terça-feira, 11 de agosto de 2015

Prazer, Sandy






Não sei direito como começar esse texto. Não é que eu não saiba o que escrever, mas são tantas coisas que não sei muito bem por onde começar. Na verdade, foi mais ou menos assim que essa história começou (de novo): estava ouvindo música de um jeito displicente, fazendo um milhão de coisas ao mesmo tempo, quando o modo aventura do Rdio começou a tocar uma música da Sandy.

Soube logo de cara que era ela porque não é um tipo de voz que não se identifica logo de cara, mas todo o resto me pareceu estranho. "Eu mudei o meu cabelo. Me tatuei, troquei de carro e de amor. Tenho alguns bons amigos e ainda me sinto tão só". O lirismo da voz de princesa da Disney estava ali, inconfundível, mas ainda assim. Quem é essa pessoa? Voltei a música, ouvi de novo e de novo, até que de repente não estava mais fazendo um milhão de coisas, apenas uma: ouvindo o cd da Sandy.


Parece bizarro isso, mas a sensação que tive durante a meia horinha que dura Sim foi que estava recebendo a Sandy no meu quarto, e que ela estava sentada na minha cama com as pernas cruzadas, descalça, encostada na parede, me contando onde esteve nos últimos anos. E eu ouvia, fascinada, aquela mulher de 30 e poucos anos me contar que se acha jovem pra ser velha e velha pra ser jovem, e que toda a vida que ela achava que tinha pra viver aos 20 e poucos de repente se tornou curta e rápida pra tudo que ela queria viver.

Foi como reencontrar uma melhor amiga de infância com quem não se fala há muitos anos e querer ser amiga dela de novo. A Sandy foi meu primeiro ídolo, a primeira pessoa que eu quis ser que não fosse minha mãe ou minha avó. Eu imitava as roupas e o corte de cabelo, tinha os produtos licenciados e minha fase riponga mística começou, obviamente, por causa do seu papel em Estrela Guia. Foi com o Diário da Cristal que comecei a ler sobre signos, numa época em que eu colecionava pedras bonitas, queimava incensos em casa (pro horror dos meus pais) e usava anel nos dedos dos pés. A Sandy era como aquela prima mais velha, perfeita aos olhos deslumbrados da garota que queria ser exatamente daquele jeito. Igual. Perfeita. Talvez até demais.


A Sandy era perfeita demais, muito Sandy. Certinha, simétrica, meiga e correta, sempre com aquela cara de quem tem um Bom Ar acoplado na bunda (perdão pela imagem mental). E o problema é que - surpresa! - eu sempre fui assim meio Sandy na vida, ou pelo menos foi nessa caixa que sempre tentaram me colocar. Sem nem perceber (ou querer) eu tinha mesmo ficado igual a ela, pelo menos aos olhos dos outros. Não sei se é pela voz de criança, a introversão, sei lá: sempre fui a meiga, a garota certa e quieta, que nunca faz nada de errado, não se exalta e nem sai da linha. Ou pelo menos era (é?) assim que as pessoas me viam (veem?).

Nunca me identifiquei com nada disso, sempre me incomodei com a expectativa equivocada que isso gera a meu respeito, porque ao mesmo tempo, de um jeito muito louco, sentia (sinto?) uma necessidade irracional de fazer jus a essas expectativas. É por isso que sempre gostei de fazer tudo certinho, por isso que morro de medo de errar, é por isso que a vida às vezes me apavora. A vida não é certinha e racional, acontecem coisas e nem sempre temos controle sobre elas. Nem sempre temos controle sobre a gente e isso não precisa ser uma tragédia. Pelo menos é o que eu venho tentando dizer pra mim mesma nos últimos anos, num exercício custoso e diário de dizer mais sim do que não, de saltar e ir, ainda que com medo.

