domingo, 14 de setembro de 2014

Complicada e perfeitinha

Ou: Big sister to my own sorrows

Não é raro quando, conversando com meus amigos, eu tenha a impressão narcisista que alguém deveria estar escrevendo aquilo que se passa com a gente. Não que sejam vidas tão extraordinárias assim (na verdade são sim, meus amigos são os melhores), mas é só que sinto que estamos vivendo um período da vida peculiar demais para ser ignorado ou então se limitar a lamúrias em 140 caracteres do Twitter. Entre romances inexistentes ou que dão muito errado, vôos e ônibus perdidos, azares a dar com o pau, atropelamento por parapente, chefes escrotos, colegas de trabalho delusionais e um sentimento coletivo de eu não faço a menor ideia do que eu tô fazendo com a minha vida, eu vira e mexe olho para nós, ali tão patéticos tomando sol nesse deck de cilada que é a vida, e penso: alguém deveria estar gravando isso.

E aí, sempre que eu penso isso, como que por reflexo começo a ver a mim e meus pares com as lentes dos Adultos que insistem em nos colocar naquele balaio ridículo que eles chamam de ~millennial~, com um discurso que somos obcecados por nós mesmos, só queremos saber de tirar fotos da nossa própria cara e do nosso prato de comida, e reclamar que é um saco ter que ir ao banco pros nossos colegas do Twitter. É meio que isso às vezes, mas não só, muito menos o tempo inteiro.


De um jeito menos radical, comparo minha vontade de registrar essas experiências, reflexões e crises de identidade com a ambição pretensiosa e meio patética da Hannah, de Girls, de ser a voz de sua geração. E fico pensando se o resultado disso não seria um documentário histérico e ridículo como a TV transformou o trabalho da Lelaina em Reality Bites. Ao mesmo tempo, escuto o pop chiclete da Taylor Swift, sem nenhum pudor falando que aos 22 anos ela é happy-free-confused-and-lonely-in-the-best-way, e penso como é reconfortante ouvir isso, nossa confusão romantizada assim, da mesma forma que é maravilhoso correr por Nova York junto com a Frances Ha, que reconhece não ser uma pessoa de verdade.

Cinismo e auto-depreciação à parte, a verdade é que eu acho que estamos vivendo uma fase de mudanças muito loucas. Tudo é incerto, as pessoas insistem em dizer o tempo inteiro que temos o futuro e o mundo a nossos pés, e essa afirmação, que deveria ser um conforto, acaba deixando as coisas um tanto quanto desesperadoras. Como eu acredito piamente na arte como forma de unir as pessoas e nos ajudar a entender melhor uns aos outros, tal qual Briony Tallis meu impulso inicial é querer escrever escrever escrever sobre tudo isso, numa tentativa solitária de ordenar um pouco do caos que tem sido viver.

E aí que no dia 29 de julho desse ano, saiu o novo CD da Jenny Lewis. Lembro que cheguei tarde em casa de um dia difícil, com a única ambição de lavar meu cabelo, comer alguma coisa, e deitar no meu quarto escuro ouvindo o que o The Voyager tinha a me oferecer. E foi assim que eu fiz, e assim continuo fazendo até hoje, porque dificilmente passo um dia sem ele na minha cabeça.


"Pictures of Success" talvez seja minha música favorita do Rilo Kiley, do primeiro disco deles. Aos 25 anos, Jenny escreveu essa música sobre nossas ambições pequeno-burguesas serem pequenas demais diante do fato que vamos todos morrer um dia (and Mexico can fucking wait!). Na mesma música, no entanto, ela diz "I'm a modern girl, but I fold in half so easily when I put myself in a picture of success". 13 anos depois, tendo encarado o fim da banda, a morte do pai, e severas crises de insônia, ela lança um disco novo.

Jenny Diane Lewis, aos 38 anos, escreve músicas sobre ser complicada demais para os homens, sobre como é ser mulher num meio predominantemente masculino, sobre como é ser cobrada para ter filhos, sobre drogas, sobre férias muito loucas em Paris, sobre o pai, sobre a vida, e conclui que é a única irmã de suas próprias mágoas. Eu, aos 20 anos, danço com os braços pra cima no meu quarto ao som de "She's not me", música que resume toda a minha vida, e me sinto melhor ao saber que a Jenny também olha pro passado e pensa "I bet you tell her I'm crazy". É um conforto saber que depois de todo esse tempo a Jenny Lewis também não tem a vida toda no lugar.


