sexta-feira, 19 de março de 2010

O mundo anda tão complicado!

Toda essa história de processos seletivos inevitavelmente traz uns sentimentos que, apesar de não serem saudáveis, existem. A gente começa a se preocupar com concorrentes, e colocar em estatísticas internas as probabilidades de fracasso alheio que, querendo ou não, dar-nos-ão vantagens. E isso alivia. Na hora do desespero, é confortante pensar que um tanto de pessoas vai perder a prova porque esqueceu o RG ou se atrasou, e algumas outras vão zerar a redação só porque assinaram uma carta ou entitularam-na. Tem aquelas que vão preencher o gabarito errado, e as que não vão ter tempo de preenchê-lo por completo. E aquelas que não sabem mesmo, por um motivo ou outro. E isso é o que mais incomoda.

Minha prova foi adiada porque a reitoria não decidia se fechava o processo seriado apenas para a rede pública, ou mantinha aberto. O argumento usado é aquele já conhecido, porque os estudantes de colégios públicos nunca poderão competir de igual pra igual com um de colégio particular. Concordo. Nem todo o ensino público está na lama. Existem ainda escolas boas e professores competentes, e mais do que isso, um turbilhão de alunos interessados, competentes e cheios de força de vontade. Mas venhamos e convenhamos, o nível não é o mesmo. Exemplos não faltam de jovens perseverantes, que apesar das dificuldades estudaram, se dedicaram e chegarão lá, no sonho da universidade federal (equivalente adolescente ao sonho da casa própria). Mas ainda são exceções. Aulas muitas vezes improdutivas, muitos recessos, falta de estrutura e material, quadro de professores defasado pra listar os problemas mais recorrentes. No cursinho de revisão que estou fazendo na escola, que é aberto para alunos de outras escolas, uma menina comentou que em Física tinha aprendido só até Queda Livre, conteúdo que ano passado, se não me engano, vi em meados de abril.

Eu estudo na melhor escola da cidade. Numa sala bonitinha, com cadeiras acolchoadas, ar condicionado, sala com computador, projetor e professores que são mestres e doutores. À minha disposição, tenho também uma sala de estudos, plantões todas as tardes, aulas virtuais, e no site da escola posso ter acesso às provas antigas de todos os processos seletivos que eu escolher. Pra quem como eu, que tem a oportunidade de estudar lá, ou numa escola qualquer de qualidade, para conseguir uma vaga na universidade, basta querer. Depende só do aluno. E se o mundo fosse um lugar justo, o que não é mas realmente deveria ser, deveria depender única e exclusivamente do aluno em todos os casos.

Aí eu fico pensando que além de culpa, claro, de uma política que nunca prioriza a educação, o Brasil vive uma situação assim por causa da desigualdade tão falada por aí. E isso não é de hoje, nem de ontem, e nem de uns vinte anos atrás. São séculos que fizeram a gente chegar até aquii. Um sistema irracional, cujas circunstâncias foram favoráveis para mim e meus colegas de escola, e desfavoráveis pra esse monte de gente que não recebe a educação de qualidade que lhes é de direito. Direito deles, e meu também, porque teoricamente, meu pai não deveria gastar uma grana pra que eu estude numa boa escola, já que ele também gasta uma nota de imposto, o mesmo imposto que os pais dos alunos das escolas públicas pagam. E aí eu pergunto, eu sou mais especial que eles? Eu mereço mais? Não, claro que não! Me tira o sono essa história, de saber que tem gente de pés e mãos atados, com o futuro na mão de circunstâncias e mais circunstâncias infelizes, porque a regra que nos rege hoje, o que manda a mão invisível é que uns ganham e outros perdem, só que em proporções astronômicas.

Eu vejo gente que tá se esforçando ao máximo pra correr atrás do tempo e da matéria perdida, e o dia inteiro na escola o que mais vejo é gente que não está nem aí. Indo a Deus dará, deixa a vida me levar, com aquele discursinho de que "sou muito novo, não vou me desgastar com isso" ou "sei que não vou passar mesmo, melhor encarar o cursinho e o vestibular tradicional"e pior, "posso entrar numa particular sem precisar disso", e há quem nem pense nisso,quer mais é passar a tarde assistindo televisão. Eu não tenho nada a ver com isso, mas o que me deixa fula é pensar que tem tanta, tanta gente que daria tanto pra estar ali, e quem tem de mão beijada não dá valor. E que tem pais que, na falta de uma expressão equivalente, "work their ass off" pra dar o melhor pro filho, e ele, tchun, quer mais é ir pra micareta no final de semana.

