sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Era uma vez um garoto chamado Bárbaro

Poderia ser uma história qualquer, contada por uma amiga querida, como tantas outras que já ouvi antes. Até que de repente, sem aviso, sem sinal, Analu solta: "Então o meu amigo Bárbaro...".

Nessa hora, como boa pessoa madura que sou, eu interrompi a conversa e ri em caixa alta por umas sete linhas inteiras, e repeti esse processo durante todo o resto de caso sempre que o Bárbaro era mencionado. Vale dizer que o Bárbaro era um personagem bem importante nessa história.  

Não era uma risada de deboche, eu juro, era simplesmente uma risada de quem se encanta com a vida, com o mundo, e com as circunstâncias que permitem a existência de um ser humano chamado Bárbaro. Deus está nas pequenas coisas, e uma delas certamente é no coração do pai e da mãe que um dia decidiram dar ao filho um nome com tantas possibilidades. Bárbaro, gente. Bárbaro! 


Eu gosto de nomes, é uma coisa que eu sempre reparo nos outros e é uma coisa pra qual que sempre atribuo significados, mesmo sabendo que na maior parte das vezes eles só fazem sentido na minha cabeça. E Bárbaro, além de ser um nome interessante porque totalmente inesperado - a gente conhece Julianos, Márcios, Cláudios, Sandros, mas poucos, raros e únicos Bárbaros - é também um nome trocadilho com mais de uma possibilidade. O trocadilho é aquela molecagem ingênua que a sisudez dos nossos tempos não permite mais, mas que se faz necessária justamente pra que a gente nunca se esqueça que essa vida é uma grande piada, nesses tempos em que a nova moda é se levar muito a sério.

Bárbaro era tão levado a sério que fiquei sabendo que seu próprio pai vira e mexe soltava por aí: Barbáro, você é bárbaro! Eu imaginava um pai risonho e bonachão dizendo essa pérola num churrasco de família, com um pano de prato nos ombros, logo após pedir uma cerveja - que era servida por seu filho, o Bárbaro. Com um afago carinhoso, feito com a mão pesada que só os pais mais bonachões tem, viria a piada: Bárbaro, você é bárbaro! e todos dariam gostosas risadas, mesmo que isso fosse repetido todo santo domingo.

O Bárbaro se tornou uma presença tão constante nas nossas conversas que Analu logo começou a tratá-lo como "seu amigo Bárbaro". Eu dava minhas gargalhadas, maravilhada, enquanto ela contava mais uma anedota que ajudava na construção desse personagem interessante. Dei aquela conferida básica no Facebook, porque essa é a tônica dos nossos tempos, e não demorou para que o Bárbaro se tornasse uma entidade na minha cabeça.

#momentos 

Bárbaro, esse cara legal que gosta de cultura japonesa, tem um pai engraçado e aprendeu com o tempo que, mais fácil do que lutar contra essa sina que lhe foi dada no dia de batismo, era unir-se aos bons e abraçar o gracejo, fazer dele a sua força. Bárbaro fez bons amigos por causa do seu nome e eles eram incansáveis na arte dos trocadilhos. Bárbaro pegou muita mulher por se chamar Bárbaro e não estar nem aí, porque a essa altura os homens devem saber que existem poucas coisas mais sexies numa pessoa do que ela saber e fazer rir. Bárbaro era aquele cara gente boa, querido por toda a turma, aquele que ganharia a primeira festa surpresa e seria destinatário dos presentes mais caros das vaquinhas de aniversário. 

Eu gostei tanto da ideia que eu fiz do Bárbaro na minha cabeça que minha proposta inicial era começar o projeto 1001 pessoas contando a história desse cara que eu nunca conheci. No entanto, com o frigir dos ovos, inspiração acabou cedendo lugar a outras mais urgentes e ficou deixada de lado, até que foi descartada de vez com uma infeliz atualização no meu arquivo mental de referências bárbaras: Analu me contou de um recente contato dos dois no qual Bárbaro perdera uma excelente oportunidade de ficar calado. Para muitos pode até ter sido uma ofensa banal, mas pisou forte em um dos meus calos e naquele dia eu nem ri ao ouvir seu nome. 

