terça-feira, 27 de maio de 2014

Aquele com as bicicletas

Ou: se não desse errado, não seria a gente

Algumas ideias nascem erradas, com a cara torta e verruga no nariz. Outras, mais astutas, se disfarçam muito bem de epifanias geniais e demoram um pouco mais para tirar as máscaras, tal qual Anjelica Houston em Convenção das Bruxas. As bicicletas que o Itaú instalou na orla das praias da zona sul carioca seguiram direitinho essa segunda cartilha, e se mostraram tão falhas como a ideia de ir de Copacabana até Ipanema pela ciclovia pareceu brilhante depois de um almoço em frente ao mar.


Antes, uma observação: cariocas são bonitos, bacanas e dourados, igualzinho a Adriana Calcanhoto nos ensinou. Há exceções, não duvido, mas é difícil não ficar com essa ideia entronizada depois de ver um número assustador de pessoas caminhando, correndo e sendo saudáveis na rua, às seis e meia da manhã de um feriado. 

Então, depois de passar três dias vendo aquela gente bronzeada mostrando seu valor mexendo o esqueleto sempre que parecia apropriado, achei absolutamente natural quando uma das meninas sugeriu que ao invés de ônibus, usássemos as bicicletas para chegar na praia de Ipanema. Era uma etapa óbvia no processo de carioquização express, mais significativa até que todas aquelas (muitas) vezes que eu forcei a barra com meu sotaque forçado. Sdds frexicão.  

No entanto, as bruxas começaram a revelar suas verdadeiras faces quando ficou sabido que algumas mafiosas não andavam de bicicleta. Porque a gente é bicha movida pela filosofia de que ou vamos todas ou ninguém vai, e foi esse pequeno obstáculo que me mostrou que aquilo ali não estava certo. Fomos checar o que era necessário para alugar uma bicicleta e só tivemos mais problemas. 

Teste básico: se o cerumano responsável por bolar um sistema para o empréstimo de bicicletas numa cidade que recebe turistas o ano inteiro (e que vai sediar uma Copa & uma Olimpíada) você fosse, que tipo de esquema você proporia?

a) (  ) Dá um sorrisão e tá tudo beleza;
b) (  ) Coloca um tio pra cobrar dois reais a hora e fechou balada;
c) (  ) Terminalzinho bacana e funcional onde as pessoas se cadastram e conseguem liberar a bike pra andar numa boa até o próximo ponto e demorô é noix;
d) (  ) Exija um cadastro prévio ou obrigue o colega a ter um smartphone pra baixar um aplicativo, numa zona sem wi-fi, que vai liberar a bicicleta. Pra manter as aparências, pague um funcionário pra ajudar, mas garanta que ele só vai mandar todo mundo resolver qualquer coisa pelo telefone, inclusive se o seu problema for regular a altura do banco.   

Foi numa esperteza ímpar que a galera do Itaú deu um sorrisão e escolheu a alternativa D, coisa que me deixou tão nervosa que a vontade de andar de bicicleta na praia sumiu em dois tempos. Não prestei muita atenção no mal estar que estava rolando devido ao fato de nem todo mundo saber andar de bike porque eu jurava que não sairíamos dali sob duas rodas de jeito maneira. Quando eu lembrava da Clara, da novela, felizona andando com a tal laranjinha (vocês me respeitem) pela cidade, ficava mais nervosa ainda. O negócio é que enquanto eu amaldiçoava o responsável por aquilo mentalmente, nosso grupo se dividiu e eu perdi a chance de evitar a fadiga com aquelas bicicletas.

Depois de uns 40 minutos entre aplicativos que não carregavam, zonas que se recusavam a aparecer e bicicletas que não constavam no sistema, liberamos nossas magrelas. Talvez seja a hora de confessar que meu desconforto com aquela situação tinha uma raiz mais profunda, que não era o sistema imbecil e nem o fato de algumas amigas terem ido chateadas no ônibus, mas sim um receio que eu tinha de não saber mais como andar de bicicleta. Eu sei daquela máxima que todo mundo repete, que esse é o tipo de coisa que a gente aprende uma vez e nunca esquece, mas meu histórico de azar e absurdos é tão extenso que pra eu tombar pro lado na primeira pedalada não custava nada.


E lá fomos nós, eu, a última da fila, vendo minhas amigas com uma enorme desenvoltura atravessarem a rua montadas nas bicicletas, eu, ali sentindo os olhos do Rio de Janeiro com seus cariocas bronzeados e bacanas sobre mim, eu, já com uma vergonha antecipada de um mico que parecia inevitável, pedalei. Pedalei para provar que os deuses, nossas avós e os tios do churrasco nunca estiveram tão certos: a gente não desaprende a andar de bicicleta.