E pensar que isso é a vida. Isso é como as coisas são. Eu não tenho estrutura psicológica pra viver. Pelo menos não nesse mundo.

* PAAES é domingo. Pensar nisso semana passada me dava ânsia de vomito, literalmente, mas agora, estou tão acabada e cheia de estudar em jornada tripla que quero mais é que acabe logo. Aí pra não surtar ocupo meu tempo com essas coisas deprês que escrevi.

20 comentários:

  1. Gostei do texto. Realmente, é revoltante pensar que tem tanta gente querendo estudar sem ter professor competente pra ensinar, e tanta gente que tem tudo e só pensa em Malhação... Você vai passar (?), Anna, acredite. Beijo.

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  2. Processos seletivos são desumanos. E banca de avaliação não merece ler um texto tão bom quanto o seu.

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  3. Não assisti ao vídeo. E é, eu como estudante de Letras bem sei qual é a situação educacional pública do Brasil. Tudo bem que meu bacharelado em Tradução não tem muito a ver com isso, mas sempre ouço meus colegas que escolheram a licenciatura comentando sobre o assunto. E acho que, infelizmente, isso está longe de uma solução. E é triste ver gente disperdiçando oportunidades, enquanto tem tanta gente aí precisando de uma só delas... isso parece até uma regra que rege o mundo. Vai saber.
    Enfim, boa sorte no PAAES amanhã ;)
    Beijo

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  4. Concordo com tudo e o que eu mais concordo e assino embaixo é o fato de que o ideal - como você disse - seria que o Governo provesse uma educação de qualidade para todos, onde todos tivessem a mesma oportunidade e aí sim, só bastaria querer e ponto. É injusto que entrar em uma Universidade Federal seja um sonho para a maioria e seja privilégio de uma minoria que precisa gastar um dinheirão com isso, já que ainda não se pode contar com esta qualidade que é obrigação (e promessa....) do Governo.
    Anna, você é uma formadora de opinião - queira ou não queira, mas você já é. E o fato de você ter consciência de tudo isso me deixa um pouco mais tranquila, porque sei que junto com você vem um monte de gente que te acompanha.
    Acho que nossa lição de casa é aprender a votar direito. Porque votar por enquanto é a única arma que a gente tem. E votar não é só escolher um candidato e depois esquecer, por quatro anos, da política. Votar é um processo que começa que a escola do candidato e termina com o nosso acompanhamento de tudo aquilo que ele prometeu e que ele efetivamente está fazendo. Acompanhar, cobrar, participar.
    Eu estudei em escola pública. E faz duas semanas que eu fui até a USP fazer uma pesquisa e fiquei deslumbrada com aquele mundo, que eu queria ter feito parte, mas que estava beeeem distante da minha realidade, já que o meu Colegial foi técnico e eu só tive Química e Física (por exemplo) até a oitava série. Me convenci de que eu não precisava daquilo, na época, mas hoje vejo que este pensamento era só um disfarce... ;-)
    beijos
    Mel

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  5. Eu também não tenho estrutura psicológica pra viver.
    Concordo com você, antes me revoltava com essa história do sistema de cotas das escolas públicas, porque achava que o ensino que tinha que melhorar, não privilegiar os estudantes da escola pública. Mas ainda bem mudei essa minha idéia que de uma hora para outra os impostos e o dinheiro do governo seria investido na educação, engano meu.
    Não concordo com as vagas reservadas para negro, por eles serem negros não diferem em nada na capacidade de raciocínio, nem de aprendizado, é só mais uma prova do racismo no Brasil.
    Gostei muito da postagem, beeijos.

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  6. É muita incoerência, todos esses processos seletivos e mudanças na tentativa de melhoria no ensino, ou melhorias nas oportunidades. Quando se fala de educação, o Brasil vai pelo pior caminho. Primeiro, que o vestibular sempre foi uma forma completamente injusta e sem eficácia pra selecionar quem deve entrar na Universidade. Uma prova com dezenas de questões cansativas e matérias em nível alto que nunca terão uso algum na vida acadêmica, muito menos profissional do aluno. Pois bem, ocorre a mudança para o ENEM e veja só... desorganização total. E agora, pra entrar na Universidade precisa ter muita resistência, e o conhecimento é meio que deixado de lado. Sem nenhuma distinção de quem tem facilidade com matérias exatas, ou humanas.
    A mudança tem que vim pela base... nao com o vestibular! E como você disse, o seu pai paga o mesmo imposto do pai do aluno de escola pública.

