quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Querida Anna...

...sou eu. De novo. No passado falei com você direto do futuro, e agora, no futuro, estou falando com você direto do passado. Desculpa a confusão. Você ainda tem paciência pra essas coisas?


Escrever pra Anna de 10 anos foi fácil. Difícil, mas fácil - sabe assim? Foi difícil porque eu precisei reviver várias coisas, vários monstros, mas fácil porque eu estava olhando pra eles de um outro lugar. Um lugar melhor. Então tudo bem. Passou, sobrevivi. Sobrevivemos. Mas, agora, não faço a menor ideia do que vou encontrar na Anna de 31 anos e tenho medo disso. Tenho medo de você ler essa carta e querer voltar pra trás, e não seguir em frente. Tenho medo de quem eu sou hoje sentir vergonha de você. Ou pena. 

Tenho medo de muitas coisas.

Não sei se você lembra, mas, no início desse ano, eu tentei manter um diário. Você provavelmente não se lembra exatamente dessa tentativa, que foi apenas uma dentre tantas, mas ela durou mais ou menos duas semanas. Em minha defesa, nunca fomos tão longe (ou fomos? é estranho pensar que você sabe de algumas coisas que eu ignoro). Mas nesse meio tempo nosso avô ficou doente. Nossos avós ficaram doentes. E aí eu não tive coragem de escrever mais nada, porque fiquei paralisada de pavor de imaginar que eu poderia ter que voltar pr'aquele diário um dia com notícias piores do que as que já tinha. Não conseguia falar sobre meu susto e meus medos porque tinha muito medo de que eles se tornassem realidade, e então um dia, no futuro, eu fosse obrigada a reler aquelas coisas, o antes, e lembrar como foi quebrar a cara no meio do caminho. 

Depois de alguns dias fui lá escrevi: coragem, querido coração. Ponto.

Os monstros eram apenas árvores e agora está tudo bem, mas quando penso em escrever pra você sinto o mesmo medo. É por isso que nunca tive coragem de usar um daqueles serviços de agendar um e-mail pro futuro, porque tenho muito medo do que o futuro vai encontrar e do que as minhas palavras do passado podem provocar em mim daqui 10 anos. (I love you but I'm lost)


Porque eu tô feliz. Eu tô feliz de verdade. A vida não é perfeita, as coisas sempre podem melhorar, e em alguns dias eu só queria fugir. Queria, mas não queria - sabe assim? Quando paro pra pensar em todas as escolhas e caminhos que tomei pra chegar até aqui - e todos os desvios que poderiam ter mudado a minha vida - vejo que não queria que tivesse sido de outro jeito. 

E eu tenho sonhos. Muitos. "Sonho tão grande que tenho vergonha de falar", li isso numa entrevista da Bruna Marquezine, lembra dela? Eu sei, eu sei, a Salete insuportável. Mas não é verdade? Puxa aí na memória: meus - nossos - sonhos são enormes. Eles me deixam com vergonha, e com medo também. Lógico. Quantas vezes eu já disse medo nessa carta? Parece até um pouco contraditório, afinal na carta que escrevi pra Anna Vitória do passado disse várias vezes que era pra ela não ser tão medrosa. Mas cá estou eu, empilhando medos no seu colo. A diferença é que a Anna do passado tinha medos infundados, absurdos, aleatórios, e os meus - os nossos - existem por um motivo. 

À essa altura, já aprendi que as coisas dão errado. Já vi que não é sempre que no final fica tudo bem e que nem sempre depende da só da gente. Meus 21 anos me ensinaram que, sim, às vezes a gente faz tudo certo e mesmo assim dá tudo errado. Acho que crescer é isso: você descobre que tem motivos de verdade pra sentir medo - e é por isso que os do passado parecem tão menores e mais fáceis de deixar pra lá. Afinal, o que é uma festa, um garoto, ou uma nota baixa perto da morte? Da desilusão? 