O que eu só percebi recentemente é que, pior do que a piada infeliz do Bárbaro, foi eu ter me achado no direito de me decepcionar com ele por causa disso. Sem querer, transformei o Bárbaro nesse personagem que eu construí a partir das minhas próprias ideias, concepções e expectativas, tudo isso em cima de um único dado nada relevante e umas histórias perdidas do tempo da escola. 

O que me assustou nessa epifania foi pensar que fazemos isso o tempo inteiro uns com os outros, ao dispensar a chance de conhecer alguém de verdade, com seu senso de humor que pode ser espirituoso mas bem equivocado de vez em quando, porque é muito mais confortável transformar as pessoas em ideias e atribuir a elas a responsabilidade de andar de acordo com nossas expectativas. 

Não somos nossos nomes, nem nossos pais bonachões, muito menos um simples espirro escandaloso, um queixo grande ou um hábito incômodo de roubar a batata frita do prato alheio. Não somos nossas músicas preferidas e nem aquelas que detestamos, somos mais que nossos filmes, nossos óculos e nossas patéticas intenções de voto. Tão traiçoeiro quanto acreditar que uma pessoa é mais do que uma pessoa, como nos alerta o John Green em uma de suas iluminações mais importantes, é ir pelo caminho contrário e transformá-las em algo menor que isso. 

Ou seja: não somos bárbaros e nem barbaridades, mas algo ali no meio. 

5 comentários:

  1. Amiga, eu sabia que quando esse post aparecesse seria genial, por isso esperei tanto com ele. E não é que você fez do limão a limonada? Falou do Bárbaro e ainda tirou uma bela filosofia no final. E eu obviamente chorei de rir com a frase final. Se você quer saber, eu acho que A Gente é um bando de bárbaras fazendo barbaridades. Amo! <3

    ResponderExcluir
  2. A quantidade de Bárbaros no mundo atual é tão mínima que duvido que Ana Luísa conheça mais de um. E fico imaginando esse Bárbaro visitando o SO CONTAGIOUS meio sem querer (quem nunca buscou seu próprio nome no google? risos) e falando "não acredito que ela fala de mim pelas costas.
    Ou talvez ele ignore e deixe pra lá, do mesmo jeito que deixa as piadas do pai no churrasco para lá.
    Ou talvez a gente não deva criar expectativas sobre essa visita dele, né. (acho que essa é a opção correta)

    beijo*
    andré cefalia

    ResponderExcluir
  3. Que história ein?! O Bárbaro rendeu uma boa reflexão no fim. A gente sempre caí no erro de idealizar as pessoas e na maioria das vezes quebramos a cara. Ao menos valeu as risadas, nomes diferentes sempre rendem boas risadas.
    Bjs!

    ResponderExcluir
  4. Estou adorando essa semana de crônicas, já quero todas as semanas assim pro resto da vida hahaha Você tem o dom de transformar uma história simples, nesse caso um nome excêntrico, em algo incrível e interessante.
    Mas o que eu queria comentar mesmo era: Já faz dias que li esses post e TODA VEZ que lembro do Bárbaro e de como você abordou a situação do nome dele eu começo a rir desvairadamente, sem chances de parar. Então, muito obrigada por compartilhar essa pérola com a gente <3
    Debora.
    Beijos!

    ResponderExcluir
  5. Barbaridade esse post (com o perdão do trocadilho) :D
    A mania de traçar esquemas na nossa mente sobre as pessoas é ruim tanto pra gente quanto pro Bárbaro q não faz a mínima ideia de q é outra pessoa na cabeça de alguém.

    ResponderExcluir