    Adorei o texto e boa sorte nessa caminhada.!

    ;*

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  7. É realmente difícil. Os alunos da maioria das escolas públicas saem totalmente despreparados das mesmas. Um amigo meu mudou de escola, de uma "normal" pra uma "mais foda de SP" ele, acustumado a tirar de 8 pra cima, tá estudando feito um louco pra tirar de 5 pra cima, pois nas primeiras provas tirou de 4 pra baixo!
    :*

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  8. fico feliz de finalmente ter acabado essa fase da minha vida.
    a fase do estudar por desespero, estudar coisas que odeio, estudar desejando que outros não estudem o suficiente ou fracassem.
    agora eu estudo o que quero, o que amo, é como se finalmente tivesse crescido.
    a faculdade não é pública, mas dane-se, sinto como se finalmente tivesse passado a ser adulta.

    vc tem razão, seu pai não deveria ter que gastar dinheiro para que vc receba educação BÁSICA de qualidade. fala isso pro Lula, que disse que "o Brasil um dia iria se orgulhar de ter alguém sem estudo como presidente". ah, a ignorância é uma Bênça mesmo, certo?

    boa sorrrrte no PAAES...

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  9. nem é tão deprê, e você tem razão.
    eu estudei em escola pública, e passei numa estadual (aqui não tem federal, e quando fiz vestiba, era muito nova e minha não me deixou mudar de cidade. eu tinha 16).
    estudo na UPE, a segunda prova de vestibular mais difícil do país.
    me orgulho, sabe? mas não gosto do curso, apesar de estar no quinto período.
    mas isso já são outras histórias...

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  10. Vc tem completa razão; me revolto em pensar em como tudo é desigual por aqui, e como tem gente que joga a oportunidade pela janela enquanto ha gente que rala pra poder pegar um ônibus e ir a escola pra passar numa faculdade federal ou estadual. Esse é mais ou menos meu caso, minha familia é estruturada e nunca faltou nada, mas td é contadinho, e ano passado me botaram em uma escola particular, a melhor das redondezas e pelo meu ensino péssimo não consegui passar. Não foi por falta de tentar não, tentei o maximo! tem gente com tanto por ai que só quer curtir a vida e esquece do futuro! Ainda me resta esperanças de que um dia tudo vai ser mais igual, e as oportunidades irão ser dadas a quem realmente merece!
    :$

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  11. Assino embaixo! Não tenho nem o que argumentar. Post perfeito como sempre!!! E boa sorte pra vc no PAAES. Deua abençoe. Beijos.

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  12. Sim, Anna, pior que é assim mesmo. Eu terminei o ens médio em escola pública (por opção, por causa das cotas mesmo, já que quero um curso mega concorrido) no ano passado e agora tô pagando o preço de ter que correr atrás pra aprender a maioria das coisas sozinha. Genética? Não vi. No assunto de química, parei em Isomeria (abre qualquer livro do terceiro ano que ele tá tipo pela metade do livro!).. O pior é que tem pessoas que fazem o ens médio nas melhores escolas particulares e COMPRAM um comprovante falso de que cursaram em pública, o que acontece muito aqui. Só descobri agora - e tô me ferrando. Anyway, foi uma opção minha, não tive um ens médio tão estressante (e agradeço por isso, ou eu surtaria) e tô fazendo cursinho desde o terceiro ano, aprendi muitas coisas, revi outras, estamos aí. Como você mesma disse, depende do aluno. Felizmente eu tenho recursos (um bom cursinho, todos os livros necessários) pra passar, não deu no ano passado porque eu realmente tava com MUITO atraso nas costas. Boa sorte pra nós nesses vestibulares que estão por vir :)

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  13. Tive um 2º grau numa escola ótima, mas enfim... eu não dei valor, eu detestava (detesto) toda aquela matéria, aquele turbilhão de informação. Nem bem aprendemos um tópico já jogavam outro... nunca assimilei, nunca consegui.

    Boa sorte Anna, eu sei que você vai conseguir pelos seus incontáveis esforços!

    ;**

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  14. É... na realidade, quase ninguém tem psicológico pra viver nesse mundo cheio de injustiça, mas poucos admitem isso como você!

