terça-feira, 30 de abril de 2013

A festa da democracia

A gente tende a achar que a pós-modernidade falhou, e alguns vão além e até arriscam dizer que foi a humanidade mesmo que não deu certo. Até eu proferi esse discurso algumas vezes, mas meu otimismo com relação ao mundo e às pessoas tem seu gás renovado sempre que faço uma coisa bem específica, que é cantar no karaokê. Nem tanto o ato de cantar por si só - ainda que Dancing Queen, meu número tradicional, sempre dê uma forcinha na fé com a humanidade - mas sim o ambiente. Um karaokê deixaria os gregos com lágrimas nos olhos.

Explico: quem vai no karaokê está disposto a se divertir. A parcela de pessoas que realmente sabe cantar é mínima, mas todo mundo canta porque o importante não é ganhar nota 100, mas sim brincar sem se levar a sério, esgoelar sua música favorita, antes restrita ao chuveiro e às faxinas de casa. Além disso, mais legal do que ter um microfone só pra você e sua turma de amigos, é poder dividir com todo o pessoal do lugar, porque é aí que a democracia se mostra em sua forma mais plena: quando a música agrada, todo mundo canta junto, participa, dança e se diverte. Do contrário, quando aquela pessoa nada a ver sobe no palquinho pra cantar uma balada do Jorge Vercilo e lamentar sua carreira de cantor de barzinho que nunca decolou, ninguém compra a ideia. É o momento de ir ali no bar, no banheiro, de mandar uma mensagem pra alguém. É a ditadura da maioria na forma de um repúdio geral da nação ao Djavan nosso de cada dia, que quebra o clima de alegria até das melhores festas.

Além disso, karaokê é um espaço para se fazer amigos. É o esquema de um por todos e todos por um: enquanto você está lá em cima cantando, a galera embaixo incentiva, dá força, canta junto com você e faz sinal de que você está arrasando. Na rodada seguinte você já vai estar olhando a pasta de músicas com um desconhecido, perguntando se ele sabe mesmo a letra de Evidências. Até os amigos mais distantes trocam confidências depois de compartilhar um microfone e cantar Raça Negra, e é fato que é praticamente impossível cantar Lua de Cristal ao lado de alguém sem ter vontade de chorar. Tudo faz sentido naquele momento, e se Hobbes estivesse vendo, diria que não existe esse papo de guerra de todos contra todos, e que por uma causa tão nobre quanto um corinho coletivo em uma música da Taylor Swift, até que a gente consegue se organizar.

Estou de férias em Fortaleza e ontem tive a chance de riscar um item da minha lista de coisas para se fazer antes de morrer (item que, confesso, a priori nem estava na lista, mas galgou seu espaço no topo assim que a oportunidade apareceu): cantar num karaokê com banda ao vivo me acompanhando, guitarra, baixo e bateria fazendo as vezes da melodia tosca de video-game e das paisagens japonesas aleatórias dos melhores karaokês do mercado. 

Provando que os apontamentos sobre a democracia de um ambiente assim - insight roubado da minha tia, que soltou a pérola que dá título ao post numa conversa sobre sua última desventura num barzinho cantante - a primeira dupla a cantar nem se conhecia antes de chegar ali. Uma corajosa senhora de meia-idade, com um vestido florido e uma tulipa de chope na mão, queria cantar mas não tinha companhia, ao passo que uma mocinha não se aguentava sentada e o marido autoritário não queria acompanhá-la. O mestre de cerimônia da noite apresentou as duas e não demorou dois minutos para que elas estivessem felizinhas no palco cantando Vira-Vira - com direito a coreografia e tudo mais.

Essa senhora foi a primeira a se levantar quando cheguei para cantar Anna Júlia, e foi a animação e confiança dela que me ajudaram a quebrar o gelo antes de cantar. Não adianta, por mais velha de guerra que seja a pessoa sempre rola uma vergonha e uma insegurança na primeira música, do mesmo modo que a gente nunca sabe direito em quem votar para deputado federal. No início da festa demorava até que uma dupla se candidatasse ao microfone, e no final eu pensei que fosse rolar briga de tapa para ocupar as derradeiras vagas na cantoria. Como todo bom karaokê, a brincadeira foi encerrada com a presença infalível da famigerada Loira do Karaokê (caso pra outro post), que jogou um balde d'água gelada na vibe de todo mundo ao tentar cantar Lanterna dos Afogados em falsete. Assim como na política, até no karaokê tem aquele idiota que acha que todo mundo tem que dançar conforme a sua música.

Na manhã seguinte, ainda com Mulher de Fases na cabeça, fui tomar café da manhã. Entre as frutas e os iogurtes, um senhor pai de família, cabeça branca e três filhos de idades variadas a tiracolo, murmurou um bom dia pra mim e fez um sinal com a cabeça. Respondi o cumprimento ao melhor estilo eu sei o que você fez na noite passada: mal sabiam os filhos que menos há menos de doze horas seu sério e circunspecto pai estava no auditório cantando Legião Urbana, como se ele fosse mesmo ainda tão jovem. E na plateia, jovens, velhos e mães de família cantavam juntos em uníssono, porque é assim que funciona a festa da democracia.

