segunda-feira, 10 de junho de 2013

Old sport


Ler livros importantes dá dor de estômago, aponta estudo. O estudo foi feito por mim, baseado na minha própria experiência, mas eu gosto de pensar que vocês também tem crises de ansiedade sempre que se aventuram a abrir os grandes livros que a humanidade já escreveu. Não consigo agir de forma despreocupada e nonchalante diante de algo que já vem carregado de muita expectativa, como é o caso dos chamados grandes clássicos, sejam eles modernos ou de todos os tempos. Porque é meio que um imperativo gostar deles, ou ao menos reconhecer a sua importância, enxergar por que, afinal, tanto se fala, estuda e escreve sobre eles. E foi nessa pilha agradável que eu abri O Grande Gatsby, o dito grande romance americano do século XX.

Demorei um mês e meio pra ler um livrinho de menos de 200 páginas, nas férias. Lia em média dois capítulos por semana, quando muito, e juro que não consigo explicar tamanha lerdeza. Não era falta de tempo ou gosto pela história. Simplesmente não lia. Até que um dia eu peguei pra ler e não sei se é coincidência o fato de ter resolvido engrenar a leitura logo no clímax da história, mas matei o resto das páginas de uma só vez, num só fôlego, e quando acabou ficou um sentimento estranho, como se eu tivesse batido a cabeça ou então acabado de acordar com uma ressaca das brabas que eu nunca tive, e aquelas linhas finais se repetindo como na imagem que o Fitzgerald evoca dos barcos batendo contra a corrente, bem teimosos, ceaselessly into the past. 

Um baita livro e eu só fui perceber a sua força no fim. A narrativa do Fitzgerald é perfeita, envolvente e constrói umas imagens muito bonitas e tristes, como num livro visual sem figuras, com domínio tão absurdo das palavras que é capaz de te fazer enxergar um sorriso singular sem necessidade de foto ou de um rosto emprestado pra servir de corpo pro espírito cheio de esperanças de Jay Gatsby. No entanto, a magnitude, o significado e a melancolia da história toda se formaram na minha frente só mesmo no final, por conta daqueles três últimos parágrafos. Quis reler o livro imediatamente porque tenho certeza que ele guarda muito mais coisas, mas até lá estou me deliciando com a maravilhosa introdução da minha edição bonitona. Obrigada Penguin Classics pelo capricho estético e por esses prefácios que deixam eu sentir o gostinho de uma aula de literatura sobre Fitzgerald. 

Terminei o livro no fim do dia e à noite fui logo assistir a uma das adaptações para o cinema, a de 1974 com o roteiro assinado pelo Coppolão. Achei a adaptação muito fiel, com uma Mia Farrow afetadíssima e insuportável, mas ok. O problema é que é isso, um filme correto que não consegue chegar lá. Li recentemente que o pecado daqueles que tentam (e falham) adaptar esse livro é o de se preocupar somente com as ações que se desenrolam (que são poucas) e esquecer da carga simbólica da história, que é o que justifica todo o status de grande romance americano do século XX


Fitzgerald lança cinzas sobre o sonho americano, principalmente, mas não só. É um troço muito universal querer algo que não se pode ter ou então achar que se pode reaver o passado, e o que esse livro faz é mostrar que o que a luz verde nos revela é uma mensagem apagada lá no fundo dizendo: nunca serão. Nem nós, nem Gatsby, nem Nick, Daisy e muito menos Tom. Um amigo meu resumiu isso de forma bem mais simples e direta: essa vida é um grande migué. Nem usando palavra por palavra do final do livro numa narração em off  essa mensagem se torna palpável no cinema, ou pelo menos os que tentaram não conseguiram chegar lá. 

Assisti ao filme do Baz Luhrmann há poucas horas e saí da sala sem opinião formada. Evitei ler qualquer coisa a respeito, mas estava mais propensa a odiar do que amar. Não amei, mas também não odiei. O filme tem muitos problemas, é grande demais, didático demais, e muito efusivo, mas não é de se jogar no lixo. Cortando quarenta minutos, o 3D e três quartos do orçamento pra se produzir aquelas festas e mantendo o Leonardo DiCaprio no papel central, poderíamos conversar. O que pra muitos xiitas é uma vantagem acaba sendo o fator que mais me incomoda, que é o da literalidade e a falta de ousadia. Quando uma história diz muito mais através do que não é dito diretamente, o pessoal do cinema tem que rebolar.

Na minha humilde opinião de quem nunca fez um filme na vida, acho que para se adaptar adequadamente o livro seria necessário que se desconstruísse a história. Menos apego à reprodução literal das falas e dos acontecimentos e mais cuidado com o espírito geral da coisa, não é possível que esses cineastas jogaram fora a cartilha do expressionismo. Falta glamour decadente, bêbados deselegantes e maquiagem borrada. Anna Karenina é um livro que até diz bastante em suas quase 900 páginas, mas é uma história muito introspectiva, com poucas ações concretas para serem transpostas para a tela. Joe Wright foi lá e misturou a estética do teatro, desconstruiu cenários e se apropriou de símbolos diversos para traduzir o que se passava no íntimo de seus personagens envoltos em novelos de âmago atormentado que só os russos costuram e olha só que filme maravilhoso ele conseguiu!

