Ou: manifesto contra as borboletas no estômago
Quando eu era criança, costumava dizer que minha barriga escurecia. Eu falava isso sempre que meu pai descia a ladeira cheia de morrinhos que era nosso caminho de todo dia. Eu amava e odiava aquilo, e enquanto o carro subia e descia bem rápido eu punha a mão na barriga e dizia que ela estava escurecendo. Eventualmente descobri que o jeito oficial, se é que isso existe, de se definir essa sensação que não era só minha, era dizer que deu um frio na barriga. Analisando o que eu sentia com o carro na descida ou dentro daquele elevador maluco do prédio da minha bisavó que sempre dava uns trancos antes de parar, era coerente chamar aquilo de frio, já que o negrume de antes sempre vinha acompanhado de uma lufada de ar gelado que insistia em se concentrar na boca do meu estômago.
Quando eu era criança, costumava dizer que minha barriga escurecia. Eu falava isso sempre que meu pai descia a ladeira cheia de morrinhos que era nosso caminho de todo dia. Eu amava e odiava aquilo, e enquanto o carro subia e descia bem rápido eu punha a mão na barriga e dizia que ela estava escurecendo. Eventualmente descobri que o jeito oficial, se é que isso existe, de se definir essa sensação que não era só minha, era dizer que deu um frio na barriga. Analisando o que eu sentia com o carro na descida ou dentro daquele elevador maluco do prédio da minha bisavó que sempre dava uns trancos antes de parar, era coerente chamar aquilo de frio, já que o negrume de antes sempre vinha acompanhado de uma lufada de ar gelado que insistia em se concentrar na boca do meu estômago.
Os anos se passaram, eu li uns livros, vi uns filmes, e descobri que essa exata sensação poderia ter outro nome, ou melhor, ser outra coisa. Nada de escuro, nada de frio, o que eu sentia vez ou outra eram borboletas que freneticamente batiam suas asas dentro de mim. É uma imagem até bonitinha, mas é benevolente demais para com a realidade do que ela significa. Borboletas no estômago supostamente são acompanhadas de paixão, ansiedade, excitação, e tudo isso pode ser muito bom sim, mas não é nada delicado. Na verdade, é exatamente o contrário: se existe um troço se sacudindo dentro da barriga que eu sinto que está dançando a dança da garrafa, é porque a coisa está tão intensa na cabeça que o próprio corpo começa a emitir os seus sinais.
Não deixa de ser interessante, não deixa de ser gostoso, porque eis um sinal que estamos vivos e que dentro desse corpo bate forte até demais um coração. As borboletas, ou o frio, ou o escuro, ou tudo ao mesmo tempo agora, nos escancaram que ainda somos sensíveis e vulneráveis apesar de nossos esforços (às vezes involuntários, pois é) para que essa massa cinzenta e pesada que carregamos na cabeça dê conta de tudo, como uma governanta amargurada e muito competente.
No entanto, vocês sabem o que isso significa, né? Se aquilo que a cabeça pensa e o coração sente já é tão forte que começa a pulsar na barriga, é porque as coisas estão saindo do nosso controle. E isso pode ser assustador. Tão assustador que aquelas borboletas simpáticas de filme da Disney de repente resolvem raspar um lado da cabeça, tingir as asas de um tom fluorescente e fazer um twerk dentro de mim. De língua pra fora, obviamente. Enquanto esse espetáculo da natureza e das emoções se opera, só me resta passar o dia enxugando as mãos suadas e me conformar de que não vou conseguir comer direito tão cedo.
É isso que você ganha quando nasce com uma lua em virgem, e eu tenho certeza que aquelas princesas tinham um mapa astral melhor que o meu.
Chuck Bass não me deixa mentir. Foi ele que chegou todo atordoado para a Blair, dizendo que se sentia doente, sem conseguir comer ou dormir, como se tivesse algo flutuando dentro de seu estômago. Borboletas?, ela pergunta, e sua reação é menos iluminação romântica do que confusão e até um pouco de nervoso. Talvez aquele defina gostar que ele solta depois que ela pergunta se ele gosta dela não seja lá tão romântico como eu sempre pensei.
A verdade é que fomos enganados. Ao menos eu fui. A poesia disso - the joy of life, a condição humana, etc, etc -, materializada pela imagem de borboletas simpáticas e coloridas, vai embora sorrateiramente pela janela à medida que os alertas vermelhos anunciando a perda de controle começam a soar - mas, ao invés de luzes piscantes e sirenes, tudo que a gente tem é o escuro. E um saquinho de pão pra poder respirar bem fundo.
Montanhas-russas, toboáguas, elevadores malucos, véspera de prova, culpa, amor platônico e aquela mensagem que não chega nunca - a imagem que traduz tudo isso não tem nada a ver com uma tempestade de neve em pleno verão no meu estômago, muito menos com borboletas fazendo cosplay de Miley Cyrus dentro dele, mas sim com um buraco negro, o produto da morte de uma estrela que atrai tudo ao seu redor para uma dimensão infinita e ao mesmo tempo compacta de nada, onde o tempo para e o espaço não existe mais.
É o que a gente sente quando dá o impulso naquele escorregador enorme e percebe que em poucos segundos vem a inclinação de 90º e não temos mais pra onde correr. É o que eu sinto quando percebo que não tenho mais apetite desde que você chegou sublinhando três vezes embaixo daquele enorme e se que existe entre a gente, escancarando a realidade de que não tem nada que eu possa fazer pra atravessar do outro lado e ver qual é. É uma espiral descendente cheia de ideias erradas e paranoias que não levam a lugar nenhum. É, basicamente, um inferno. Escuro pra burro, mas isso eu sempre soube. Pelo menos eu estava certa.