Recentemente, finalmente dei a atenção devida à trilogia Before. Antes do Amanhecer. Antes do Pôr-do-Sol. Antes da Meia-Noite. 3 filmes em 20 anos. Eu adoro a forma como Linklater trata a passagem do tempo, e crescer e envelhecer com Jesse e Celine foi uma experiência dessas que me fazem pensar que é pra isso que o cinema - e a arte, de modo geral - foi inventado. São filmes lindos, delicados, honestos, realistas e muito difíceis, principalmente no final. Porque Jesse e Celine crescem. E envelhecem. E as pessoas que eles se tornam às vezes olham pro passado de um jeito cínico, e encaram o futuro de um jeito amargo. Quanto mais o tempo avança, mais horríveis eles ficam, com eles mesmos e um com o outro. 

"When you grow up your heart dies", diz a Allison Reynolds. Acho que de todos os meus medos, esse é o maior. Todo livro, filme, ou série que vejo que aborda a vida adulta em comparação com a juventude mostra isso. As pessoas crescem e endurecem. É um mecanismo de defesa muito válido, não estou julgando ninguém. Imagina só viver quarenta, cinquenta, sessenta anos à flor da pele? Haja coração, haja pele pra queimar, espetar, rasgar, e haja espaço pra costurar tudo no lugar depois. Eu entendo.

Entendo, mas não entendo - sabe assim? Entendo, mas não aceito. 

Passamos muito tempo da nossa vida com medo de viver, e agora que sei como essa brincadeira funciona, não consigo aceitar menos que isso. A gente não pode ficar parada, lembra? Falando assim parece que não boto muita fé em você, e não botar fé em você significaria não botar fé em mim, e taí outra coisa que não aceito. Mas, de novo, não posso evitar o meu medo, e a melhor coisa que eu faço quando sinto medo é tentar reparar os danos antes que eles aconteçam.

Um dos meus sonhos grandes é que você leia essa carta e dê uma risada gostosa. Quero que você me ache muito bobinha. Quero que você deboche de mim e sorria por dentro, orgulhosa, por ter saído muito melhor que a encomenda. Quero que você seja um clichê engraçado da mulher de trinta: de robe florido, cheia de frescuras perdoadas pelos 30 anos, que você vai adorar contar pros outros só porque tem trinta anos e tudo é permitido. Sinto elas cada vez mais próximas: agora sempre olho a quantidade de sódio dos alimentos, tenho evitado frituras e como cada vez mais salada - e cada vez de mais bom grado. Ontem mesmo comprei um ketchup rústico, e tenho lido muito sobre grãos, principalmente esses de nome esquisito que são bons pra tudo.

Não esquece: nosso objetivo de vida é envelhecer como a Julie Delpy
Quero que você se lembre da pessoa que sou hoje, e de como me sinto feliz e realizada. Lembra que com 21 a maioria dos seus amigos eram seus melhores amigos, porque eles são demais mesmo. Lembra da sua família e dessas pessoas que a cada dia se tornam menos autoridades que você deve temer e obedecer, e mais companheiros em quem você confia e escolhe ouvir. Lembra de como você se sentia plena e dona do seu corpo e sobre todos os momentos infinitos que vivemos. Lembra de como era fácil ser idiota do melhor jeito, e cantar alto, ser inconveniente, lembra daquela vez que você pediu licença pra um cara muito lindo e foi dar o braço pra sua melhor amiga e ser ridícula fazendo uma performance junto com ela, sem medo do que ele e os outros fossem pensar, sem se importar se ele iria embora ou não. Lembra que ele não foi.