    Parabéns pelo post, muito lindo e verdadeiro! Boa sorte no PAAES (:

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  15. Sei do que vc esta falando, já tive muitos colegas que faziam cursinho só por fazer, que eu sabia muito bem que não estudava.
    Ainda bem que a UFU deixou as escolas particulares fazer parte do seriado, eu não concordo com essa onda de politica de ação afirmativa, pq se meus pais tb pagam impostos é direito meu poder entrar em uma universidade pública. Mas, eu tb não sou alienada com o assunto, sei que as escolas publicas estão bem atras das particulares, mas não é facilitando o ingresso dos alunos de escola publica que vão melhorar o ensino no Brasil. Esse era um dos temas mais polemicos na minha época do cursinho! haha Dava muita briga, quem estudou em escola publica defendia as cotas, os negros tb, e quem sempre estudou em escola particular rejeitava todas as formas de cotas. Vc sabia que quem estudou sempre em escola publica e depois fez cursinho particular pode continuar tentando vagas com cotas? Isso eu acho muito errado!
    P.S.: Eu escrevi demais! haha Desabafei!

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  16. Haha ! Amo essa música a achei o vídeo engraçadinho.
    E quanto ao texto se encaixa completamente em um assunto que tbm foi meu ( só que do lado oposto ).
    Estudei em escola pública a vida inteira ( municipal e estadual ) e tive muita dificuldade em compreender como as coisas funcionavam de verdade. Tive a sorte de abrir os olhos pra essas questões muito cedo. Sempre fui ótima aluna, na medida do possível em escolas com um nivel tão baixo de qualidade.
    Agora estudo na UERJ e passei de primeira sem fazer cursinho. Fiz apenas a prova pra lá ( as federais aqui do Rio ficam muito distantes pra mim e a UERJ é ao lado da minha cada - tipo 20 minutos ). E bom, começou a contradição né. Um estudante que tenha o ensino fundamental e médio de uma instituição publica passa por muitas dificuldades pra se manter numa, também, instituição publica só que de ensino superior.
    Estou no 3º periodo de Nutrição e posso dizer que só agora as coisas estão começando a se encaixar pra mim. E isso pq eu sempre fui ótima aluna nas minhas escolas o que equivale a extremamente pouco na faculdade pública. É dureza mesmo. E isso porque estou desse lado de cá.
    Fico feliz de ver que você se importa com essas questões estando aí do seu lado oposto. Muita gente acha que estudante de escola publica não quer nada com nada mesmo. Não que isso não exista ( na publica e na particular né ) mas a situação do ensino publico vai muito além de uma discussão sobre querer ou não aprender. Você simplesmente não tem chance. Alguns se conformam e outros vão à luta ( uma luta bem desigual diga-se de passagem). O mundo é complicado sim e injusto.
    Vi isso desde pequena e agora na universidade não está sendo diferente.
    Sorte a sua Anna ter uma cabeça assim. Enxergar as coisas com olhos bem abertos é o primeiro passo para lutar por mudanças.
    Um beijo grande.

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  17. Sinceramente, adorei o que você escreveu, sério, não é em todo lugar que você encontra pessoas que sabem dar valor a educação que recebem na escola. Meu ensino fundamental inteiro cursei em escola pública, meus pais são separados e sem chance de entrarem em acordo para pagar um colégio para mim e minha irmã, o máximo que minha mãe pode fazer foi pagar cursinho pré-vestibulinho o que me deu a chance de estudar numa escola técnica que era para ser MUITO melhor que uma pública o que no final turne out não ser tão melhor assim. Agora estou estudando por conta própria enquanto não chega maio com o início de minhas aulas no cursinho.
    Parabéns por ser assim, você merece ter as coisas pelas quais luta tanto.
    beijos

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  18. Concordo com vc. Acho ridiculo cotas racias, mas, infelizmente, sou obrigada a concordar com a cota para escolas públicas. É tapar o sol com a peneira, na minha opinião, mas já que não consertam logo a porcaria que é o sistema público de ensino, pelo menos fizeram alguma coisa.
    E boa sorte na provaa
    Beijos

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  19. É Anna, é triste essa realidade, mas você mesma já disse, não acredito que um governo instruiria melhor o seu povo para ser questionado...
    E é um pena as pessoas não darem valor naquilo que tem. Mas isso acontece em todos os lugares, em todos os níveis.
    Bjitos!

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