segunda-feira, 6 de outubro de 2014

A problemática da internet

Não entendo de política como eu gostaria, nem o suficiente pra me sentir confortável em expor minhas opiniões sobre o assunto o tempo inteiro, porque sei que sempre vai ter alguém que irá fazê-lo com mais desenvoltura do que eu. Eu gosto muito de saber que sempre tenho mais pra aprender sobre isso, e embora alguns dos meus posicionamentos passados hoje já não tenham nada a ver comigo, e até me envergonhem um pouco, fico orgulhosa de mim por ter aprendido o suficiente pra mudar. 

Sou gente de humanas desde o ensino fundamental, e se eu já tinha um pendor para a subversão, como meu pai colocaria, foi a universidade que me ajudou a transformar achismos e simpatias pessoais em argumentos coerentes, embasamento histórico e referências bibliográficas. Não que a gente precise de uma formação acadêmica pra ter qualquer opinião sobre política, mas eu tenho essa inclinação pros livros e costumo resolver minhas questões com artigo científico e consulta aos autos da biblioteca. 

Sim, minha vida universitária contribuiu muito pra minha formação, mas outra fonte responsável por uma educação constante e bem eficiente foi a internet. Não por meio de cursos online ou nada tradicional assim, mas pela troca de ideias com as pessoas, em grupos fechados, convívio nas redes sociais e às vezes até mesmo textão no Facebook, quando sobra paciência. A internet é uma fonte inesgotável de zoeiras e mina nossa produtividade de jeitos infinitos, mas acho muito ingênuo pensar que ela serve só pra perder tempo. 

Vejo gente muito competente na frente de blogs sobre coisas sérias e outras não tanto - mas Deus me livre ser séria o tempo inteiro - compartilhando experiências e coisas que aprendeu por aí, e muita gente disposta a discutir e debater questões caras dentro de espaços como grupos no Facebook. Cinema, feminismo, políticas públicas, futebol e literatura: tudo tem seu espaço, e se hoje sei explicar o que é um tapetão, defendo o Bolsa Família, políticas de cotas, a descriminalização do aborto e sempre bato o pé e encho o saco quando vejo personagens femininas subaproveitadas em filmes, livros e séries, é muito mais por conta do que aprendi na internet nesses anos do que já li em qualquer capítulo de livrão disponibilizado por um professor no xerox da esquina. 

Por essas e outras que eu sempre defendo a internet e gasto a maior saliva com qualquer pessoa que pense que ela é sinônimo de propagação de mentiras e procrastinação. Acho que, se não fosse pela internet, nem na faculdade de Jornalismo eu estaria, e às vezes acreditaria que essa coisa de escrever fosse uma mania passageira. Aqui eu aprendi sobre feminismo, samba e easter-eggs de Breaking Bad, e foi aqui também que eu conheci gente maravilhosa e fiz amigas com quem hoje eu rodo o Brasil, vivendo altas aventuras.

A internet, como qualquer outro espaço no mundo, é um lugar de pessoas. A única diferença é que a gente pode selecionar quem está perto da gente e até esquecer quem não tem nada a ver. No mundo real eu também só ando com quem eu quero, mas ainda tenho que conviver com chefe, parentada, colega de sala, vizinho que fuma na sacada e o escambau. Na internet eu posso dar mute ou unfollow se não quero ouvir o coleguinha fazendo live do jogo do time dele duas vezes por semana, do mesmo jeito que tenho todo o direito de não me sentir obrigada a ver discursos de ódio ou meme engraçadão do TV Revolta no meu feed. Na internet o mundo é filtrado e me mostra aquilo que eu quero, e não sei até que ponto isso pode ser produtivo. 

Com essa liberdade a gente segue um fluxo específico e de repente estamos sentados numa rodinha maravilhosa só com pessoas maravilhosas que dividem conosco os mesmos, ou pelo menos a maioria, de interesses maravilhosos. Acho delícia entrar no Twitter e ver que as pessoas que eu sigo, assim como eu, são igualmente interessadas em debater como o Vicente, da novela, tem cara de quem beija bem, e em troca de ideias sobre o marco civil da internet. No meu espaço da internet todo mundo é a favor da descriminalização do aborto e ninguém compartilhou links das fotos das atrizes que vazaram. Minha bolha da internet lê e defende young adult, brincou horrores na época da Copa, e achou lindo a Lu Genro peitar o Aécio no último debate.