Lembra de todos os meus sonhos, e cuida deles com carinho. Espero que você tenha boas histórias pra me contar um dia. (I hold myself alive, I love you but I'm lost)

Ouvindo uma música da Sandy, temo pelo momento que você vai perceber que toda a vida que eu achava (acho?) que tenho pra viver não é tão grande assim. Me assusto quando penso que você pode parar pra pensar sobre esses 31 anos e sentir que não tem mais tanta vida pela frente, mas que ainda te falta tanto. Se acontecer (acontece, né? minha adolescência tardia que o diga), espero que não te falte fôlego e pressa pra correr atrás de tudo. Assista Antes da Meia-Noite de novo, e se lembre das partes boas dele. Pense naquele final, mas sempre volte ao Antes do Pôr-do-Sol e continue perdendo os voos.

Coragem, querido coração de 31 anos.
Não deixe de bater com força.

I'm better than I know
There is room to grow


> Texto inspirado na carta que a Sofia escreveu para a Sofia de quase 34 anos

16 comentários:

  1. Ahhhhhhhhh, que ideia maravilhosa. Também quero. Também acho que seja mais difícil escrever pro futuro do que pro passado, porque o futuro pode reservar muita coisa boa, mas da medo, muito medo, tanto medo que eu me identifiquei muito com o teu texto.
    Espero que com 31 anos você se sinta realizada e contente, e que esse texto não faça tanto sentido porque todos os medos que tu sente hoje se dissiparam no caminho até os 31.
    Beijos!

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  2. Olha, já tava maravilhoso desde o início, mas quando chegou nessa parte do "lembra, lembra, lembra" ficou complicadíssimo e quando você veio com essa do "lembra da performance com sua melhor amiga" foi o meu tiro de misericórdia, e você sabe disso.
    Tenho certeza absoluta que a Anna de 31 vai lembrar disso e de MUITO mais coisas que ela fez com a melhor amiga. Lembra de quando a gente bebeu cidra em taça de plástico e fez a posição da vela assistindo friends depois de pintar as paredes de lilás? A Analu de 30 lembra. <3

    Te amo MUITO.

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  3. Que carta mais maravilhosa, Anna.
    Sabe, acho que a gente nunca perde o medo por completo, mas aprende a ir com ele de qualquer maneira.
    Tenho certeza que aos 31 você se lembrará de tudo que é essencial hoje e acrescentará mais um bocado de coisa. E acima de tudo, que será feliz.
    A gente espera muito do eu do futuro né, mas o importante é que corremos atrás para que ele seja maravilhoso. Ou pelo menos, melhor que agora, o que já tá ótimo. hehe

    (ps: amei demais seu comentário no texto do balé.. :) )


    Beijão.

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  4. Que texto lindo e honesto! Eu torço muito pro meu coração não morrer antes do corpo; que amadureça, mas não apodreça.

    Desejo a você bastante inspiração e energia para continuar esse BEDA maravilhoso :)

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  5. Aí Ana que texto lindo, escreveu pro futuro com certeza é difícil. Eu partilho desse medo com você, por que o futuro é incerto, se eu não sei o que to fazendo agora, imagina o que vai acontecer daqui a dez anos?!
    Só te digo força, força pra todos né! O futuro vem e a gente que se vire com ele, como você disse: 'Coragem querido coração...'
    Bjs!

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  6. Que texto incrível, amiga. Os nossos medos são muito parecidos e acho que a Anna do futuro já vai saber lidar com eles melhor.
    Uma coisa eu tenho certeza: a Anna do futuro vai ser tão incrível e maravilhosa quanto a Anna de agora. E espero que Iralinha do futuro esteja por perto para presenciar isso.
    Te amo <3

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  7. Que texto maravilhoso!! nostálgico e ao mesmo tempo futurístico algo assim bom de ler hehe!!

