quarta-feira, 5 de setembro de 2012

A série mais legal da vida


Nos últimos meses de férias prolongadas devido à greve, tive a chance de riscar mais um item da minha lista postada aqui ano passado de coisas que gostaria de fazer nesse ano: a maratona de alguma série. Sim, sobrevivi a quase uma semana de dedicação praticamente exclusiva a uma só atividade, fazendo do apertar de botões do controle remoto e do trocar os DVDs do aparelho meu maior exercício, entrando num total estado de um só pensamento e assunto, divagando sobre corujas e tortas de cereja nos momentos mais inapropriados e fazendo referências que ninguém entendia.

Acompanhada do meu primo Pedro, assisti Twin Peaks inteirinha. Para os iniciados na arte das maratonas meu feito parece quase café-com-leite, tendo em vista que a série tem apenas duas temporadas, sendo a primeira composta por apenas oito episódios, mas para uma principiante, devo reconhecer sem falsa modéstia que foi uma conquista notável. Há alguns anos eu havia assistido a primeira temporada, mas o seriado é tão bacana e cheio de detalhes que reassistí-lo foi tão emocionante quanto a primeira vez, e não duvido que daqui há alguns anos - ou meses? - eu esteja no pique para repetir a missão. 

Maratonar Twin Peaks foi fácil não apenas por causa dos detalhes que se perdem com facilidade e dos episódios que funcionam melhor quando vistos de uma vez só, mas principalmente porque, embora não tenha visto muitos seriados para afirmar com mais firmeza, ela é a série mais legal que já vi na vida. Nesse legal, adicionem aí fantástica, interessante, intrigante e perturbadora, adjetivos que vem a calhar muitíssimo bem a essa - sim, usarei um termo deveras pretencioso e forte - obra prima da tv americana.

Pra começar, ela saiu da cabeça do David Lynch. Lynch entrou na minha vida quando ouvi meus tios dizerem horrores sobre seu Império dos Sonhos, único filme que, segundo minha tia razoavelmente cinéfila, era doente e perturbador e insuportável ao ponto de ela ter tentando dormir no cinema para ver se passava logo e não conseguiu. Acho que meu interesse pelas coisas é estimulado pela psicologia reversa, porque bastou ouvir isso - e os detalhes sórdidos do filme, como uma família de coelhos humanizados - para eu querer desesperadamente ver tudo que esse cara já fez. É claro que não entrei de cabeça no universo lynchiniano com uma coisa tão extrema. Comecei com Cidade dos Sonhos - meu preferido até agora, palmas e gritos efusivos, por favor -, seguido de Veludo Azul, Coração Selvagem - absurdo e ao mesmo tempo irresistivelmente adorável -, Eraserhead - trauma grifado três vezes com tinta fluorescente - e aí sim, mais recentemente, Império dos Sonhos. Este último, como minha tia já me alertara, é doente, perturbador e insuportável, não consegui ver tudo, mas confesso que não deixei de achar fascinante.

Tendo em vista minha história de amor com ele, imaginar um seriado idealizado, escrito, produzido, algumas vezes até dirigido e interpretado por ele é como ver um sonho. Um sonho bizarro e cheio de simbolismos, mas um sonho. Twin Peaks é basicamente isso, o universo lynchiniano condensado em 30 capítulos de uma forma mais refinada, que chega até nós em dosagens um pouco menores, nos afastando do forte impacto dos filmes. O mote da série é o assassinato misterioso de Laura Palmer e as investigações lideradas pelo agente especial do FBI, Dale Cooper, para solucioná-lo. Parece tudo muito simples e claro, mas aí entra o elemento David Lynch na história e o que temos é uma barafunda que mescla investigação policial com intervenções sobrenaturais, pistas encontradas em sonhos, personagens adoráveis e bizarros, anões que falam de trás pra frente e trilha sonora kitsch inesquecível. 