Sdds Norma Desmond!
Se uma adaptação eu fosse dirigir, um filme noir eu faria. Fiquei com essa ideia na cabeça porque o clímax do livro é muitíssimo parecido com o final de Crepúsculo dos Deuses, quem já assistiu certamente sabe do que eu estou falando. Nesse filme sensacional do Billy Wilder consegui encontrar elementos que se encaixariam muito bem na história de esbórnia e vazio do Fitzgerald, até porque ele próprio trabalha o tema da decadência e a busca desesperada pelo passado. Era isso que queria ver e Baz Luhrmann não me ofereceu, perdido demais em suas serpentinas e fogos de artifício para escurecer os quadros, dar espaço para uns solos melancólicos de saxofone e deixar a megalomania de lado para lembrar que ninguém ali estava se divertindo de verdade. Deveriam ressuscitar o Billy Wilder para fazer uma adaptação definitiva, porque ele sabe o caminho das pedras. 

 Só não tirem o Leonardo DiCaprio da frente da tela, por favor.


15 comentários:

  1. Eu comecei a ler o livro mês passado. Não terminei e para dizer a verdade passei umas leituras na frente. E também não sei explicar o porquê. Simplesmente não li mais. E claro que teu texto fez reviver a minha sede por Gatsby. Preciso terminá-lo urgentemente. :)
    Quanto ao filme, não sei se vou ver, nem sei se tenho vontade para dizer a verdade. Mas pelo Leo a gente faz um esforço. hahahah
    Beijo! <3

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  2. Apareceu a margarida! =D
    Eu estou lendo uma tradução da coleção da Folha, muito mal feita. Estou gostando, mas devia ter escolhido o original! Estou no comecinho, ainda, na parte em que ele é convidado para a festa.
    O mais engraçado é que a personalidade do narrador é tão parecida com a do meu marido... kkkkkk
    beijo.

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  3. P.S: continua sendo uma honra estar entre "os melhores blogs do mundo". O nome do blog que nem é tão bom assim (rsrs) não é mais Mel do Sol, nem Sete Cantigas. É Los Literatos. Parei de escrever sobre mim (embora às vezes isso faça falta). Faça uma visita. Tá pobre, mas vai melhorar, tenho várias idéias.
    beijo

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  4. Ai, suas resenhas me fazem tão bem.
    Amiga, eu tive calafrios antes de começar a ler O apanhador no campo de centeio! Também tenho muita aflição de ler clássicos, por isso me refastelei com Anna e o beijo francês e Lola e o garoto da casa ao lado, porque poderia ler sem compromisso!
    Também tenho náusea toda hora que olho pro meu Gatsby, mas as tive antes de tocar em meu Érico Veríssimo e está sendo incrível!
    Beijos! <3

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  5. Ai, que susto!
    Quando comecei a ler seu texto estava convencida de que você iria catapultar The Great Gatsby para os quintos dos infernos dos livros ruins. E eu já preparei minha armadura, porque amo Fitzgerald e The Great Gatsby é um dos favoritos em minha lista desde que o li há uns 10 anos, ainda na universidade.

    Quanto ao novo filme, confesso um misto de ansiedade e temor, porque né... os cineastas ainda não aprenderam as suas dicas, que por sinal, concordo plenamente.

    beijo

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  6. Só Deus sabe o quanto tive que me segurar para não sair da Saraiva com a versão bilíngue do The Great Gatsby. MORRO de vontade de ler esse livro, só que tá difícil convencer meus pais de que eu posso continuar comprando porque, né, sou quase uma Becky Bloom literária. Compro mais do que tenho disponibilidade pra ler. ://

    Amei sua resenha e acho que terei SÉRIOS problemas em entrar noutra livraria sem comprar esse livro. Quero ler antes de assistir, então DiCaprio há de me esperar mais um pouquinho. <3

    beijo

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  7. Eu amo seus textos, mas já você me ganhou só pela menção ao Billy Wilder. Eu já tinha visto a versão do Coppola há uns anos e achei meio morna, pra falar a verdade, mas acho que o clima desse é mais parecido do que eu tinha imaginado ao ler o livro do que o da nova versão.

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  8. Annoca,
    Eu ainda não terminei de ler meu Gatsby — e eu já perdi a conta de quando comecei. Larguei e agora voltei pra um que abandonei há uns dois anos ("A menina que roubava livros", pra alegria da Tary). Mas provavelmente acabarei fazendo igual a você, lendo todo o resto numa só tarde. Até porque, prometi que terminaria de ler antes de ir ao cinema, e todo mundo tá querendo ir logo.
    Depois eu comento contigo. Mas, se você e o Jão Verde ficaram meio "méh", capaz que eu fique também.

