segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Lembrança de Itapuã

Sexta-feira, durante aula que parecia não acabar resolvi dar uma olhada no Facebook - não me julgue, caro leitor, eu sei que você também faz isso. Entre gente xingando o Joaquim Barbosa, gente exaltando o Joaquim Barbosa, gente xingando quem xinga ou exalta o Joaquim Barbosa e contagens regressivas para o fim de semana, me deparo com uma foto da minha mãe. De chapéu, óculos escuros e vestido azul de verão, lá estava ela passando uma tarde em Itapuã e fazendo pose ao lado da estátua de Vinícius de Moraes, que agora existe na praia imortalizada por seu poema.

Falando com ela ao telefone no dia seguinte, descubro que de Itapuã mamãe vai levar a foto e a lembrança dos calafrios que fizeram com que ela deixasse a praia em menos de dez minutos. Uma viagem tenebrosa de táxi e duas paradas para vomitar depois e ela estava de volta ao hotel, onde passou os últimos dias de cama, enrolada em lençóis empapados de suor. A culpa era de um camarão com procedência duvidosa que ela, mineira empolgada, comeu em seu primeiro jantar em Salvador. Somando a doença ao péssimo café da manhã do hotel, às praias sujas e ao preço abusivo de tudo - "R$6 uma garrafa de água, imagina na Copa!", o resultado foi a volta da viagem adiantada em dois dias. 

O problema é que as únicas pessoas que souberam dessa pequena grande intempérie das férias de mamãe foram as amigas que estavam com ela e eu. Para o microcosmo que acompanha suas aventuras pelo Facebook, foi uma viagem incrível, pois a ordem lá é ser feliz.

A rede social exibe para o mundo a melhor versão de nós mesmos, construída com esmero por meio de fotos das festas e das férias, um registro eterno daquele efêmero instante em que o meu cabelo estava mais bonito do que nunca e daquela noite em que eu troquei o misto quente de todos os dias por um fotogênico prato de gente grande. No Facebook, até o suco de couve receitado pela nutricionista parece ter gosto de ambrosia. 

No mundo real, acordo de mau humor, tenho olheiras, pontas duplas e posso pegar intoxicação alimentar, desventuras às quais estou suscetível, assim como o resto mundo, pelo simples fato de ser humana. Todavia, essa falibilidade parece insuportável num mundo moderno que me dá controle sobre quase tudo, daí a sedução exercida por redes como Facebook, que me permitem editar minha própria vida de modo a mostrá-la da forma mais curtível possível. 

É uma ilusão patética que criamos, para nós e para os outros, doentia ao ponto de eu sentir inveja da cor do meu próprio cabelo nas fotos, da mesma forma como me frustrei vendo fotos da minha mãe na praia enquanto eu estava na aula. Um pesquisador de Stanford concluiu que por mais sorridentes que estejamos em nossas fotos de perfil, o Facebook é a rede social que mais deixa as pessoas tristes, pois o contraste entre o mundo real e o universo paralelo altamente curtível acaba com o ânimo de qualquer um.

Mentira boa é aquela que nos faz esquecer da verdade, já dizia minha avó, e por isso nós comparamos os bastidores da nossa vida ao espetáculo da vida dos outros - frase maravilhosa que a Analu me disse um dia, mas que a própria não tem certeza se é coisa da sua cabeça ou se foi retirada de algum lugar -, sem lembrar que todo álbum de viagem aparentemente perfeito guarda algum caso de vôo atrasado ou intoxicação alimentar. Ninguém fotografa esses momentos de humanidade pura, mas é um consolo interessante lembrar deles, principalmente numa tarde de sexta-feira, durante aquela aula que não acaba nunca. 

Pensarei nisso da próxima vez que estiver entediada e resolver dar uma olhada no Facebook – ou talvez eu escolha a dedo uma citação de Foucault e diga que estou assistindo à melhor aula da minha vida.