A pacata cidade de Twin Peaks pode ser comparada com Stars Hollow, de Gilmore Girls, sendo essa última uma cidade pequena com moradores excêntricos e adoráveis, enquanto a primeira é uma cidade pequena cujos habitantes além de excêntricos e adoráveis, são também bizarros e - por que não? - meio assustadores. Sim, os twinpeakeanos (!) são demais, mas o personagem mais legal da série caiu ali de para-quedas. Sim, falo do Agente Cooper, esse ser humano maravilhoso, dono de um carisma absurdo, métodos de investigação pouco-ortodoxos, inteligente de fazer arrepiar, charmoso e educado para suspirar, com uma capacidade de poetizar coisas pequenas como as árvores e o café nosso de cada dia como ninguém. Não quero viver num mundo em que não possa pedir um café preto como a meia-noite de uma noite sem luar.


Minha maratona chegou ao fim há mais de um mês, e ainda hoje não consegui me desligar totalmente do seriado. Ainda preciso assistir ao filme que o sucedeu e dar um jeito de arranjar o livro escrito pela filha de Lynch para complementar toda a maluquice. É claro que a essa altura do campeonato já li não sei quantas mil teorias malucas sobre os milhares de significados que se podem atribuir a todos os símbolos e pirações de Lynch e Mark Frost e estou me segurando para não digitar o nome da série na Amazon só para me sentir inferior enquanto não tiver em cada toda e qualquer parafernália de colecionador que esses americanos conseguiram inventar para vender um pouco mais às custas de pessoas desequilibradas e propensas à obsessões irrelevantes. 

Dessa minha primeira experiência com maratonas, tenho algumas poucas coisas para dividir com aqueles que desejam uma aventura inofensiva como essa: arranjem uma companhia tão no pique de mergulhar de cabeça na história como você e com quem você possa dividir suas impressões e que vai te entender quando você tiver epifanias sobre o roteiro durante o jantar; escolham um período de dias em que você pode se dedicar integralmente ao feito, deixando seus maiores esforços para a hora de se alimentar e levantar do sofá; tenha certeza de que escolheu um seriado realmente viciante, desses que deixam a vida impossível de ser seguida enquanto você não assistir ao último episódio.

Sobre Twin Peaks, concluo apenas que:

- North Bend, cidade no estado de Washington usada como locação para a maior parte das filmagens pulou para uma das primeiras colocações na lista de lugares que preciso conhecer antes de morrer;
- Assistam, por favor, e saibam apreciar todos os momentos de total non-sense e absurdo, como os cavalos que aparecem do nada, o humor absurdo do texto, as falas da Log Lady e os marcantes momentos musicais;
- Quero ser Audrey Horne;
- As corujas não são o que parecem.

19 comentários:

  1. Não fiz nada nessa greve, mas cosegui assistir um ou dois animes, o que émuito triste, mais de 3 meses em completo ócio, que depressão, credo!

    Achei tão bom seu texto que vou baixar a série, obg.

    Até

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  2. consegui*
    é muito triste = SEPARADO!

    isso é fruto do ensino público.

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  3. Uma das coisas que tenho vontade de fazer é isso, maratona de séries. Um dos motivos é eu não ter dedicado minha vida ociosa pra tal feito, então, sou completamente atrasada até nas séries atuais. :/

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  4. A melhor série da vida? Ah meu Deus, Joey está bem chateado! HAHAHA, nunca ouvi falar, Anna! Mas se eu já vejo poucos filmes porque tenho preguiça, imagina séries... (Você já aprendeu a me amar mesmo com esses defeitinhos de fabricação, né? <3)

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    1. Bananalulis, claro que Friends está acima disso. Legal é apenas um dos vários adjetivos que posso usar para definir as séries do meu coração. Friends é uma miscelânea de vários deles, Joey ainda me ama <3

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  5. Nossa, quando assisti ao vídeo da Tatiana Feltrin sobre séries já fiquei louca para ver. Agora você faz um texto desse, preciso pra ontem.
    Sabe um lugar pra baixar que tenha legendado? Nunca terá para alugar na minha cidade.

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    1. Manuela, não sei se os links para os episódios estão funcionando, mas tem nesse site aqui: http://www.seriesempire.com/search/label/Twin%20Peaks
      Se você usa torrent também é tranquilo de achar, quando assisti pela primeira vez baixei as temporadas no Pirate Bay e as legendas no Legendas.Tv =)

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  6. Eu fiquei curiosa com essa série desde a matéria da revista, mas ainda nem baixei os episódios, pode?
    hahaha
    Mas depois desse texto cheio de amor, tenho mesmo que assistir Twin Peaks.