Vou mandar uma cartinha para as empresas pedindo pra substituírem as paisagens japonesas por imagens das ilhas gregas.

Gwyneth Paltrow curtiu esse post

11 comentários:

  1. Sua lazarenta, você escreve bem demais!
    Morri com esse texto, mas fiquei chateada que não fui citada. Cantei mal, mas lutei pra acertar aquele ritmo bizarro que "A fórmula do amor" tinha no nosso karaokê, que tinha infelizes paisagens japonesas, e tinha a galera que se levava muito a sério cantando Evanescense, mas tinha a gente, HIHIHI.
    To brincando, não fiquei chateada, amei esse texto de paixão, um dia, ah, um dia eu vou ser que nem você! A narração foi tão genial que nem sei o que dizer além de dizer que morri de rir e que imaginei cada segundo dessa cena, e que, gente, nem sabia que existiam esses karaokês com banda! Isso é um sonho! Preciso, mas vou morrer na primeira música, claro, porque essa conseguiu ser a parte mais verdadeira do post! A primeira música é sempre trancando de nervoso, HAHAHA.
    beijo
    Amo!

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  2. Pera, existem karaokês com bandas? Tô chocada! Eu queeero!

    A última vez que cantei num karaokê, desses com imagens japonesas e tal, foi no aniversário de 15 anos da minha amiga e, bem, não lembro muito coisa. Nunca cantei num karaokê em público porque, apesar de ser extrovertida, sou cheia de vergonha para apresentações em público, mas quero superar isso, afinal, o povo não tá lá pra julgar e sim se divertir, né?!

    Sua narração, como sempre, foi ótima. Consegui imaginar o ambiente bem direitinho. Espero ser a próxima a fazer parte dessa democracia.

    Beijo :)

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  3. HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA AI ANNA VITÓRIA! Tive que vir comentar pq você ainda consegue me surpreender com esses posts cada vez mais geniais.

    Nota: Dancing Queen também é meu carro-chefe.

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  4. Dancing Queen, Anna Júlia, Legião Urbana, todos cantando em coro?! Por que ainda não fui a um karaokê?! Viva a democracia!

    P.S.: comentário sem sentido, mas adorei o post haha, bjs.

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  5. Ai que sonho um karaoke com banda!! Vamos arranjar um desses em Curitiba, por favor? #meusonho #aiquediver.
    HAHAHAHA.
    Beijo <3

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  6. Caramba, eu sempre tive muita vontade de cantar num karaokê! Minha voz é um desastre e eu não sou nem um pouco afinada mas acho que depois de ver 4 ou 5 pessoas pagando mico, eu teria coragem. Só não tenho em mente que música eu cantaria, mas Anna Júlia parece uma boa ideia. Dancing Queen também. Já posso até me imaginar gritando super desafinada "You are the dancing queeeeenn" kkkkkkk Pena que perto de onde eu moro não tem um lugar bacana assim, ainda mais com banda. Com certeza vai pra minha lista de coisas para fazer antes de morrer também! :D

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  7. Eu vou dizer uma coisa: se sem banda alguma a gente já fez aquele arraso em São Paulo e movimentamos as multidões que compunham as outras três mesas, IMAGINE o que não faríamos se tivesse também uma banda por lá? E, meu Deus, você deve ter sido um arraso de Anna Júlia! Amei demais!
    E você sempre tem as histórias mais legais sobre suas viagens de férias. Como você consegue?
    Beijo <3

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  8. Análises antropológicas à parte, preciso dizer que meus olhos se encheram de lágrimas quando lembre da gente cantando Lua de Cristal lado a lado com todas aquelas mãozinhas no ar.

    Amiga, você é um gênio.


    Te amo!

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  9. Que texto sensacional, como é que eu não li antes? Tô tão extasiada que nem sei o que comentar! Daí eu lembro que já cantei no karaoke contigo e ai meu G-zuis. Por aqui eles não são tão populares e essa historia de karaoke com desconhecidos me lembra HSM, rs.
    Adoro o fato de você conseguir misturar assuntos cotidianos com coisas sérias, isso é uma habilidade que eu queria TANTO ter, mas, bem, não cabe a mim, acho.
    Enfim, quero ir na festa sei lá o que Irene com você. Ainda tenho esperanças de ir em Minas esse ano e se eu for é craro que passo em Berrrlândia pra comer um cadin de coisa gostosa e festar com minha musa da creicisse e do bom gosto, meu paradoxo ambulante, essa gostosura que é dona desse espaçaqui.
    Te amo e tô adorando essas suas férias, hein!

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  10. Nunca participei de karaokê e não sei se teria coragem, mas acho que também é uma das coisas que PRECISO fazer antes de morrer. Pareceu acolhedor o local onde vc foi, com pessoas de várias idades e tal. Penso que nessas ocasiões deve ser legar observar que todo mundo tem um puco de timidez e ir se soltando juntos deve ser mara mesmo.

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  11. Lindo post, adoro o blog, amei cantar com você :)

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