(Apelei e aproveitei uma crônica que escrevi para uma matéria da faculdade, mas juro que é porque o dia foi foda e está longe de acabar. Mesmo numa semana terrível, a missão suicida segue firme, quem vai me acompanhar?)

8 comentários:

  1. Já me peguei pensando várias vezes o quanto eu pareço legal/divertida em algumas publicações. MAS QUE NADA.
    Essas redes sociais elevam nosso cinismo ao ponto mais alto.
    E é por essas e outras que eu já pensei em dar adeus ao Facebook, mas até agora não criei vergonha na cara e acho que nunca criarei.

    Adoro seus textos e suas reflexões :)

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  2. Estamos juntas na missão suicida, embora eu ainda não faça a menor ideia de qual será a de hoje.

    (Adorei a crônica, você está incrível, como sempre <3)

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  3. "Um pesquisador de Stanford concluiu que por mais sorridentes que estejamos em nossas fotos de perfil, o Facebook é a rede social que mais deixa as pessoas tristes, pois o contraste entre o mundo real e o universo paralelo altamente curtível acaba com o ânimo de qualquer um." = gente, maior verdade. Lembro-me bem de um domingo em que acordei meio de mau humor e, em meio aquele ritual detestável de scroll eterno no facebook e no instagram, fiquei revoltada e deletei a minha conta nessa maldita rede social azulada. Era uma sequência doentia de fotos de praia, sol, mar, areia, perninhas tomando sol... e tudo me parece tão forçada, sabe? Vejo até mesmo da minha parte. Fico na preguiça de postar qualquer coisa, mas quando faço uma viagem legal não me importo e posto umas tantas fotos. Nós criamos uma imagem meio falsa onde a vida parece perfeita o tempo inteiro. E ai de quem postar qualquer reclamação, porque parece drama. E é proibido ficar triste em tempos de redes sociais.

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  4. Eu tenho uma amiga que quando a gente se encontra com os amigos, ela fala pra tirar foto feliz, super contentes pra postar no Instagram e todo mundo pensar que nosso encontro foi sensacional e querer ficar com a gente hahaha. Eu morro de rir e fico assustada porque deve ter muita gente que faz isso de verdade, e como ela mesma disse, o Instagram/Facebook é tudo fake, tá todo mundo feliz e lindo! Só que ninguém sabe que pra sair a foto linda, a pessoa deve ter tirado ao menos umas 5 até chegar na que ela postou haha.
    Acho que a única rede social sem essa felicidade toda e que tudo é lindo, é o querido Twitter. Pelo contrário, lá é que todo mundo usa como válvula de escape pra desabafar tudo e reclamar da vida ahaha.
    Beijo

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  5. Você tem razão. A vida virtual é mais fácil e mais bonita do que a vida real, em todos os aspectos.

    jj-jovemjornalista.com

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  6. Já tinha lido essa crônica e amado, então aprovo a marmelada de reaproveitá-la por aqui, hahaha.
    Amiga, nem sei o que comentar, porque é isso aí, né? A grama do vizinho sempre parece mais verde, mas a gente não conhece as minhoquinhas dela. As nossas a gente conhece :)
    te amo!

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  7. Estou muito chateada por não ter visto a semana de crônicas antes. E é engraçado que é só nesse tipo de ocasião que eu penso "viu, se você tivesse facebook/twitter vc saberia", é pois é, mas você não faz ideia de como minha vida têm sido mais incrível e repleta de surpresas porque não tenho redes sociais. Não preciso me esforçar pra parecer feliz e finalmente me sinto livre para apenas ser. Não me sinto presa a um monte de gente que odeio, não sinto inveja de ninguém, tenho lido um monte de jornais e livros e comecei vários seriados novos e troco e-mails gigantes e hiper confidenciais com os amigos, tá tudo muito lindo e muito bom e quando eu vejo textos como esse, eu lembro de todo o caos que é essa vida fake e só consigo sorrir por ter me livrado dela.
    E coitada da sua mãe.
    Abraços!

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