Porque uma hora a gente supera, né? A gente se supera. Ainda bem. Não que seja fácil, mas eventualmente a gente chega lá. A Sandy, pelo menos, chegou. Chorei horrores ouvindo "Sim", completamente desavisada do efeito que a música teria sobre mim. "Eu disse sim pro mundo, eu disse sim pros sonhos e pra tudo que eu não previa", era a fase de revisões finais do livro, o fim de um processo que me virou do avesso, meses inteiros dormindo e acordando abraçada com um monstro que sussurrava todos os dias pra mim que aquilo era loucura, que eu não era o suficiente. "Eu disse sim pra tudo que eu podia, e eu podia mais do que eu sabia" ao ouvir isso, desmontar era a única opção. Porque era isso, sabe? Eu tinha acabado de escrever um livro, que eu jamais imaginei que eu pudesse escrever. E se não fosse o livro, poderia ser outra coisa. Todos os sins que me doem tanto o tempo inteiro, mas que na maioria das vezes, ao final do processo, me cobrem com uma certeza de que é possível ser muito mais do que imagino.


As pessoas sempre tentaram desesperadamente enfiar a Sandy nessa caixinha de Sandy, mas ela continuou sendo a Sandy - só a Sandy - esse tempo inteiro. Quando disse pra revista que aos 16 anos ainda não tinha beijado, ou quando confessou, anos depois, que fazia terapia (numa época em que fazer terapia não era tão banal assim), que não se achava bonita. Hoje eu consigo ver que essa imagem de aparente inocência nunca foi sinônimo de fragilidade, muito pelo contrário. Sandy parou de cantar com o irmão, lançou dois discos, virou apresentadora de TV, cortou o cabelo, ficou loira, fez propaganda de cerveja, foi pro carnaval, deu entrevista pra Playboy, casou, virou mãe - meio que conseguiu tudo, mas aí você ouve "sim pro inexplicável, eu disse sim, eu caso", e a idealização cai por terra. Sandy tem dúvidas, é torta, escuta Bon Jovi e se sente sozinha. Ufa, eu também.

Ouvir o disco foi como ouvir ela me contar tudo isso com uma honestidade inesperada, quebrando aquela barreira impenetrável de antes, quando eu realmente não sabia quem ela era. Conhecia os cortes de cabelo, os figurinos de palco, seus uuh-uuuhs e ooohs, mas não a enxergava direito por trás das músicas traduzidas, assinadas por produtores. Eu conhecia a Sandy perfeita, e não tem nada mais desumanizador do que um ideal de perfeição - e isso vale pra nós duas.

Agora ela estava ali, e eu também, e era como se a gente estivesse se reencontrando e se conhecendo pela primeira vez, ao menos tempo. Prazer, Sandy. Quem diria, né? Sandy, que mulher. O mundo dá muitas voltas, mas estou aqui, uns quinze anos depois, querendo, de novo, ser um pouco como ela.

Amiga, me ensina?

> Depois de ouvir o disco pela primeira vez fui logo mandando a Analu ouvi-lo também, porque quando se tem uma metade é assim, você simplesmente sabe quando a pessoa precisa tanto daquilo quanto você. E aí que quando estávamos planejando nossos calendários do BEDA, ela disse que dia 11 postaria sobre a Sandy, sem saber que há alguns dias eu tinha planejado a mesma coisa pro mesmo dia. Acabei de ler o post dela, que é praticamente idêntico ao meu, e nunca falamos sobre o que iríamos escrever. Parece até piada. Que bom que não é.
>> Esse texto sobre a Sandy se casa muito bem com um que eu escrevi ano passado, sobre a Jenny Lewis, minha cantora favorita. De jeitos diferentes, elas cantam sobre as mesmas coisas e vale muito a pena conhecer;
>>> Semana que vem vou gravar um vídeo de perguntas, então me ajudem aí perguntando qualquer coisa. Sobre mim, minha vida, meu cachorro, a vida, o universo e tudo mais. Mas perguntem. Por favor. Pode ser nos comentários, peloTwitter, por e-mail, enfim, você escolhe. Mas vamo ajudar a blogueira aí, ok? Beijos de luz.