    Beijo

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  9. Achei seu post e sua análise tão perfeitos que nem deveria comentar nada. Mas vou.

    Ao contrário de você, li Gatsby com uma rapidez que me surpreendeu - e, pra variar, achei que essa foi a pior leitura possível. Gostaria de ter lido mais devagar, fechando o livro em intervalos saudáveis e refletindo sobre o que li - porque como você, acho que o livro guarda muita coisa. Mas, bem, era livro da biblioteca e eu precisava devolver, e foi o que deu pra fazer na época. Mas lembro direitinho de ler exatamente os últimos três parágrafos. Na madrugada de domingo pra segunda. Eu li... e reli. E *anotei* (anotei!). Para você ter uma ideia.

    A primeira e única adaptação que assisti foi essa do Baz Luhrman. E, como você, saí da sala sem opinião formada. Faz dois dias, e por agora decidi que gostei, mas não amei - nem perto disso. Foi um "gostei com muitas ressalvas". No final estava lá, me segurando pra não ser esquisita e recitar as últimas palavras junto com o Nick. O final estava lá, mas... O problema é que parece que ele não fecha com o resto do filme. O filme que poderia ser definido por "WAY too much".

    Enfim, não é um filme ruim. Não é a pior adaptação do mundo. Não é só um filme pro exibicionismo do diretor - acho que existe uma preocupação (que nem sempre deu resultado) em tentar captar e repassar o espírito da obra. Um filme não tão agradável pros ouvidos, mas bonito pros olhos (as festas são um espetáculo... pena que o filme passa tempo demais focando nisso, e faltou ele "lembrar que ninguém ali estava se divertindo de verdade", como você disse muito bem). Mas um filme com pouco espírito.

    (Nossa, desculpa pelo comentário enorme. Eu tenho essa mania horrível)

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  10. Era pra eu ter sido a primeira a te mimar! Li o post quando tava sem as fotos ainda, hahahaha! Mas eu capotei e esqueci =x Você nem pode me julgar porque sei que vive fazendo isso!

    Amiga, vou ver esse filme já esperando odiar e por isso é bem capaz que eu tenha a mesma sensação que você. Foi o que aconteceu com 'Somos tão jovens'. Eu esperava tacar pipoca na tela. No fim até consegui me divertir, mas ficou longe de tocar meu coraçãozinho.

    Sobre o livro: tio Fitz arrasa demais! Este Lado do Paraíso também é muito bom, apesar de ser inferior ao Gatsby. Leia quando tiver vontade :)

    Beijos <3

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  11. Não consigo não querer assistir esse filme, justamente por causa do Caprio, que parece que está batendo recordes de ahazo nesse papel. Não posso dar minha opinião sobre nada ainda, porque ainda estou no comecinho do livro - na mesma lerdeza que você. Mas assim que terminar, te chamo prum cantinho pra gente discutir (:

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  12. Sabe que eu não esperava gostar tanto e me surpreender com esse livro? O último clássico que li foi On the Road e achei UM SACO, então fiquei feliz de gostar de Gatsby.

    Também vi essas duas adaptações, mas não gostei de nenhuma. A de 70 é muito parada (até as festas do Gatsby parecem meio sem graça) e a desse ano é muito eufórica, fiquei com vontade de ver um filme que fosse o meio termo das duas.

    Sabe quem eu acho que ia fazer um Gatsby super legal? A Coppolinha. Eu sinto que nada mais apropriado do que ela adaptar um livro que fala tanto apenas evocando imagens lindas, ela sempre sabe deixar melancolia uma coisa meio linda e glamurosa (como eu acho que o livro pede).

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  13. Anna, acabei de ler o livro e fiquei encantada...!!! Pela narrativa do cara e pelos personagens. Achei que o papel do Leo fosse o Nick...!!!! Ainda não vi os filmes, mas pretendo ver este final de semana.
    Sofri nas últimas páginas e muito nos últimos parágrafos. O coração torceu, partiu-se, despedaçou-se. Só não chorei porque estou trabalhando, a minha mesa fica bem na frente da porta, não podem me ver chorando aqui... rs
    Também vou precisar ler novamente, temerosa em ter deixado escapar alguma coisa linda. Não sei dizer o que a história me causou, mas não estou normal desde que terminei a leitura... rs. E como você, também só me toquei da grandiosidade dela no final.
    A resenha está no blog.
    beijo

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  14. PS: depois eu te conto o que achei do filme, mas já estou desconfiada que tanta produção pop e tantas festas possam ter estragado a densidade da história. A seguir, cenas...

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  15. Me identifiquei totalmente com você quanto a velocidade da leitura no início do livro, o Nick analisa demais as pessoas e talvez, por mais que seja interessante, também é cansativo.

    Eu insisti com a leitura mesmo não estando tão presa a história, terminei o livro em três dias e só no clímax é que consegui de verdade me envolver, comover, sentir dor, compaixão, raiva, indignação. AMEI!

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