Somos todos frutos de uma conspiração que sonhava com um mundo descrito em uma planilha do Excel, ou pelo menos é assim que eu vejo a modernidade. Eu, você, o seu Zé na portaria e a paquera nossa de cada dia no Facebook, somos herdeiros diletos de circunspectos homens que uma bela manhã resolveram dar boas vindas às luzes do conhecimento, recebendo junto com ela um sistema de pesos e medidas, o método científico e a cisão definitiva entre cérebro e coração. Não sou Ignatius J. Reilly, protagonista do livro Uma Confraria de Tolos, que sente saudades do mundo perfeito que nunca conheceu da Idade Média, mas estou disposta a escrever uma extensa denúncia contra o nosso século; vou me lembrar de sua falta de teologia e geometria, mas gostaria de endereçar alguns xingamentos em caixa alta ao responsável pela sistematização da nossa existência, porque eu não aguento mais racionalizar cada aspecto da minha vida nos minutos antes de dormir.
Estou falando, claro, da dificuldade que é classificar em estrelas os livros que li.
Eu sei que algumas pessoas gastam anos escrevendo teses inteiras sobre a leitura e o ato de ler, mas vamos nesse momento escolher a simplicidade de aceitar que ler nada mais é do que abandonar nossa existência patética para, por minutos ou horas, entrar em outro mundo, história e vida - com o adicional de que muitas vezes esse universo distante e esse personagem aleatório falam exatamente sobre a nossa existência patética, uma vez que, como genialmente colocou minha amiga Milena, todas as histórias são sobre nós. Eu sei, ler é a melhor coisa do mundo, mas não é esse o meu ponto.
Meu ponto é que é impossível condensar toda essa experiência quase mística em cinco míseras estrelas que pouco dizem por si só. Elas não exprimem os insights que eu tenho a respeito de passagens de livros do John Green mesmo meses depois da leitura, muito menos conseguem traduzir tudo que eu aprendi com os ensaios do Franzen e tampouco fazem jus à delícia que é chorar com um chick-lit sabidamente ruim porém maravilhoso. Eu sei que sempre existe a opção de deixar um parágrafo para a posteridade no Skoob explicando que aquelas três estrelas querem dizer "ótima ideia, execução chocha" ou então que aquelas cinco foram dadas porque, apesar de não ser o melhor livro do mundo, eu amei tanto a leitura que seria incapaz de lhe retirar qualquer fagulha brilhante de mérito.
Mas, como nem sempre há tempo e disposição para deixar essa explicação a quem interessar possa e porque eu realmente preciso escrever sobre as estrelas, fica aqui a minha indignação. A parte boa é que eu tenho a sorte de conhecer pessoas tão malucas como eu, que não só sofrem ao dar estrelas aos livros como também gostam de teorizar a respeito. A Analu, por exemplo, sempre causa polêmica com as três estrelas que ela adora dar aos livros, enquanto a Tary vive revisando suas classificações porque sabe que no calor do livro recém fechado nós fornecemos pareceres pouco confiáveis. Couth costuma comparar com a classificação de outros livros, para ter um parâmetro, e a Milena consegue ter critérios mais complexos que os meus.
Então, para fins de consulta posterior, desencargo de consciência e também para encurtar possíveis justificativas, compartilho com vocês meus critérios estelares:
A estrela solitária é o prêmio de consolação dedicado aos livros que não foram agradáveis em nenhum sentido, ou seja, aqueles que são tecnicamente ruins e cuja leitura não deu prazer algum. Se contar com o adicional de ter me deixado nervosa, some a estrela e entra um ponto triste e sem graça no lugar.
Exemplo: Gossip Girl 1 - Cecily Von Ziegesar
As duas estrelas são para aquelas leituras que não foram boas, definitivamente, mas que também não foram um desagrado completo. Elas servem também para classificar aqueles livros que, embora reconhecidamente bons, não foram agradáveis de ser lidos. Acho bem possível separar a técnica da apreciação, pois já livros que reconheci serem ótimos mas que não gostei nem um pouco de ler (Iracema) e outros que sei que são ruins, mas que gostei de ler de todo jeito. Mas, no geral, as duas estrelas representam aquela coisa de bom não foi, mas não perdi muito do meu tempo.
Exemplo: Por Isso A Gente Acabou - Daniel Handler
As três estrelas são, de longe, as mais complexas. Elas traduzem muita coisa e sua má compreensão pode gerar mágoas para uma vida inteira. Quando eu, Anna Vitória, classifico um livro como três estrelas, quero dizer, de modo geral, que aquele foi um livro bom que não mudou a minha vida, aquela leitura agradável que daqui há uns dois meses eu já vou ter esquecido. Em alguns casos, dou três estrelas para livros que tem boas premissas mas pecam na execução ou aqueles que tinham tudo para ser ótimos mas escondem um MAS bem grande embaixo do tapete.
Exemplo: Todo Dia - David Levithan
Simpatia é quase amor seria o jeito carnavalesco de definir as quatro estrelas. Eu também diria que recebe quatro estrelas aquele livro que você chama pra morar junto com você, mas que ainda não se sente segura para casar. Quatro estrelas é o é bonitinho, mas da literatura ou o clássico não é você, sou eu. Ou seja: no meu Skoob, ganha quatro estrelas o livro que eu adorei, mas que não considero perfeito, ou então aquele livro excelente que eu não amei com fervor religioso.
