quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Como nossos pais

No último domingo, assim que cheguei na casa dos meus avós para almoçar, meu avô foi logo me perguntando se eu já tinha lido a coluna do Antonio Prata daquele dia. Ainda não, mas eu já esperava por algo polêmico porque não era nem uma da tarde e ele já tinha sido eleito o Texto do Dia no Twitter.  O Antonio Prata escreve pouco sobre política, ao menos diretamente, mas quando o faz é com louvor. Em sua coluna na Folha no último domingo, ele escreveu "Guinada à direita", em que ele abraçava ironicamente o discurso da direita conservadora do país para ter a chance de expor muitos de seus absurdos por meio do deboche. 

É uma descrição caricata a que ele faz? Certamente. No entanto, ela não deixa de representar a realidade porque, bem, eu já ouvi aquilo muitas vezes, como vocês vão perceber até o fim desse post.

Li o texto, dei umas risadas, mas, pela reação das pessoas, vi que meu avô queria que eu lesse o texto não por ele ter gostado e, sabendo que sou fã do Pratinha, queria compartilhar aquilo comigo. Ele estava, na verdade, me provocando. Ele queria ver minha reação diante de um texto no qual um cara que eu admiro há muitos anos assume posicionamentos tão diferentes dos meus.  

O problema maior nem foi esse. Para explicar que era tudo um grande deboche, escolhi um trecho - a meu ver bem esdrúxulo - da crônica para mostrar que não era possível que aquilo fosse sério. O que eu não esperava era que os argumentos fossem ser tão bem aceitos na cozinha da vovó. Se é um deboche, cadê a mentira? E aí, junto ao pernil de domingo, antes mesmo da sobremesa, a maravilhosa torta de climão estava servida. Porque, ao falar que aquele texto era tão absurdo que só poderia ser uma ironia, eu estava chamando de estapafúrdias as opiniões que minha família assinou embaixo. De um modo indireto, eu disse que eles só podiam estar zoando com a minha cara.

Não quero, de forma alguma, entrar no mérito de quem tem razão - até porque se isso fosse facilmente definido esse post nem existiria. Só queria apontar que, mais irônica que a guinada à direita do Antonio Prata só mesmo o abismo ideológico que existe entre eu e muitas pessoas da minha família. A ironia nesse caso foi que muito do que eu sou e acredito vem da forma como fui criada, daquilo que me ensinaram quando eu era criança, da visão de mundo que eles me ajudaram a montar. Muita coisa veio por minha conta, de aulas, leituras, outras pessoas e experiências que cruzaram o meu caminho, mas nada disso teria relevância se meus pais e avós não tivessem não apenas plantado em mim essa semente, mas me convencido de que era importante regar essas ideias, cultivá-las.

Hoje esse trabalho rende frutos, explode em flores, costurou em mim tudo de mais sólido que eu penso e acredito sobre a vida, o universo e tudo mais. Eles foram responsáveis por tudo isso, mas a única coisa que posso fazer é me concentrar no pernil e desejar que o chão me engula quando os assuntos espinhosos estão na roda. Debater, nesse caso, é uma luta inglória, e eu amo e prezo demais todo mundo para desperdiçar nossos almoços num bate-boca sem fim sobre políticas públicas e o que mais viesse. Citando a Gabriela, que pelo visto vive algo bem parecido: "Meu pai é um cara conservador. Meu pai é a cara da direita tucana. E sem perceber, meu pai me ensinou que a esquerda era a melhor saída".

Todo sistema tem em si a sua própria ruína. Não acho que eu vá vencer essa luta e nem quero explodir todo mundo que tem uma opinião diferente da minha, mas foi por terem me criado assim que eu nunca mais vou poder estar cem por cento do lado deles. Apesar de tudo, no fim das contas, olha só que ironia: se não fossem eles, não seria eu.

Crazy little thing called vida.

Hoje eu sei que quem me deu a ideia de uma nova consciência e juventude tá em casa guardado por Deus contando vil metal

9 comentários:

  1. Quando você tinha comentado no twitter sobre isso, eu não fazia ideia qual texto era, mas agora vou poder finalmente ler.
    Isso foi um exemplo de, como você disse, termos tanto da nossa família mas ao mesmo tempo sermos tão diferentes por conta disso. Disse tudo.
    Já te disse que sou tua fã?

    Besoo

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  2. Ai Anna! Como eu AMO estes seus textos cheios de opinião! E que bom que isso veio da sua criação, desse contato e respeito com a família! Dessa valorização dos almoços!
    Se não fossem eles, não seríamos nós!
    Mesmo quando saímos o oposto dos nossos pais, ainda assim, é tudo culpa deles. rsrs Tudo GRAÇAS à eles né?

    Vou ler o texto do seu Pratinha e tirar minhas conclusões. rs

    Um beijo.

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  3. Amiga, eu li o texto chorando de rir da polêmica que ele estava causando no twitter, onde pessoas tinham a audácia de discutir se ele era deboche ou não! Cliquei nele pensando: Meu Deus, o que será tão complexo a ponto das pessoas não entenderem se é, de fato, deboche? E fiquei chocada porque, Deus, como assim tem gente achando que isso é sério. E isso que você falou sobre família é realmente incrível! Eu já tinha parado pra pensar, mas tinha desistido no meio do caminho, você arrasou. A gente é criado bem ali e de repente é diferente, e graças a eles mesmos é que somos diferentes. Em que ponto isso acontece? Sei lá. E esse final arrasou: Se não fossem eles não seríamos nós e fim de papo! "Ah, this crazy little thing called vida!"

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  4. Se esse texto não fosse tão maravilhoso não seria seu.
    Apenas.

    <3!

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  5. Antonio Prata sempre sambando na cara do povo de jeito sutil. A polêmica que ele causou aos que não o conhece ou não entenderam a forte ironia... Eu dei o livro dele "Meia esquerda, meio intelectual" para o meu pai, porque eu o considero assim. E se não fosse também a minha família, eu seria completamente Guinada a Direita, talvez. Vai saber...

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  6. Acho que toda opinião deve ser aceita!

    jj-jovemjornalista.com

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  7. Amiga, como eu te disse, já tinha lido esse texto antes e achado sensacional. É um assunto que eu vira e mexe me pego pensando e sempre chego a essa conclusão mesmo: se não fossem eles, não seria eu. Mas isso envolve mais minha avó e minhas tias. Essa coisa toda, na minha opinião, envolve muito as diferenças entre as gerações. O que pra elas é o fim do mundo, pra mim é cotidiano. E também me sinto bem mais metamorfose ambulante, sabe? Parece que pras gerações passadas, tudo é muito preto no branco, enquanto a gente recebe muitas informações e se depara com vários pontos de vistas. Não sei se me fiz entender, mas enfim =) Amei o post <3

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  8. Texto excelente, cheio de opinião. Super massa pensar nessa ideia de divergência de opiniões de um modo tão bacana. E finalizou perfeitamente com a música da Rainha Regina.
    *Detalhe pro trecho da "torta de climão" que, confesso, me fez rir. kkkkk

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  9. Texto excelente, cheio de opinião. Muito massa analisar essa divergência de opiniões desse jeito. E finalizou lindamente com a música da linda Elis.
    *Detalhe para o trecho da "torta de climão" que, confesso, me fez rir. kkkkkk

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