quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Na natureza selvagem

Olha, não me levem a mal, mas eu acho brega pra caramba esse papo de natureza. Não que eu tenha algo contra ela, pelo contrário, só me irrita um pouco a pieguice da qual as pessoas abusam sempre que algo verde entra em questão. É um papo de Mãe Natureza, Mãe Terra Em Revolta, Verde-Que-Te-Quero-Verde, Pulmão do Mundo, etc, etc, etc, que me brocha deveras, tipo gente que ama dizer que busca estar sempre em sintonia com o universo ao seu redor, suas energias e vibrações e esse tipo de conversa. Meu sono eterno pra essas pessoas.

Daí que esses dias eu estava na escola, feliz e amando o mundo mais do que o normal, graças ao meu bom resultado na prova de Física que havia acabado de fazer, e achando tudo lindo mesmo. Reparei no flamboyant, todo vermelho de primavera, aquele solzinho da manhã apesar do dia frio, o céu todo azul, aquele passarinho gordo ciscando ao redor e... oi, o pardalzinho estava sentado em cima de três plumas cinzas, que logo percebi que eram seus filhotes que provavelmente caíram do ninho. Antes que pudesse soltar um pouco mais do OWWNNN interior que se apoderava de mim, um lagarto enorme e nojento foi para cima dos bichinhos, e a mãe pássaro tentou defender a prole batendo as asas muito rápido e tentando bicar a cabeça daquele réptil atrevido. Saí correndo de perto, claro, mas assim que a confusão passou tive que voltar pra ver os filhotes, uma vez que a mãe havia escafedido para sei lá onde.

Um deles devia estar morto há um tempo, pois estava coberto de formigas. Teve que ir pro lixo. O outro, coitado, também morto e sem uma perna. Troço brutal que é a natureza, matutava ali com meus botões, observando a seleção natural agir diante dos meus olhos. Os mais fortes sobrevivem, pensava eu ao lembrar das minhas aulas sobre Evolução, os vestibulares que me aguardavam, o Big Brother Brasil e toda a antropologia prática que meus 17 anos de vida me puseram em contato. O negócio é que ando com essas ondas maternais e profundamente sentimentais, e não conseguia ficar em paz. Chamei um amigo, também tocado com a situação, e fomos até a horta enterrar decentemente o Sem Pernas - nome que demos ao bichinho (estava lendo Capitães da Areia). Um montinho de terra e uma pedrinha pra assentar e eu já estava quase em paz com o mundo novamente.

Restou um filhote, esse vivo. Uma bolinha que mal tinha penas, miúdo e frágil, do tipo que ia embora fácil com um vento mais forte. Suspirei de novo e pensei que a natureza era uma coisa realmente admirável, via ali aquele passarinho, cujos olhos nem estavam abertos ainda, as patinhas minúsculas e a pele tão fina que quase nos deixava ver o coração e os pulmões, que se enchiam e esvaziavam, único sinal que nos permitia ver que ele ainda vivia. Troço estranho que é a natureza, aquele ali estava destinado a morrer. Imaginei a mãe-passáro, olhando pra ele com desdém de cima da árvore, como mães japonesas linha-dura que acreditam que melhor ter um filho morto do que um filho falho. Coitado. Aquela história já havia me deprimido tanto que eu, achando que não podia fazer mais nada, queria ia embora logo.

Foi aí que apareceu, do nada, um técnico da companhia de energia. Meu amigo gritou e perguntou se ele por um acaso não tinha ali uma escada bem grande. Ele tinha não só a escada como a boa vontade para nos emprestá-la. O inspetor da escola subiu até o degrau que o permitia alcançar o galho onde estava o ninho dos pardais, e quase sendo atacado pela mãe que estava ali de guarda, colocou a ovelha negra de volta ao seu lar quentinho, onde a mãe dá comida na boca e ele tem os outros irmãos para esquentá-lo. Fiquei tão feliz com o desfecho da história, que antes tinha tudo pra me deprimir, que saí da escola saltitante, entrei no ônibus assoviando, imaginando que a Branca de Neve (ou a criança Anna Vitória viciada em Branca de Neve) se orgulharia daquele gesto. E fui andando até a casa da minha avó pensando que, naquele dia, todo o mundo, e a natureza, e a Mãe Natureza e o Verde-Que-Te-Quero-Verde e as breguices que as pessoas inventam, estavam do meu lado. Ha.