O negócio é que às vezes eu me sinto tão à vontade nesse mundinho que esqueço que ele não passa disso: uma bolha. Uma ilha da fantasia descolada da realidade. E às vezes eu sou forçada a lembrar que o mundo, e em especial o Brasil, é ridiculamente maior que tudo isso. Porque é tão confortável viver nesse mundo supimpa que pouco me confronta e só me acrescenta, é tão mais fácil trocar ideia com quem eu tenho uma meia dúzia de ideias em comum e acreditar que tá tudo bem, que agora vai. É bem menos desgastante viver essa realidade composta por elementos que eu mesma selecionei e organizei, numa curadoria bem cuidadosa que reuniu tudo que eu mais prezo.

No entanto, é preciso lembrar que existe um mundo inteiro lá fora, muito mais complexo do que supõe minha vã filosofia, e a gente não chega muito longe se não abrir a janela pra entendê-lo melhor. O dia de ontem foi um choque bem dolorido de realidade pra mim, que acordei entusiasmada para votar e cheia de esperanças num mundo melhor, e fui dormir magoada ao ver que, opa, não era bem assim. Uma vez, conversando com algumas amigas, comentei que o mal de ser gente de humanas é que a gente se perde no nosso mundo, se cerca de gente de humanas, e acha que o mundo inteiro é um grande centro acadêmico. 

A ironia das ironias é que, na universidade, sempre que vou defender meus projetos, me amparo no Gay Talese e sua lição, eternamente gravada em mim, que pra ser um bom jornalista é preciso gastar a sola do sapato. O meu verso favorito de uma das minhas músicas preferidas diz que we've got information in the information age but do we know what life is outside of our convenient Lexus cages? Fico até com vergonha desses meus lapsos de ingenuidade quando penso que já vi essas lições antes, mas é sempre bom e absolutamente necessário relembrar. 


O mundo é muito maior que isso, o mundo é muito maior que a gente, e o Brasil está aí inteirinho do lado de fora, contraditório, desigual e fascinante, pra ser entendido e conhecido. Sempre tem mais coisa pra gente aprender e não, eu não vou encerrar esse post com a máxima do Sócrates que está mesmo na ponta da língua, mas fica aí a reflexão.

Em outras notícias, fiz um Tumblr! Sim, outro, sim, eu tô lembrada que aquele lá não deu em nada. Mas fiz um Tumblr pra falar sobre música, pequenas, aleatórias e despretensiosas divagações de quem passa um tempo razoável pensando sobre essas coisas, mas não tinha lugar apropriado pra dividir isso com o mundo. Tá lá: Monólogo em Ré Bemol.

8 comentários:

  1. Nossa, passei o dia de ontem inteirinho pensando nisso. Eu amo minha bolha! Acho tristíssimo saber que tem tanta gente fora dela. :(
    Foi um soco de realidade ontem, e eu ainda to abalada com isso porque cara...como assim?
    Descobri que nada sei sobre quase nada nessa vida. Só que em vez de eu ficar entusiasmada e querendo saber mais, fiquei triste e recuei.
    No momento to apaixonada pela minha bolha, porque fora dela é hostil demais.
    :(

    Ps: as always amei demais teu texto e vou ficar aqui dando uma olhada nele pra ver se me inspiro, ta?

    <3

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  2. Caramba, estava pensando justamente nesse assunto esses dias todos, mas não saberia me expressar tão bem assim, haha.
    Realmente, nossa "sociedade" internética é muito seleta, ficamos tão próximos dos que concordam que viramos feras ao chocar com os que discordamos. Ainda mais eu, que já não era "nada ranzinza", piorei uns 100% depois de ontem - vale lembrar que sou de São Paulo, considero as eleições catastróficas em todas as esferas.
    Gostaria de ser mais calma, mais fria em relação a tudo isso, sério mesmo. Mas talvez eu tenha me tornado maniqueísta demais...
    Obrigada pelo texto, sério mesmo. Esse vai pros favoritos e tenho certeza que irei citá-lo em algum texto meu no futuro.
    Beijos!