Defina gostar.
É isso que você ganha quando nasce com uma lua em virgem, e eu tenho certeza que aquelas princesas tinham um mapa astral melhor que o meu.
A verdade é que fomos enganados. Ao menos eu fui. A poesia disso - the joy of life, a condição humana, etc, etc -, materializada pela imagem de borboletas simpáticas e coloridas, vai embora sorrateiramente pela janela à medida que os alertas vermelhos anunciando a perda de controle começam a soar - mas, ao invés de luzes piscantes e sirenes, tudo que a gente tem é o escuro. E um saquinho de pão pra poder respirar bem fundo.
Montanhas-russas, toboáguas, elevadores malucos, véspera de prova, culpa, amor platônico e aquela mensagem que não chega nunca - a imagem que traduz tudo isso não tem nada a ver com uma tempestade de neve em pleno verão no meu estômago, muito menos com borboletas fazendo cosplay de Miley Cyrus dentro dele, mas sim com um buraco negro, o produto da morte de uma estrela que atrai tudo ao seu redor para uma dimensão infinita e ao mesmo tempo compacta de nada, onde o tempo para e o espaço não existe mais.
É o que a gente sente quando dá o impulso naquele escorregador enorme e percebe que em poucos segundos vem a inclinação de 90º e não temos mais pra onde correr. É o que eu sinto quando percebo que não tenho mais apetite desde que você chegou sublinhando três vezes embaixo daquele enorme e se que existe entre a gente, escancarando a realidade de que não tem nada que eu possa fazer pra atravessar do outro lado e ver qual é. É uma espiral descendente cheia de ideias erradas e paranoias que não levam a lugar nenhum. É, basicamente, um inferno. Escuro pra burro, mas isso eu sempre soube. Pelo menos eu estava certa.
Defina gostar.
Esse seu texto tão intenso, tão sinestésico, que do nada eu estava no trabalho, e um segundo depois estava ao mesmo tempo descendo as ladeiras para chegar no Beach Park, e depois me apaixonando perdidamente. Não sobra muito o que comentar. Anna, você escreve tão incrivelmente bem, e mesmo o tom meio soturno e desesperado sobre algo que deve ser amor deixa a gente cheio DE BREU NO ESTOMAGO.
ResponderExcluirEntão, vamos só a dois tópicos:
Primeiro, a dança da lombriga na barriga (jamais me conformarei).
Segundo, não se preocupe com o escuro amiga, porque basta lembrar de acender a luz.
Te amo!
Tenho que comentar o mesmo que a Couth: Esse texto está tão sinestésico que eu estou nesse momento, na minha mesa do trabalho, olhando para o computador e com um frio enorme dentro da barriga. Como se certo alguém tivesse entrado nessa sala agora. Ou mandado uma mensagem. Ou como se eu tivesse acabado de sentar no carrinho da montanha russa e não tivesse mais como escapar da queda. E isso tá tão bom que me deu até vontade postar.
ResponderExcluirTe amo!!!
ai que belezinha esse post, xará <3
ResponderExcluirQue delícia de texto, Bavis. Eu lembrei tanto da minha infância. E sabe, não sei bem o que comentar. Você escreve tão tão tão bem e eu amo tanto tanto tudo o que você escreve que nem sei. Sabe, a gente não sabe nada da vida, mas do pouco que talvez eu saiba nesse momento da vida, lhe digo que às vezes é realmente escuro pra burro. Mas se a gente não encontrar o interruptor tateando, uma hora a gente esbarra nele e acende a luz. Aí tudo fica claro. (e depois escuro, e depois claro, e depois escuro. a vida é tipo uma montanha russa mesmo, fazer o que) Te amo!
ResponderExcluirAi você tem tanta razão de dizer que é um breu. O estômago engole os outros orgãos por milésimos de segundos ou milhares em alguns casos, e dá vontade de morrer ao perder a vida. Entretando, como a Gabi Couth disse: basta lembrar de acender a luz... Ai que difícil, vamos chorar!!!
ResponderExcluirVocê é incrível Anna! Escreve incrivelmente bem, eu adoro muito. Beijos.
Beijos.
É tão bom quando se sente isso antes. O pior é quando a sensação não vai embora depois -- mesmo que deveria.
ResponderExcluirÓtimo texto! :)
Não sei, mas eu adoro essa sensação. As borboletas, as mãos suando, a ansiedade, o ver que a queda está muito próxima e é inevitável, tudo me trás uma sensação de felicidade absurda, embora não necessariamente signifique que o pós-breu será igualmente prazeroso. O ser apresentado à algo que você não sabe o que é, mas sabe que está lá, e que está subindo até o pescoço e não se cansa e é uma girafa (<3) me enlouquece, é verdade, mas, sei lá, me dá uma vontade tão grande de simplesmente rir, porque, como você disse, é "um sinal que estamos vivos e que dentro desse corpo bate forte até demais um coração." Adoro a sensação do pré-sentimento, quando ainda não é concreto, quando você ainda não admitiu completamente ou quando ainda não existe a certeza de que é recíproco. A loucura que antecede o definitivo, ainda que destrua as borboletas bonitas da Disney, é melhor do que a plenitude que a segue.
ResponderExcluirAdorei o post, Anna. Beijo!
Lindo texto!
ResponderExcluirNem sei o que comentar, sabe? Eu meio que sinto falta de sentir essas coisas todas, que fazem tão bem e mal ao mesmo tempo, mas mesmo assim nos arriscamos de novo e de novo e de novo.
Parabéns Ana, seus textos são maravilhosos <3