E aí, sumida, como tá a vida? Ah, corrida.
Tudo bem com você? E as novidades? Ah, aquela correria de sempre, né?
Há mais ou menos uns três anos que eu digo pra todo mundo que minha vida está corrida. Aquela festa, aqueles filmes, aquele projeto meio abandonado, aquela série que eu nunca terminei, as pessoas com quem eu falo cada vez menos, o pilates que eu nunca mais voltei e minha festa de aniversário que nunca sai, tudo culpa do corre corre de todos dias. E é verdade, a vida está corrida mesmo. A vida é corrida. Começou no meu ano de vestibular, deu uma trégua na época da greve pra nunca mais ir embora.
Sempre tem uma coisa atrasada que eu preciso fazer, o texto que era pra ontem, aqueles presentes em cima da minha mesa que eu nunca arrumo tempo de levar no correio, os livros russos que demandam a cabeça fresca, os livros bestas que só funcionam com as pernas pra cima, almoço sempre correndo, termino de me vestir no elevador, e independentemente da forma como eu organizo meu dia (ou talvez porque eu não me organize de jeito nenhum), sempre olho no relógio e vejo que já é uma da manhã e eu não fiz tudo o que tinha pra fazer.
Apesar disso, estranhamente, eu aprendi a remar nessas águas turbulentas, a viver nessa bagunça. Até porque embora o ócio me conforte como ninguém, sou eu que sempre corro atrás de sarna pra me coçar. Me comprometo a desacelerar, mas quando dou por mim já me envolvi em mil e quinhentas coisas. Tenho uma professora que diz que isso é síndrome de polvo, coisa de gente que jura ter oito braços pra dar conta de tudo. E é isso mesmo, mas quando o relógio bate a primeira hora da madrugada a gente se vê com míseros dois braços e um deles quase falhando - pra não falar das pálpebras que teimam em fechar apesar dos prazos.
A última semana foi uma bagunça. Trabalhei quase todos os dias pela manhã e as tardes ficaram para resolver todas as pendências da faculdade antes que o semestre acabasse. Saía antes das sete e voltava depois das nove até desfigurada de cansaço, meio enrolando a língua na hora de falar, sem conseguir fazer muito mais do que tomar um banho e ir direto pra cama. Mas ali no meio do caminho, enfiada na agência diagramando meu jornal pela última vez, dando um retoque naquela ilustração, ou repetindo mais uma vez aquela frase pra vinheta de rádio, eu não queria estar em outro lugar. Até arriscava em pensar que queria estar em casa, que queria dormir até mais tarde só por um dia, e que não aguentava mais entrar numa sala de aula, mas fui eu que escolhi tudo aquilo e poderia me livrar daquelas coisas com facilidade se eu realmente quisesse.
Confrontando o que eu quero com o que eu quero mesmo dentro de mim, o resultado é sempre confuso: existe uma conta que não bate quando você percebe que o melhor pra você nem sempre é o mais simples a fazer. Como ficar em casa dormindo, por exemplo – por mais que você deseje com todas as forças do seu ser mais algumas horas de sono.
Nina Lemos uma vez escreveu numa reportagem da TPM que trabalhar muito é cafona, uma desculpa que a gente busca pra si quando quer evitar a vida. Eu fico meio ressabiada com esse tipo de opinião, porque ela esquece que não é todo mundo que pode escolher trabalhar menos e viver mais. Na verdade, quase ninguém pode. Eu queria mesmo dormir todos os dias antes da meia-noite e deitar a cabeça no travesseiro sem pensar em capa de jornal e pauta pra uma coluna, mas escolhi abraçar o máximo de oportunidades que eu tivesse enquanto ainda houvesse fôlego pra correr atrás de tudo. E descobri que quando a gente realmente quer, aqueles seis braços extras brotam nas formas mais inusitadas e dão aquela ajuda se a coisa aperta. Eu posso até sofrer um pouquinho, mas dou conta de tudo e ainda gosto disso.
Enquanto vou fazendo o que não quero, vejo que é besteira isso de não querer. Vejo que o que me faz bem é exatamente esse rompimento com o lugar comum, com o sossego. Como quem decide ir pelo caminho contrário do óbvio de uma vida simples, acordo todo dia mais cedo só para aproveitar melhor o dia cheio de coisas que não quero fazer. Mas, será que não quero mesmo? A felicidade que vem de ver cada desafio vencido parece não fazer parte desse conjunto safado de reclamações vazias que a preguiça joga no meu colo.