Isso, no entanto, não significa que foi tudo muito fácil. Eu nunca tinha andando numa bicicleta com marchas na vida e demorei até entender como aquilo funcionava. Aliás, mais complicado mesmo foi sentir segurança para fazer qualquer coisa que não pedalar, eu ali muito concentrada em não atropelar ninguém ou me esborrachar no calçadão, enquanto minhas belas amigas brincavam com a campainha, conversavam, tiravam fotos e se sentiam infinitas. Me senti a pessoa mais inepta do mundo ao ver Giuliana Rebeca de braços abertos para o Crixto Redentor ao pedalar, enquanto eu andei por quase 10 minutos com o óculos de sol no meio da testa, feito uma idiota, porque não conseguia tirar uma mão do guidão para dar uma mãozinha pra minha dignidade, tão necessária no ambiente com a maior densidade demográfica de caras bonitos e atléticos que eu estive em muito tempo. 

Preciso ser justa e dizer que nem tudo foram espinhos: ali no meio do caminho eu já estava mais relaxada e consegui curtir a aventura e o ambiente. Afinal, depois de tanto estresse, pra algum propósito aquilo tinha que servir. Serviu pra eu morrer de inveja dos cariocas que tem aquilo todo dia, serviu pra eu relembrar a sensação maravilhosa que é andar de bicicleta, serviu pra eu odiar um pouquinho a minha cidade que não é nada acessível pra esse meio de transporte, e serviu, no fim das contas, para termos essa história pra contar. Porque a gente se mete em roubadas pensando que aquilo no fim vira um texto.

Mas o mais importante mesmo foi chegar ao final da jornada e ter a gente.


13 comentários:

  1. Sabe que, justo hoje, fui caçar um texto seu para reler, que tinha um texto meu linkado. Acabei indo para o meu e encontrei um comentário seu (céus, que viagem) e lá dizia que a gente se estrepa, mas pelo menos faz das tripas um bom texto.
    E é por isso que, enquanto eu estava passando mal de rir naquela ciclovia, eu só pensava no relato que isso ia render, e, vindo de você, realmente não imaginava nada menos que essa foto cheia de flores e com uma "cilada" escrita em letra cursiva, pfvr <3
    E você me descreveu no meio disso tudo aí. Porque enquanto eu brigava com a p**a do sistema do Itaú eu estava amargando o fato de que estávamos separadas de 3 partes de nós e de que eu estava lá, pulando empolgadíssima enquanto sabia muito bem que tinha pelo menos uns 4 anos que eu não subia em uma ~magrela~. Quando foram liberando as bicicletas de vocês eu olhava para a minha e tremia. Não sabia nem se sabia subir naquilo e imaginei que ia dar a primeira pedalada e tomaria O TOMBO. Assim como você, fui obrigada a concluir, rindo, que apesar de eu ter atropelado uns gringos pelo caminho, a gente nunca esquece como andar de bicicleta. E a gente nunca, nunca esquece o caminho de se abraçar em frente ao mar e fazer as pazes. De novo, de novo e de novo.
    Te amo! E amo A Gente. <3

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    1. Queria apenas adicionar que, quando eu vejo a galera se deliciando com essas bicicletas na novela das 9, eu acho um tremendo absurdo eles não mostrarem a saga que é CONSEGUIR retirá-las da máquina. Aposto que isso é um engano e que eles o corrigirão rapidamente: aguardo cenas dos próximos capítulos, com a praga da Luiza socando a ~arara~ de bicicletas porque não consegue retirar a dela. Aí sim eu vou rir.

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  2. Da vez que andei de bicicleta grande, cheguei à conclusão que a gente esquece sim como que anda de bicicleta, só que agora nós temos as pernas compridas e podemos aparar a queda com mais facilidade. Prova disso é que MB nunca tinha andado de bicicleta na vida, enquanto eu já tive DUAS, e ele conseguiu andar com desenvoltura mais rápido que eu. Pernas compridas. Por isso acompanhei Plâncton no ônibus, hahaha!

    Foi uma ideia muito errada, mas muito a gente, e teve climão, e foi meio merda, mas na verdade, quer saber? Foi incrível. Até o fato que chegamos em 5 minutos na praia, e curtimos uma boa hora e meia antes do resto da gente chegar. E que amor foi ver vocês chegando!

    Queria ter participado dessa ideia errada, mas meu princípio não permitiu, hahaha. Mas eu acho que tudo no Rio foi tão místico, que pode ver que eu estava numa bicicleta aí, no meio de vocês, comendo um bixcoito grobo e tirando fotos também!