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  3. Ai Anna, obrigada por colocar em palavras o meu sentimento pois domingo a noite se resumiu em "como é possível uma coisa dessas?".
    Aqui no RS rolou um vídeo no qual um ex-jogador de futebol deu uma entrevista muito bêbado dizendo que ele queria ser deputado para ter uma ocupação. E ele foi eleito.O pessoal ficou muito indignado mas isso é só mais um indicativo de que o mundo é maior que a internet.
    Ah e não são só as pessoas das humanas que ficam perdidas nessa bolha não, eu sou das exatas e me perco muito facilmente :P
    Ótimo texto, como sempre.
    Beijão!

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  4. Oi amiga :)
    nem me fale sobre se sentir confortável no mundinho da internet (da máfia, principalmente) e ter que encarar o mundo real, que dificilmente pensa da mesma forma. Por isso, não nego, fico completamente abalada quando, em alguma situação, penso diferente de vocês. Me sinto fora da maré, um peixe fora d'água. Até pesadelo já tive. Quero que essas eleições passem logo. E que o mundo continue confortável - mesmo que dentro de casa. Ou, dentro dA Gente.
    Te amo!

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  5. Andei pensando nisso esses dias e acho que a minha bolha tem um furo, porque, embora o meu mundinho De Humanas e os grupinhos incríveis da internet sejam um conforto enorme para os meus ideais, tenho dentro de casa gente que pensa de uma forma perfeitamente diferente da minha, o que gera uma discussão absurda e acaba me mostrando, com mais frequência do que eu gostaria, que nem todo mundo vê as coisas do meu jeito. Eu só não sei se acho isso bom ou ruim, no fim das contas. hahaha
    Beijo!!

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  6. Anna do céu! Também fui dormir deprimida no domingo :~~ não só porque quem eu votei perdeu mas porque senti que o Brasil perdeu uma grande oportunidade. Além disso, os meus amigos da vida "real" que não são de humanas (haha) começaram a cuspir opiniões que me deram náuseas! E sim, eu amo meus amigos... mas tinha esquecido como é pôr a prova conceitos já tão bem estabelecidos e assimilados e ver reveladas as ideias de gente tão próxima da gente. Um pouco chocante, admito. É triste mas o mundo não é minha timeline do twitter, rs.
    Ótimo post, btw. Bjs!

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  7. É até um choque muito forte de realidade quando me deparo com gente pensando coisas "erradas", coisas das quais minha bolha internética me protegeu. Essa semana, por exemplo, sobre o resultado das eleições. O pessoal do Twitter super lindo e coerente, e o pessoal do Facebook só no chorume... não sei o que há, mas assusta! Pessoal julgando os motivos pelos quais o nordeste vota nesse ou naquele candidato dos jeitos mais errados, de chorar de tristeza mesmo. Dá vontade de largar o mundo real e ficar só na internet, haha.

    Ah, só pra não esquecer: gostei muito do seu comentário lá no blog. Nessa de colecionar os "e se" você tem razão, às vezes é melhor deixar quieto. ♥

    Um beijo!

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  8. Anna, entendo o que você está dizendo. Ver os resultados das eleições semana passada foi uma experiência bem... complicada. Ver os resultados das últimas pesquisas de intenção de voto também tem sido complicado.

    A internet pode funcionar como uma bolha mesmo, e uma bolha maravilhosa, ainda por cima. (E acho que é ainda pior para quem é gente de humanas, como você colocou muito bem. Esses dias eu e uma amiga da Letras estávamos discutindo algumas reações ao discurso da Emma na ONU e ela falou algo parecido: a gente se acostuma com gente da Letras em volta o tempo todo e esquece que a maioria das pessoas não é assim.) Eu ainda me dou o direito de deixar de seguir gente no Facebook, de dar mute no Twitter (na vida real eu não posso ter paz, então pelo menos na internet...). O mundo, e as opiniões, acabam sendo filtradas. Também vi outros amigos de facebook comentando algo semelhante na segunda passada: o problema é que a gente passa a acreditar que essa nossa bolha representa direitinho o resto do mundo. Ironicamente, eu reviro os olhos pros posts no facebook de amigos privilegiados questionando os resultados das eleições, visto que vão completamente contra suas timelines. Eu e eles podemos pensar completamente diferente, mas fui atingida pelo mesmo mal.

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