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  8. Seus textos são, como sempre, uma delícia de ler. E emocionam. Você não escreveu só para a Ana do futuro, mas pra mim também e pra todo mundo que se identificou com algum medo ou algum sonho dito aqui. E adorei o fato de você ter ilustrado com cenas da trilogia Before. São quotes incríveis, né? Eu também não resisti quando finalmente dei atenção aos filmes, queria sair quotando tudo. E vivendo. E envelhecendo como Julie Delpy. Será se a gente está no caminho certo?
    Beijo

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  9. Que carta linda ♥
    Acho que todo mundo tem quase o mesmo processo de crescimento no quesito emoções: a gente morre de medo do novo, mas sente necessidade de romper barreiras. Como lidar com isso? Quando mais nova, escrevi várias cartas para as minhas futuras eus porque acho que não somos uma coisa só, uma só pessoa durante a vida. A vida muda e nós também mudamos. E isso é lindo, é isso que dá graça à vida.

    Meio que chorei nesse texto e acho que isso diz tudo porque não sou chorona.

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  10. Li todas as cartas da ~Mafia~ (to intima) e ai gente, fico ansiosa por vocês só de ler <3

    Novembro Inconstante

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  11. Que coisa linda Anna! <3
    Acho que você tá numa rollercoaster that only goes up e vai continuar subindo conforme a idade porque você é essa pessoa que cresce e só fica cada vez mais incrível. E você já sabe, mas sou muito sua fã! <3

    beijo!

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  12. Segundo post da noite com um carta pra o futuro. A minha está guardadinha em um desses sites que mandam o tal email e também confesso que tenho medo do que vamos encontrar lá na frente. Adorei a analogia aos filmes: sou apaixonada por eles e concordo totalmente com a forma que você os descreveu.
    Bj e fk c Deus.
    Nana
    http://procurandoamigosvirtuais.blogspot.com

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  13. Honestamente, eu queria te dizer um monte de coisas. Mesmo. Queria imprimir esse texto, espalhar pelo meu quarto, dar uma choradinha, te abraçar, rolar na grama, sei lá. A lot of feelings. E esse filme. Esses filmes, na verdade. Eu não assisti nenhum porque morro de medo (?), mas trabalhei com o roteiro do primeiro no último semestre e ele mexeu muito comigo. E talvez por isso eu tenha tanto medo de assistir o filme de fato, não só o primeiro, mas também os outros dois, porque tô aqui, aos 22, amando tudo e odiando ao mesmo tempo, e morrendo de medo do futuro. Sei lá, não tô conseguindo raciocinar direito. Mas eu te amo, de qualquer forma (e obrigada por esse texto).

    beijo <3

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  14. Só quero dizer que: eu chorei um monte lendo isso ontem. Pois é. Bastante mesmo. Que coisa linda. <3

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  15. Affff tô morrendo aqui. Amiga, você escreve muito. Eu sei que os nossos sonhos são tão grandes que dá vergonha, mas sabe quando a gente é muito mais compassional (essa palavra sequer existe?) com os outros do que consigo mesmo? Então eu te digo: pode sonhar grande, sonhar gigante, você merece. E espero, muito, que você alcance tudo que sonha.

    E se não alcançar tudo, tudo bem. Lembre que você se divertiu muito nesse processo. E acho bom a gente parar de achar que vai estar tudo resolvido aos 31: tenho muitas amigas nessa idade, e elas ainda tem as mesmas dúvidas que a gente. A vida é assim mesmo.

    Te amo muito!
    Beijo

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  16. Nossa, amiga, que facada. Não sei o que fazer agora com os meus sentimentozinhos que você estraçalhou. Já te disse um milhão de vezes o quanto eu acho que você é foda e não vou repetir mais uma vez (ops, just did), e eu tenho certeza que a Chica de 31 vai ser ainda mais foda. Certeza mesmo, porque eu olho pra você e SEI que não pode ser de nenhum outro jeito. E pode deixar que daqui a 10 anos vou fazer questão de te dizer isso.

    "Sonho tão grande que tenho vergonha de falar" é uma frase tão maravilhosa e verdadeira que vou precisar guardar aqui. Mas a verdade é que eu quero guardar toda a sua carta aqui.

    Te amo muito.

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