sábado, 25 de outubro de 2014

Nada na cabeça

Para ler ouvindo:

Essa música me descreve em todos os níveis e instâncias possíveis, prestigiem, por favor

Vocês acreditam em intuição? Eu achava que era coisa de novela até o dia que minha mãe insistiu para que eu não fosse em uma viagem na escola, porque ela teve uma ~intuição~ que algo ruim ia acontecer. Eu fui teimosa, viajei mesmo assim e voltei pra casa com 42 picadas de abelha. Desde então tenho prestado mais atenção nesses pequenos insights que surgem como relâmpagos na minha cabeça: rápidos, mas escandalosos o suficiente para serem notados. E olha, é impressionante a frequência com que eu acerto - pro bem e pro mal. 

Ontem eu estava parada na calçada do meu prédio, meio tomando chuva, esperando um táxi. O terceiro táxi da noite. O primeiro que eu chamei jurou que tocou o interfone de casa e ninguém atendeu, por isso ele foi embora. Eu só queria saber qual interfone ele tocou, porque não foi aquele que estava do meu lado naquela hora e meia que passei esperando. O segundo simplesmente não apareceu, decerto que achou de bom tom me deixar na mão numa noite de sexta. O terceiro resolveu passar reto também, e quando liguei na companhia de novo, pela terceira vez, a atendente simplesmente me disse: "olha, não sei o que está acontecendo, mas todas as suas corridas estão sendo canceladas, se a senhora quiser pode ligar em outro lugar". 

Quando três táxis misteriosamente não aparecem na porta da sua casa, todos eles vindos daquela companhia que nunca te deixou na mão, o que você pensa? Eu, que naquela altura já estava com uma veia pulsando na testa de tanta irritação e a cabeça doendo, pensei que eu deveria desistir. Já estava duas horas atrasada pra encontrar meus amigos, ia praticamente chegar no bar e ir embora, e infectaria todo mundo com meu mau-humor. Como pessoa sábia que às vezes eu sou, coloquei minha viola no saco e subi de volta pra casa.

Já estava começando a tirar o sapato quando minha mãe lembrou que tinha um cartão de taxista na bolsa, disse que não custava eu tentar. Prometi que só toparia se o cara estivesse perto, que eu não esperaria mais de 10 minutos, e que na verdade eu já estava querendo mesmo ver televisão. Só que eu liguei, o cara me prometeu ser rápido, e eu tinha feito um gatinho de delineador certinho demais pra simplesmente ir lavar o rosto pra dormir. 

Da portaria do prédio eu vi o carro do seu Zé Manoel se aproximar lentamente do meu prédio. Primeiro eu pensei que ele estivesse procurando o número, mas quando entrei no táxi vi que era essa a velocidade média dele mesmo. Uns 30 quilômetros por hora. O que é mais meia hora pra quem já está duas fora do horário, né? Vamo que vamo. Seu Zé Manoel errou o retorno e parou no meio da avenida pra refletir sobre os próximos passos. Os carros buzinando atrás, ele fazendo conjecturas sobre o mapa da cidade, e eu querendo abrir a porta no meio da rua e voltar correndo pra minha casa. Seu Zé Manoel subiu uma ladeira de segunda quando deveria ter engatado a primeira, e se até eu que sou eu percebi isso, vocês imaginem só a situação do carro. Seu Zé Manoel queria porque queria achar um lugar pra estacionar pra só então me deixar descer, mesmo que a rua estivesse lotada, mesmo que eu estivesse morrendo de pressa. Seu Zé Manoel não enxergava as notas direito pra calcular o troco, e eu na minha falta de paciência, pedi licença, troquei eu mesma o dinheiro e saí correndo. 

"Que morte horrível", disse eu antes de sentar na mesa e antes de qualquer oi. Só que nada é tão ruim que não possa piorar, e morte horrível mesmo foi a hora que eu tateei meus bolsos, revirei minha bolsa e o chão, e não encontrei meu celular. Meu celular novo, gente. Duas semanas com ele, pra nossa história terminar no banco de trás do seu Zé Manoel, e sabe Deus se ele ainda estaria lá. Nessa hora, só conseguia lembrar da hora que resolvi voltar pra casa, de quando eu sentei no sofá e comecei a tirar meu sapato, de quando os relâmpagos se transformaram em fogos de artifício e explodiram no céu com a mensagem: NÃO SAIA DE CASA. 


E sabe qual é a parte mais desesperadora disso tudo? Não é nem a primeira vez que eu faço isso. Pra quem já conseguiu esquecer a bolsa inteira dentro do táxi, eu acho um milagre que tenha sido a primeira vez que meu celular fora esquecido (eu tava com um cachorro machucado e desesperado no colo, cut me some slack). Costumo perder minhas coisas com exagerada frequência. Não apenas coisas, como também horários, obrigações, e-mails a responder e o que é mesmo que eu vim fazer na sala? É um péssimo hábito que eu tenho e me esforço muito pra tentar me livrar, mas às vezes post-its, anotações no braço, despertador no celular e lembrete no espelho não funcionam. Sou como aquela música do Gianoukas que dá título a esse post: tenho a cabeça no lugar, porque em algum lugar ela deve estar.