Exemplo: O Oceano no Fim do Caminho - Neil Gaiman
As cinco estrelas são fáceis de ser explicadas e dadas, pelo menos pra mim. Qualquer livro que eu ame sinceramente e considere também excelentes do ponto de vista literário são dignos delas. Essa parte técnica eu avalio bem do meu jeito, de acordo com as coisas que eu considero importantes e prestando atenção em tudo aquilo que me incomoda. Se passar por essa porta estreita, ou seja, sem pisar em nenhuma mina terrestre das minhas antipatias (são tantas!), ele já é vitorioso. Já o amor é aquela coisa, né. Tem que bater lá no fundo de um jeito específico, pular no mínimo três vezes como uma pedra bem lançada no laguinho, tem que durar na minha cabeça e nas minhas ideias por um tempo razoável e me fazer querer tatuar alguma quote na alma e me fazer suspirar olhando a cidade enquanto penso: ler é a melhor coisa do mundo.
Exemplo: A Culpa É das Estrelas - John Green
É possível casar com seu post? Ele ainda está solteiro? Eu ri tanto que me perdi.
ResponderExcluir"Simpatia é quase amor seria o jeito carnavalesco de definir as quatro estrelas." ETA referência maravilhosa.
Olha, essas estrelas são complexas demais. Acho que não conseguiria explicar as minhas nem discorrendo durante horas sobre elas. No fim a minha cabeça acaba fazendo umas conexões bizarras e eu avalio. Mas é muito difícil!
Suas estrelas fazem muito sentido. É justo, é prático. Vai me fazer ficar dias pensando nesses critérios inexplicáveis que a gente usa.
Beijo <3
p.s: lembrei que o R carioca no lugar do S também acontece em "mas" e "mais". Acaba saindo "vou mar não" de vez em quando. Tinha que te contar isso porque no fundo acho que você está escrevendo sobre sotaques para um livro genial.
Você arrasa tanto, mas tanto, que depois de ler o primeiro parágrafo com um enorme ponto de interrogação na cabeça pensando do que diabos você tinha resolvido vir falar após toda essa introdução, precisei gargalhar alto quando descobri do que realmente se trataria o post. Te amo muito! HAHAHA
ResponderExcluirE amo nossas teorias pelo skype!
Não sei vocês, mas eu sinto falta de poder dar 0 estrelinhas! Às vezes um livro não merece nem uma mísera estrela! :(
ResponderExcluirRi demais! Sério! "Quatro estrelas é o é bonitinho, mas da literatura ou o clássico não é você, sou eu" pra mim foi o ápice! kkkkkk E acho que agora finalmente aprendi a classificar os livros usando estrelas!
ResponderExcluirAs cinco estrelas são nada mais nada menos do que ir atrás do autor do livro falar tudo o que você não entende ou compartilhar tudo o que você entendeu, like a Hazel.
ResponderExcluirNovembro Inconstante
Adorei a sua descrição de estrelas, acho que ela varia de pessoa para pessoa.
ResponderExcluirO blog fez 5 anos! Depois dê uma passada lá!
jj-jovemjornalista.com
O engraçado foi encontrar esse post após uma semana me angustiando internamente sobre como são injustas as estrelas para os filmes no filmow. São constantes as mudanças que faço nas minhas avaliações e (às vezes) as faço me sentindo idiota, porque se há indecisão, então minhas justificativas para tais avaliações não são tão firmes e consistentes quanto pareceram de primeira mão, não é? Odiei a cena final de Em Chamas, mas gostei muito do filme, no geral; considerando isso: classifiquei-o como 4 estrelas. Logo depois, classifiquei-o de novo, dessa vez, como 3 estrelas e meia. Aliás, a meia estrela não é suficiente para mim e acho que é aí que se encontra o maior problema. Basicamente não existem classificações suficientes (eu digo em quantidade) para as tão diversas qualidades de filmes que existem. Não consegui deixar Em Chamas nas minhas avaliações como 4 estrelas por uma grande influência de Pulp Fiction, gritante de 5 estrelas ali por perto(também gosto de fazer comparações para ter um parâmetro), seria como se Em Chamas estivesse muito próximo do filme de Tarantino, apesar da estrela de diferença, coisa inaceitável para mim. É difícil ficar completamente satisfeita com as avaliações que dou. Talvez desse certo se as estrelas fossem mais divididas ou existissem mais delas. Enfim, continuo babando por suas introduções, esse suspense inteligente que crias é muito delicioso de se ler. Adorei seu jeito de definir as estrelas, principalmente as 4: "não é você, sou eu", é exatamente isso!
ResponderExcluirBeijo!
Projeto para o futuro blog: colocar que ele adota a “Problemática cartesiana das estrelas” de classificação.
ResponderExcluirAmica, estrelas são complexas, polêmicas e angustiantes. Acho que nunca conseguiria fazer um post tão explicativo como o seu. Essas benditas me confundem demais! É meio difícil pra mim balancear razão e emoção, sabe? Por isso que vira e mexe dou uma mudadinha no Skoob e no GoodReads.
ResponderExcluirAMEI ler esse post. E amo você <3
Esse post é manual pra vida <3
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