    Amo demais <3

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  3. Faz tanto tempo que não ando de bicicleta, que nem sei... Mas acho que é coisa que não se esquece mesmo. O único problema é a coordenação motora. Coordenação motora se esquece? E quem nasceu sem? E labirintite? Como resolver? :P

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  4. Essa era uma ideia que tinha tudo pra dar errado. E deu. Em alguns sentidos, né? Mas deu certo também. Deu certo porque apesar da Analu passar em cima dos gringos, eu ri o caminho todo. Ri porque olhava pra trás e via você confusa com a marcha, porque Analu não parava de usar a buzina e porque Dedê respondia às buzinas da Analu, enquanto Palo apenas ~observava~ aquela movimentação toda com uma sacola de 28127612 quilos na cestinha minúscula da bicicleta.

    Ri todas as vezes que parei no meio da ciclovia pra esperar vocês, e também do seu grito de desespero "GIULIANA REBECA, SEGURA ESSA BICICLETA" quando eu tentava me sentir ~infinita~. Mas nem precisou de braço aberto e Bowie tocando, porque a minha trilha sonora eram as nossas gargalhadas, o que é bem melhor. E eu me senti infinita, obviamente, só por ter aquele momento tão errado e tão bom ali, com vocês.

    Ai, que saudade :(
    Amo demais a gente <3

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  5. Fiquei com vontade de andar de bicicleta agora. Essas coisas sempre parecem melhor nas novelas, mas a logística sempre deixa a desejar. Mas são essas aventuras que rendem boas lembranças, no seu caso textos. Ainda bem que teve um desfecho legal, por que seria triste um passeio tão bonito não acabar bem.

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  6. OWNTI <3
    o mais incrível foi elas chegando na praia, me contando a história e eu "que bom que não tava junto, pq também não sei andar de bicicleta", aí rimos, nos sentimos compreendidas e ficou tudo certo! HAHAHAH
    P.s.: ainda estou indignada com o fato de terem consegiudo TIRAR FOTO disso. Gente. VAI QUE VCS CAEM E QUEBRAM O CELULAR? Jamais me arriscaria. Minha carioquice se resume à fritar na areia. HAHAHAHA
    <3

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  7. Se não tivesse drama e alguém com medo de cair, não seria a gente, né? Essa foto que Dede tirou ficou demais de linda e eu ri da sua dignidade não ter sido reparada em meio aos cariocas goxtosos. Mas ó::::: freixicão foi mais negócio, hein HAHAHAHA!

    Couth falando de vocês chegando e eu só consigo lembrar da patetice ¬¬ Ainda não acredito que as creiça não viram a gente na areia, na cara de vocês, ACENANDO e gritando HAHAHAHA!

    Beijos <3

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    1. Nem era freixicão, mas ônibus com ar condicionado pra mim é freixicão e pronto =D

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  8. Nossa Anna! Faz anos luz que não ano de bicicleta, tomara que eu não tenha desaprendido, porque meu projeto de vida pro próximo ano é adquirir uma magrela pra passear na região da Pampulha.
    Uberlândia deve de ser como a maioria das cidades mineiras: puro morro. Como ser feliz gente?
    E cara, sacanagem Manoel Carlos mostrar que a paradinha funciona lindamente enquanto vocês sofreram esse monte pra dar uma voltinha.
    Amei o post! Me diverti te imaginando com o óculos no meio da testa. :p
    Beijos.

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  9. Deixa eu aproveitar o momento e confessar que: eu sei andar de bicicleta. PORÉM: só as pequenas e não essas grandonas do Itaú. :'( E como Couth bem disse, se eu caísse ia ser feio o negócio devido pernas pequenas. Hahahahahaah
    Eu achei a ideia um amor, mas a medida que vocês demoravam demais pra chegar na praia eu comecei a ficar preocupada e já pensando em mil besteiras. Na minha cabeça era Analu que caía da bici, sabe-se lá por que. HAHAHAHA
    Meu alívio foi enorme quando vi um bando de gurias (que só podiam estar cegas pra não enxergar três loucas acenando e pulando) correndo pelas areias do poxto 9.<3
    Amo muito a gente. <3 <3

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  10. Gente, amooo andar de bicicleta, mas essas do Itau realmente me desmotivaram. Uma burocracia só para pegar as bikes, destravar, devolver. Aqui em SP é inviável, só pra passear mesmo. Além do mais, cadê bicicletário em todas as estações de metrô, né? Pelo menos na mais próxima de casa não tem nem sinal =(.
    E essas mafiosas são muito estilosas! =). Acho lindo vocês se encontrarem e reforçarem a amizade sempre que podem, mesmo sendo cada uma de um canto desse Brasil. Lindinhas =). Bjs!

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  11. Só vou acreditar que a gente não desaprende a andar de bicicleta quando eu tiver coragem de pegar uma bicicleta de novo hahaha
    Já tinha ouvido falar na complicação dessas bicicletas no Rio, inclusive acho que meu pai teve que desistir uma vez porque não tinha smartphone. E tá ali a opção C, tão boa.

    Adorei o texto e aventura! Mas pegar o ônibus seria tão mais fácil........... hahaha
    Beijo!

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