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  7. To há uns 2 anos pra ver Twin Peaks, mas ainda não reuni forças suficientes já tenho preguiça de séries (apesar de achar algumas poucas fantásticas). Além de várias pessoas terem me falado super bem de TP, vem agora você com esse texto lindjo falar tudo isso. Aumentou muito minha vontade.

    E to com Império dos Sonhos há uns meses aqui, mas a preguiça também tá me dominando :/

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  8. Ai meu deus, tanta gente me fala dessa série... O que fazer?
    Comecei a ver a primeira temporada, lógico.
    Depois que eu tiver uma boa opinião formada, eu falo mais. hahahaha
    Beijo. <3

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  9. nunca parei pra ver essa série, já q sou meio complicado na escolha de uma. pelo texto fiquei muito curioso. :)

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  10. Não conheço Twin Peaks. Mas fiquei curiosa. Enquanto as minhas séries favoritas não voltam acho que vou dar uma olhada nessa =)

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  11. Gosto bastante também de Lynch, mas confesso que a série ainda não vi, e olha que ela sempre aparece assim na minha frente de surpresa quando eu não espero, como agora entrando no seu blog heheheheheh Mas essa ideia das maratonas é boa demais, só assim pra eu ver alguma coisa da tv.

    Beijos

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  12. Tenho a ligeira impressão de que preciso assistir a essa série e de que ela será uma das mais novas queridinhas da minha coleção. *-*
    Então, essa coisa de psicologia reversa cinematográfica (a maior parte das coisas que o povo acha "horrorosas" eu fico com a maior vontade de ver) eu tenho também. Sim, isso é estranho. Mas é um dos detalhes que nos torna interessantes.
    E maratonas de séries são uma constante pra mim. Faço sempre. hahaha
    Beijo!

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  13. Eu meio que "maratonei" também uma série esse ano, que foi a Californication. Conta a história de um escritor americano em crise de escrita e com sua família. É muito engraçado, mas também pornográfico (no sentido "barra pesada" da coisa).
    Alguém já bateu o recorde por maratonar, sei lá, a série Friends?
    A Analu, com certeza.
    Beijão.

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  14. KD ODE A MODERN FAMILY?!!!!!!!!! QUE PALHAÇADA.

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  15. Não sei onde foi que eu li que o problema das séries que a gente assiste e adora é que depois que assistimos, simplesmente não conseguimos desligar! Isso aconteceu comigo quando assisti THE OC. Fiz isso quando minhas duas irmãs estavam em NY e eu preocupada com elas, decidi mergulhar na ficção. No dia em que elas voltaram pro Brasil, num voo de nove horas, eu, a LOUCA, fiquei assistindo a última temporada de THE OC o dia INTEIRO. Era um final de semana. Só parei pra fazer xixi e cocô (oi) e pra tomar banho. Comer não precisava porque tinha pipoca.
    Bem, recentemente tentei fazer o mesmo com Pretty Little Liars, coisa que admito com certa vergonha que eu gosto. Isso porque eu peguei o bonde andando e queria meio que entender o que se passava. Eu passava roupa e assistia uns quatro episódios.
    Ah, fiz o mesmo com Hell Cats. Desta vez foi pior: se você não assistiu, não assista!!!!! Porque você vai querer ver tudo e quando chegar no FINAL-FINAL, vai entender que a história está incompleta e que NÃO TEM CONTINUAÇÃO! Cheguei a procurar um abaixo-assinado pra mandar pros caras da produtora, porque achei o fim da picada, acabar assim com o seriado e deixar os fãs a verem navios.
    Com PLLiars eu fiquei com preguiça de baixar o resto e não deu tempo mesmo.
    Enfim. Esta coisa de séries pode enlouquecer uma pessoa como eu, que quer fugir totalmente da realidade quando vê um balde gigante de roupas pra passar. (risos)
    beijos

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  16. Consegui me apaixonar pela série só de ler o texto. Obrigada.

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