, como moro sozinha, às vezes, o silêncio incomoda, então ligo a TV pra ficar fazendo barulho mesmo, nem presto atenção na programação.
    Hoje mesmo, eu estava sentindo falta de sentar no sofá SÓ pra ver televisão. Porque, estou sempre no computador fazendo outra coisa simultaneamente, ou lavando louça, ou comendo. Mas, não dá mais pra me dar ao luxo de perder tempo assim...

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  8. haha, isso me fez lembrar de quando era pequena dizer para minha mãe: "Já pensou se desse pra gente "pausar"?" (geralmente dizia na hora que queria fazer xixi e ainda não era comercial do filme.)

    Hoje em dia, tenho TV a cabo que grava a programação, volta, pausa, faz bundalelê. Pergunta se damos conta de assistir tudo? Nem a pau. E pra variar, mesmo a SKY tendo serviços semelhantes ao Netflix, eu também tenho assinatura de Netflix... e ando num vício que só.

    Agora mesmo, antes do post no Facebook me chamar atenção, estava dando uma pausa nos trabalhos e indo assistir qualquer coisa na TV - e não, nada que já esteja gravado, haha!

    Um beijo,
    Re

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  9. Efeito bem Sheldon Cooper mesmo...

    Passo pelo mesmo problema. Sistematização demais, em tudo, até naqueles momentos que seria para simplesmente pensar "acabei as obrigações vou fazer o quê? humm... que tal o seriado X?" ou procurar na TV até achar algo. Preciso confessar que esses pacotes pagos não me agradam porque os horários nunca coincidem e sempre pego o final ou a metade dos filmes/seriados. Mas sistematizar e colocar em planilhas e agendar algo que deveria ser lazer, apesar de quê é uma meta ver tal filme e assistir a mais 4 episódios nessa semana do seriado Y, parece demais e ainda não funcionou comigo.

    Penso assim, vamos ver se dá jeito: agendar é demais, melhor se permitir ficar à vontade e relaxada para na hora do descaso escolher o que ver, mesmo que seja específico no Netflix ou o que esteja passando na TV paga. Depende do gosto - e da paciência - no momento.

    A propósito, também fui a menina do apartamento que passa tanto tempo em casa quanto passa no colégio, mas isso sempre me incomodou muito, rs. Complicações minhas internas...

    Abraços, gosto bastante de ler o que tu escreves, fica bem!

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