Mesmo assim, é essa mesma Jenny que, em "The New You", puxa nossa orelha e pergunta: "The farther that we run from it, how will we overcome it?", e afirma com assertividade em "Just One Of The Guys": "I'm not gonna break for you" (amen to that sister!) - o que mostra que as coisas estão  confusas e pouco resolvidas, a vida continua uma piada, mas ela tem crescido muito nesse caminho. Sem perder a doçura, porque "Love U Forever" está no disco pra nos lembrar justamente disso.

A gente tem que admirar essa honestidade.

Ao vivo sim porque a ginga de Jennyinha me representa demais

Saber que mesmo adulta, vivida e maravilhosa a minha grande, amada, querida e inspiradora Jenny Lewis (já falei sobre ela antes) não tem tudo resolvido é mais um alívio do que um motivo desespero. Sustenta minha tese de que, no fundo, ninguém nunca tem the shit totally together. A vida é inteira uma coisa muito louca, cheia de mudanças e incertezas, que nunca vai parar de ser difícil e bizarra. Quando eu escuto CDs como o The Voyager, fico muito feliz ao saber que as pessoas estão mesmo escrevendo sobre isso.


10 comentários:

  1. Este texto resumiu m pouco do que estou sentindo no momento, eu realmente não sei que merda eu to fazendo. Incrível essa sua capacidade de ler um texto seu, não importa o tamanho, do começo ao fim com uma naturalidade ótima.

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  2. Lembrei de uma escritora "Valéria Polissi" ou o livro "feliz ano velho" que é uma auto biografia vai que "alguém compra um livro sobre uma pessoa só.... " ou a vida com os amigos.

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  3. Esse texto todo também contou um pouco de mim. Meio que reconfortante também.

    Bom dia,

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  4. Tá, eu fiquei curiosa. Vou ouvir. Mas vou ser sincera que a cartela de cores da artista foi um dos pontos que me chamou mais a atenção, haha!

    Um beijo,
    Re
    (e sim, somos complicados... não mudou muito até meus 29 haha)

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  5. Ai Anna, eu sinto o mesmo.
    E estou bem nessa fase de "não tenho ideia do que estou fazendo com a minha vida". De certa maneira, a partir do momento em que me permiti não amis fazer planos, me libertei de um peso enorme. Mas daí que sempre vem "o depois". Sendo bem mais paranoica que você, às vezes penso que O Show de Truman, o Show da Vida, acontece comigo.
    Muito egocentrismo de minha parte, eu sei.
    Beijão.

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  6. Amiga, eu nem sei quem é essa moça Lewis aí, mas me abraça que você sabe que entendo todo o resto do post. Principalmente a parte das histórias de amor inexistentes e tive que rir dramaticamente do atropelamento de parapente porque SÓ A gente mesmo pra passar por essas (tamo contigo, Tary). Te amo! <3

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  7. adoro descobrir música nova com você - sempre vem com contexto ;)

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  8. cara, é a terceira vez que escrevo esse comentário.
    na primeira o navegador fechou.
    na segunda eu não tinha logado e, quando loguei, sumiu o comentário e eu não sei se foi :(

    vamos tentar novamente...

    essa coisa de imaginar um filme quando estamos com os amigos é justamente o que venho passando nos últimos meses... acredito sim que nossas vidas sejam maravilhosas tambémmm!

    me identifiquei muito quando você falou que escreve como "fuga". por isso eu tenho o blog, sabe? porque é algo particular no meio de um mundo virtual nada particular, e isso me faz ficar mais a vontade do que postar o que eu quero em outras redes sociais.

    www.pe-dri-nha.blogspot.com

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  9. A gente deveria ter licença poética pra ser o que a gente quiser ser (happy-free-confused-and-lonely) a hora que bem entender - ou na hora que tiver tudo complicado demais pra fazer algum sentido.
    E anotei o nome da Jenny pra procurar mais tarde quando chegar em casa.

    Foi bem legal passar por aqui. Provavelmente volto de novo ;)

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  10. Que texto lindinho.
    Não escuto Jenny, mas agora pretendo.
    E outra: acho que todo mundo tem essa sensação de que "alguém deveria estar gravando isso". Eu sei que eu tenho. E de preferência com narração. Porque só eu sei que tem muito mais acontecendo dentro da minha (e chuto dizer, nossas) cabeça do que a simples rotina e papos jogados fora.

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