Então, pela quarta vez naquele noite, eu tive que ligar pra companhia de táxi. Aquela mesma que eu tinha feito barraco algumas horas antes, porque é lógico que o taxista da minha mãe não podia atender e chamou um colega, o seu Zé Manoel, que só podia ter saído daquele mesmo buraco. Era a mesma atendente, que quando ouviu meu nome do outro lado da linha deve ter suspirado e pensado "mas que booosta de noite que não acaba nuncaaaaaaaaaa queria estar morta". 

Peguei o número do seu Zé Manoel, cujo celular obviamente estava desligado. Sinal que o plantão dele tinha chegado ao fim, e a única coisa que eu podia fazer era torcer pra ninguém ter entrado no táxi depois de mim e esperar a manhã seguinte. Andei pela casa feito barata tonta a noite inteira, sem conseguir dormir ou me distrair com outras coisas, oscilando entre planos B desesperados caso o pior acontecesse (ADEUS RIO DE JANEIRO), auto-piedade e ataques a la Crazy Eyes nos quais eu só queria socar minha cabeça.

Mas, como diz o Cartola, finda a tempestade o sol nascerá, e às sete horas de uma manhã chuvosa de sábado, lá estava eu ligando pro seu Zé Manoel. Ele que, só pra eu me sentir um pouquinho pior por ter reclamado tanto dele no dia anterior, foi um fooooofo e disse que estava mesmo indo deixar o celular na central, mas suspeitava que era meu porque aquela capinha do Mickey era minha cara. Pedi desculpas pelo incômodo, agradeci efusivamente, rimos bastante da minha cara de idiota, nos abraçamos, talvez eu tenha chorado um pouco, e o mais importante é que meu celular voltou são e salvo pra casa. 

A lição que fica disso, queridos leitores, é que quando algo disser pra vocês não saírem de casa, não saiam. Mas se saírem, por favor, verifiquem se nada ficou no banco de trás do táxi. 

11 comentários:

  1. Hahahahahahahaha meu deus, Anna, suas histórias são sempre divertidíssimas (pra quem lê, é claro). Essa coisa de intuição sempre me assustou, principalmente porque minha mãe é cheia delas e ela NUNCA erra. Eu, por outro lado, cheguei nesse mundo sem a menor sensibilidade pra nada e não sou afetada por esses feelings tipo "talvez você deva ficar em casa hoje". Conclusão: sempre saio, dá tudo errado e eu volto pra casa com o mesmo sentimento da mulher que atendeu todas as suas ligações: queria estar morta. Hahaha. Ótimo texto! Beijo.

    ResponderExcluir
  2. Nossa, me encontrei feio nesse post. Mas agora imagina esquecer seu celular numa cidade a quilometros da cidade onde você está, num outro país, um dia antes do seu vôo. Foi o que aconteceu comigo.
    Sendo que antes eu já tinha esquecido, numa terceira outra cidade, a bolsa da minha irmã e um livro meu.
    Basicamente fui esquecendo coisa na casa dos outros por onde eu passava. Isso porque de todos eu era a mais neurótica com as minhas coisas, por saber exatamente que ser esquecida é meu pior defeito.

    Digamos que umas lágrimas também saíram dos meus olhos e fiquei a madrugada toda acordada esperando o taxista da outra cidade chegar com meu celular. Porque graças a Deus o cubanos são coração grande demais e voltei pra casa com minha bolsa, meu livro e meu celular.

    Mas eu super acredito em instinto! Super! Tanto para o bem, quanto para o mal. E hiper costumo acertar também. Coisas da vida né?

    Ps.: espero que minha irmã não leia esse comentário, porque minha família não sonha que esqueci coisa na casa dos outros, inclusive a bolsa dela haha.

    ResponderExcluir
  3. Sou dessas, que sai até sem vontade apenas para não deixar a maquiagem maravilhosamente (e raramente) perfeita em branco ahaha !
    Meu maior medo é de um dia não saber mais dar ouvidos à minha aguçada intuição. Ja li varias coisas sobre isso. Por exemplo, pessoas que gostam de ficar sozinhas acabam abrindo mais a percepção sobre elas, sobre seus corpos e sobre o que as rodeia. Pode ser verdade, ou não, so sei que comigo funciona. Quando não, é culpa da teimosia mesmo.
    Des bisous para você e para o seu Zé Manoel, esse lindo !

    ResponderExcluir
  4. Sua história se assemelha muito as festas de família que eu e a, me arrumava e ficava esperando a carona, aí alguém desistia ou estava frio. Aí eu já tirava o sapato e procurava outra coisa pra fazer, mas sempre tem aquela tia animada que te obriga a ir, com os argumentos de sempre:"Você não arrumou pra nada ne?"
    Mainha sensata como é nunca e a à essas festas, e sempre falava pra eu não ir. Mas eu e a no embalo da minha tia, enfim a festa era um fiasco total. Aprendi então que se ta tudo tendendo pra não ir à algum lugar, eu me recolho e vou ler um livro. Por que intuição é coisa seria.
    Um dia a gente aprende, tudo é questão de prática.
    Bjs!