{Tati Lopatiuk, Enquanto Vou Fazendo O Que Não Quero}
Reparei hoje que não escrevi um resumo de fevereiro, talvez porque ele tenha sido rápido demais e isso não está na conta do mês que tem dois dias a menos. Fui eu que passei como um furacão por ele e não parei para ver que ele já tinha ido embora. Não há muito o que se resumir além de um monte de coisas que eu não queria fazer, mas que eu não trocaria porque sei que são elas que me levam pr'aquilo que eu quero. E agora que passou, afinal estou de férias, só fico com aquele sorriso besta de alívio que só um trabalho que vale à pena coloca no nosso rosto, que faz esquecer tudo de ruim, de corrido e de estressante que a gente viveu. Fevereiro ferveu, mas teve bão também.
Assisti só os filmes do Oscar, ainda não terminei Breaking Bad e levei um livro com a barriga o mês inteiro só pra desistir no final, além de já ter esquecido o que ouvi. Por isso, separei três músicas para fechar esse texto que eu estou há literalmente três horas tentando concluir.
A primeira eu ouço quando estou a beira de um colapso de nervos, ou seja, sempre: when the first cup of coffee tastes like washing up.
Demorou pra sair mas gostei muito do post. Fico feliz que tu esteja feliz com essas oportunidades que com certeza vão te levar pro lugar que você sonha, mesmo que te esgote. Vai com tudo Anna, você é talentosa demais.
ResponderExcluir"Esse blog faz parte da Máfia"... Vc pode me explicar pq? oq é isso? como funciona?
ResponderExcluirÉ esse caos que nos movimenta. Mesmo não trabalhando fora, a faculdade as vezes me deixa louca assim: livros chatos para ler, trabalhos pra fazer, aquele trabalho que não era pra ser apresentado na frente da turma, que de repente virou uma apresentação de fotografia. Enfim, é dessa loucura que eu gosto, e se não é assim parece que a gente não ta vivendo.
ResponderExcluirEstou na mesma correria que você (talvez um pouco menos), mas meu único objetivo é fazer com que esse semestre acabe o mais rápido possível e leve com ele oab e monografia. Te invejo (sem energias negativas, prometo), tenho muito orgulho e fico muito feliz por você. Que esse cansaço feliz dure o resto da sua vida, porque tenho certeza que você vai longe.
ResponderExcluirMas Anna, a gente precisa levar em consideração isso mesmo: "trabalhe para viver, não viva para trabalhar". Lembro de quando trabalhei em livraria e eu me esgotava por muito pouco, entende? O retorno financeiro não era compatível ao tamanho do trabalho. Às vezes, quando faltava algum colega, quem ficava tinha que trabalhar dobrado, ou triplicado. É complicado isso. O trabalho fica, mas a gente não. Trabalhar menos também é uma forma de cuidar da nossa saúde. E demorei, custei muito a aprender isso.
ResponderExcluirDaqui para frente, te desejo um bom desempenho nas tuas atividades.
Abraços.
Bom , o pouco que consegui e ousei pensar sobre o sentido da vida é que seria algo como passar esse tempo por aqui fazendo o que gosta . Mas não gosto de entrar numa de bicho-grilo-hipster e querer estabelecer o que as pessoas devem gostar . Se tem quem goste daquela resolução de problemas cotidianos do ambiente de trabalho/acadêmico , a alegria pelos desafios vencidos e satisfação pessoal pelo alcançe de metas que foram traçadas , entao tem todo meu apoio . Essa pessoa está realizando sua vida e fazendo o que gosta , e nao tem como outros afirmarem que estão errados .
ResponderExcluirComo vc disse no texto , existe um discurso forte no sentido de tentar ensinar que outras coisas que devem ser valorizadas , e como esse discurso é apresentado de forma repetitiva e como sendo algo ligado a modernidade , acaba tendo um peso muito forte , se propaga muito rapido e fica rondando por ai, sempre vindo parar na nossa tela ou em nossos ouvidos vez ou outra . E como é um discurso que posa de moderno , e isso tem muita força , ainda mais entre jovens ,quem nao tem a personalidade mais bem formada acaba cedendo com facilidade. Conheço desde pessoas que veem o trabalho como uma obrigação terrível , até pessoas que veem como sendo a coisa que dá sentido pra vida delas , e passam 12 horas por dia atendendo em seu consultório como se fosse a coisa mais divertida de se fazer, e ao fim do dia sequer parece cansado . Acho ambos legítimos , no final é uma questao de personalidade e prioridades pessoais , e cada um é de um jeito .
Enfim , gostei como apresentou isso como sendo apenas sua visão a respeito do assunto e sem proselitismo . Ótimo texto .
E nem toda 'isolation' é 'posh'. Tem pessoas com maior dificuldade de socialização mesmo . Não que tenha dito isso no texto , é só um comentário .