10 comentários:

  1. Ai amiga, que texto mais lindo e esse PS aí que sempre me derruba, né? Não sei por que, mas eu não tinha nenhuma dúvida de que nossos textos iam circundar o mesmo tema. Inclusive, se me permite um adendo, tinha visto rapidamente no seu calendário quando você me printou ele que o título desse post seria "Prazer, Sandy", e eu gosto mais do que esse que cê escolheu, dsclp? É QUE ACHEI TÃO SENSACIONAL isso de vocês se reconhecerem (eu também, né, mas não tive a meeeeesma ideia para circundar a filosofia), enfim.
    Ansiosa pelo dia que ouviremos juntas pessoalmente pra chorarmos. Se bobear, enquanto pintamos a parede de lilás. <3

    Te amo. SIM!

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  2. Ai, amiga, que texto maravilhoso. Me identifiquei com tudo, porque sou fã da Sandy desde sempre, sempre sofri muito (sofro!) com esse ideal de perfeição e me sinto ridiculamente abraçada pelo Sim. Acabei de ler o texto da banana e tô morrendo de vontade de colocar o CD pra tocar já e sair gritando por aí. Sensacionais suas reflexões.

    Te amo mucho <3

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  3. Nossa, to sentindo que coisas parecidas vão acontecer comigo quando eu escutar pela primeira vez Sim, mesmo que eu não tenha carregado nas costas o papel de perfeita, essa idealização louca que as pessoas tem em cima das outras e quer tiveram em cima de ti. Mas sei lá, sinto uma energia ótima vinda desse CD (ó meu lado riponga inspirada por Estrela Guia falando aí). Carolirala ama de paixão e ela é minha metade, então acho que chegou a hora.
    Chicana - como não amar, me diga.

    Te amo <3

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  4. Anna, tô sempre aqui, lendo o que vc escreve - e sempre esquecendo de comentar hehe - e, olha, como vc escreve bem! Parabéns!
    Dito isso, obrigada por esse texto. Eu também carrego essa veia de Sandra Dee mesmo sem nunca ter me identificado de verdade com ela e, já maiorzinha, me afastei mto da Sandy e de toda minha idolatria infantil, pegando uma certa implicância com ela. Não ouvi o cd ainda, mas já vou de coração aberto.
    beijo!
    (ah, antes que eu esqueça e nunca mais comente: li seu post aqui sobre 'Americanah', fui ler o livro e foi a decisão mais acertada dos ultimos meses. tks mais uma vez rs)

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  5. ... Queria dizer que te marquei numa TAG lá no blog sobre escrita. O nome é ~se eu fosse você~ e a ideia é escrever um texto no "estilo" de escrita algum escritor famoso ou simplesmente de alguém que você admira. Ficarei muito feliz se tu conseguir responder! O link tá aqui, ó.

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  6. Amo essas bichices não combinadas, ai que sintonia, risos. Eu leio esse post e me sinto tão abraçada que sei lá, parece um abuso eu ter ouvido esse cd e não ter sentido a mesma vibe que vocês, mas ainda espero que eu pegue pra escutar qualquer hora dessas de novo e me sinta abraçada como vocês se sentiram.

    beijo <3

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  7. Chorei. Chorei e continuando chorando. Ainda não tinha ouvido essa música e sim, sim, sim! É isso aí. (Não sei mais o que dizer por motivos de: emoçaum).

    Beijo.

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  8. Ei Anna! Também fui dessas meninas que cresceram querendo ser como Sandy. Mas agora, ainda mais. Essa maturidade que a gente sente nas músicas, o seu jeito de levar a vida. Preciso aprender.

    Morada é minha favorita do cd. <33

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  9. Amiga,
    Eu também sempre costumei me identificar com a Sandy por ela ser certinha demais e tal. Ela era um dos meus grandes modelos quando criança. Queria muito ser sempre igual à ela.

    Mas, como comentei no blog da Analu, eu perdi o saco pra ela. Não teria como conseguir ouvir um CD inteiro dela novo, entende? Vai ver eu era só #teamSandy quando ela tava com o Jr. mesmo.

    Beijo! Te amo

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  10. Que texto lindo, me senti contemplada! Cada vez acho que temos mais coisa em comum.

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