    ResponderExcluir
  5. Anna Vitória, a senhora é destruidora, hein? HAHAHA
    Que post!
    Eu, nessa onda de assaltos na qual eu tenho me afogado, comecei a pensar se não era mais sensato seguir meus instintos mesmo. Faz uma semana que eu fui assaltada e naquele dia o meu pai ia me levar no trabalho. Dispensei a carona pra dormir mais um pouco, mas fiquei sentindo uma culpinha, alguma coisa me dizendo que eu "andei errado, eu pisei na bola". Eis o que aconteceu, né. Teu post só fez eu confirmar que os instintos, eles sabem das coisas.
    Que bom que tu conseguiu teu celular de volta, amiga. Eu também já tenho um novo e vamos que vamos. Hahahahah
    Beijos <3

    ResponderExcluir
  6. Amiga, melhor texto da sua semana até agora. Pena que ele exigiu um punhado de treva a ser narrada, né? Mas como você mesma diz "a gente se estrepa, mas pelo menos faz das tripas um bom texto". Tenho que te dizer que passei o post inteiro filosofando sobre essa história de intuição, e acho complicadíssimo comprovar essas de que "algo vai dar errado", simplesmente porque se você ouví-la e NÃO sair, você vai ficar em casa vendo tv e nunca vai saber se ia dar mesmo errado ou se você ia, sei lá, conhecer o amor da sua vida - nunca consigo perder a esperança de sair e esbarrar com o meu, cê acredita? Em qualquer situação idiota que me faça por o pé na rua eu penso nisso. Deve ser por isso que... nada não, esquece.
    Te amo! Beijo

    ResponderExcluir
  7. Meu deus!, que post maravilhoso. Pelo menos ficou uma história :p desculpa, não resistir hahahahha
    Mas também sou assim , esquecida e desastrada. Espero imensamente que melhores sexta feiras sujam!

    dentrodabolh.blogspot.com

    ResponderExcluir
  8. Eu NUNCA saio de caso quando sinto que não devo sair. Já perdi aula, reuniões, faltei no trabalho, deixei de ir pra um show que eu queria muito, deixei de viajar ,etc. Mas tudo isso porque de tanto quebrar a cara quando faço algo mesmo que minha intuição diga que eu não devo fazer, eu finalmente aprendi e não. tem. quem. me. tire. de. casa. quando eu sinto isso.

    :*

    ResponderExcluir
  9. Não é que eu não acredite em intuição, mas nunca tive nenhuma forte o suficiente pra me fazer desistir de fazer alguma coisa. Agora, se eu tivesse sido abandonada e já estivesse duas horas atrasada pro meu ~compromisso~, nem ia me dar o trabalho de sair de casa. Sou arroz de festa, mas sério, se as coisas começam a dar errado demais, sou a primeira a desistir e ficar em casa numa boa na companhia dos meus seriados, beijos mil.

    Agora, nossa, não sei o que faria se perdesse meu celular. Um dia, voltando do cinema, minha amiga deixou minha bolsa cair do colo dela quando desceu do carro e não viu (nem eu, porque tava dirigindo), de forma que minha vida ficou lá, caída no chão. Sorte que os porteiros do prédio dela encontraram e foram muito honestos. Quero nem pensar no que teria acontecido se eu, de fato, tivesse perdido a bolsa. Ainda bem que cê conseguiu pegar seu celular de volta. Depois da tempestade vem o arco-íris, já diria Katy Perry (porque eu não sou cult assim pra citar Cartola).

    Já falei demais e vai ser uma morte horrível ler esse comentário gigantesco, mas queria dizer que eu amei essa semana de crônicas. Que você e a Analu continuem se metendo em ciladas desse tipo <3 HAHAHAHAHA

    ResponderExcluir
  10. Não acredito! Ontem também foi uma dia (no caso noite) desses pra mim. Estávamos atrasados, chamamos o taxi que depois de dizer que estava chegando demorou 40 minutos e nunca apareceu. Começou a chover, pegamos um taxi na rua mesmo e o cara não deve ter passado a 3a marcha em nenhum momento da corrida. Quando cheguei no pub, cadê minha carteira? Entrei em pânico e quase desmaiei imaginando que minha carteira tinha caído num taxi que eu peguei aleatoriamente no meio da rua e que eu não tinha sequer pego o número da placa.
    Tive a ideia de ligar pra minha mãe e pra minha alegria, a carteira tinha ficado em casa.
    Quando voltamos fiz brigadeiro e tudo melhorou rsrsrs

    ResponderExcluir
  11. Ufa! Ainda bem que ele guardou teu telefone!

    ResponderExcluir