Há pouco mais de dois anos atrás, escrevi aqui sobre um texto todo amor sobre uma noite fria e crianças felizes brincando no jardim do prédio. O texto de hoje também é sobre uma noite fria e crianças brincando no jardim do prédio, mas não é lá todo amor.
Começa comigo atrasada, pra variar. Pra quem não me conhece, acho melhor deixar claro que pontualidade é um conceito abstrato e distante pra mim; ou eu estou atrasada ou insuportavelmente adiantada. Só que nesse dia foi especial. Ia jantar com meu pai e resolvi colocar um episódio de Friends pra ir ouvindo enquanto me aprontava. O problema é que eu tinha acabado de chegar do vestibular, estava morta, tinha acabado de sair do banho e é claro que eu deitei no sofá e dormi. Acordei com meu pai me ligando dizendo que estava me esperando lá embaixo. E eu de roupão sem entender direito o que estava acontecendo.
Me vesti rápido como há muito não fazia, sem pensar direito se a roupa estava dando certo ou não, fui enfiando tudo que poderia ser útil dentro da minha bolsa, calcei um sapato que estava jogado na sala, imaginando que cada minuto que eu estava demorando era equivalente a uns três minutos de bronca do meu pai pela demora. O nível de desespero era tamanho que me vi no hall do apartamento terminando de vestir meu cinto enquanto o elevador não chegava, e me maquiei enquanto ele descia os dois andares. Saí do elevador correndo e colocando meus brincos ao mesmo tempo, cheguei no jardim do prédio quando, do nada:
RWWWWAAAAAAAAAAAAAAAAAAARRRRHHHHHH
RWWWWAAAAAAAAAAAAAAAAAAARRRRHHHHHH
Eu, sem entender o que estava acontecendo, soltei um urro gutural de puro pânico de volta. Sabe como é, quando você está muito atrasada, correndo para chegar logo no carro e não levar bronca, a última coisa que você pensa é que os três menininhos bonitinhos e fofos, que antes brincavam de super-herói, vão sair de trás das moitas com camisetas na cabeça, ao melhor estilo terrorista, te dando um baita susto.
Eu levei tanto susto que até fiquei meio perdida. Eu não sacava o que tinha acontecido. Depois do vexame, comecei a revirar freneticamente a minha bolsa em busca das chaves do portão, porque nesses momentos o porteiro nunca está, e eles, não satisfeitos em me darem aquele susto, ficaram me rodeando e fazendo uns barulhos estranhos, como se eles fossem vietcongues e eu a Paris Hilton no meio de uma floresta do Vietnã. Um tinha até um estilingue na mão.
Nessas horas eu olho pro céu e penso: por que essas coisas só acontecem comigo?