Quando é que eu ia imaginar que, naquela tarde, o "Pereirão" que minha mãe havia chamado para dar um jeito nos encanamentos de casa iria descobrir que o registro hidráulico do meu banheiro estava quebrado da forma mais desastrosa possível? Sim, foi essa a conclusão que ele chegou quando algo nas entranhas do apartamento estourou, fazendo uns 20 mil litros de água jorrarem por segundo, por uns 10 minutos, do enorme buraco que ele abrira. Estava no meu quarto e foi tão rápido e insano que eu mal tinha entendido o que havia se passado quando a água começou a invadir o ~meu mundinho~ e eu tive que me virar para proteger todos os cabos, tomadas e fios do computador. Aguaceira controlada, andei pela casa, toda inundada e pensei, novamente, que a natureza era uma coisa hardcore mesmo. A gente pensa que tem noção da força da água quando leva um caixote no mar e come areia ou algo do tipo, mas não imagina o tanto que a coisa é feia até ter que tentar, desesperadamente, conter todo aquele volume, com panos e toalhas, torcendo para os quartos não se molharem tanto assim e pro enorme tapete da sala não apodrecer. Chico, coitado, subiu no sofá e ficou tendo tremeliques, enquanto eu me resignei ao triste destino daquela tarde, que era rapar e rapar e rapar e rapar e rapar todo aquele Tejo de dentro de casa. Entre uma passada de rodo e outra, não conseguia parar de pensar nas pessoas que são vítimas das enchentes, nas pessoas de Nova Orleans que não tiveram só suas casas, mas sua cidade inteira coberta pela água, e naquela senhora que tentou salvar seus cachorros da força da água. Um tapete mofado não era nada perto disso, e ia pensando nessas coisas melancólicas para evitar que um aff-que-bosta-perdi-a-hora-na-manicure bem egoísta e classe média sofre saísse da minha boca por acidente. Porque a fala na real é, novamente, aff que bosta, quem foi que inventou essa história que só que é forte sobrevive?

Confesso, foi uma quinta-feira meio filosófica e inspirada.

Ao fim do dia, aceitei o convite da minha querida Isabela para acompanhá-la a uma caminhada de cachorros, uma cãominhada de lua cheia. E mesmo com as costas doídas, a cabeça pesada, e sabendo que perdi um dia todo passando o rodo no apartamento, vendo aquele céu, a lua enorme, o vento gostoso, e aquela infinidade de cachorrinhos lindos e maravilhosos, suspirei e pensei comigo mesma, pela quinquilhonésima vez ao dia: êta Deus maravilhoso, a natureza é algo bacana sim. E voltei a ficar em sintonia com o universo ao meu redor, suas energias e vibrações.

5 comentários:

  1. Alguns comentários:

    1. Não suporto assistir esses Animal Planet e seus congêneres. Não suporto. Não posso acreditar que a natureza deixa os veadinhos serem devorados pelos leõezinhos e que os leoêzinhos sejam malvados.
    2. Eu pensei que eu morasse na roça, mas tem um LAGARTO na árvore perto da sua escola.
    3. Eu nunca teria coragem de enterrar um bichinho. Vocês foram demais <3
    4. Essa história de estudar pra vestibular está te deixando um pouco... filosófica, Anninha! Espero que continue assim, porque eu me mijei - olha a natureza imperiosa agindo novamente - de rir com esse post!

    <3

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  2. cara, adoro o jeito que você escreve. você será uma ótima jornalista, tenho certeza!

    eu também acho brega esse pessoal que super ama a natureza e tal. mas é só me deixar numa praia, no no meio do mato que eu fico: "nossa, que coisa linda, que lugar maravilhoso, como a natureza é incrível" e tudo mais, rs ^^

    bjim

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  3. Hahaha, no início do seu post eu lembrei da novela Fina Estampa. Todo dia, no fim do dia, o povo da pousada, encabeçado pela Totia Meireles e pelo Wolf Maya SAEM todos para BATER PALMAS PARA O SOL E AGRADECÊ-LO POR BRILHAR. E eu juro que MORRO de vergonha alheia sempre que vejo a cena. Mas que é preciso a gente se sentir em sintonia com tudo o que nos está em volta, a lá isto é!
    Beijos, Anninha!

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  4. hahaha, logo se percebe que você filosofou, um pouco de vez em quando não faz mal a ninguém. eu também acho um pouco piegas a "engajagisse" geral desse povo que quer proteger isso e aquilo, mas de vez em quando tudo parece fazer sentido pra mim tbem...
    agora nesse sentido todo geral que você falou, que inclui os animais e tudo eu gamo, porque eu amo bichos...

    vai entender!

    beijoca.

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  5. Ah, que amor o teu post. Eu ando muito na "vibe" de olhar as coisas boas da vida, as coisas legais que acontecem e tal.
    Eu sei que às vezes é meio dificil e confesso que eu na tua situação ia passar o dia de cara feia, mas sempre vale a pena parar um pouco e olhar em volta e ver que natureza é muito maior do que uns momentos ruins. :)
    Beijo. <3

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