quinta-feira, 22 de abril de 2010

Lendo sobre o leite derramado

Acho sacanagem isso que o Chico faz com a gente, de colocar um trecho dos seus livros na capa do próprio. Sacanagem porque não tem como não querer ler depois daquele - na falta de uma palavra melhor - teaser. Lendo a capa, tenho vontade até de ler Estorvo, o livro dele que todo mundo odeia. Depois de muito namorá-lo na livraria (muito mesmo) e me segurar pra não lê-lo ali mesmo, comprei "Leite Derramado". Não foi pra mim, foi presente de aniversário para minha avó. Nada mais justo, já que é por causa dela que eu gosto tanto desse cara. Dona Cristina, pessoa linda que é, perguntou se eu não queria fazer as honras da casa e ler o livro primeiro, ela estava no meio de um e não queria colocá-lo de lado.

Foi o segundo Chico que li, o primeiro foi "Budapeste". São bem diferentes, a começar pelo estilo de escrita, entretanto acho ambos muito dinâmicos. A maior parte de "Leite Derramado" eu li em uma tarde, sobraram umas 10 páginas que foram postergadas por conta das provas na escola e, confesso, porque eu tenho esse apego aos livros e não quero que eles acabem nunca.

O primeiro capítulo, iniciado com o trecho da capa que, de tanto ler na livraria eu quase decorei, é sensacional. Sensacional porque é uma amostra do que vai vir adiante. Começa falando de uma cena bonita, de um sonho, e de repente bagunça, confusão, tudo que era já não é. Chico constrói um sonho lindo e logo o desconstrói e deixa a gente cheio de dúvidas na cabeça, e morrendo de vontade de saber qual golpe virá adiante. E nunca vi alguém bagunçar tão lindo feito ele, viu.

Um senhor centenário, num leito de hospital precário, conta-nos a história de sua vida. E de sua família, seus antepassados, e seus descendentes. Sua história de amor com Matilde e seus aborrecimentos com o fato de que, no mundo que ele vive hoje, pouco importa se ele veio de uma família nobre, de nome e outrora de dinheiro. A decadência de uma família, que vai dos píncaros da glória até a decadência progressiva. Tudo isso pela visão de Eulálio d'Assumpção, um homem que ora mostra-se doce, muito doce, ora possessivo, preconceituoso, insolente, machista, presunçoso, desiludido, tudo ao mesmo tempo agora.

Ele conta sua história para várias pessoas, para quem estiver lá pra ouvir. Ora a enfermeira, ora a filha, sua esposa Matilde que um dia saiu de casa e nunca voltou, novamente as enfermeiras displicentes. Ele pode começar uma frase falando de seu tataravô e pular, no espaço de uma vírgula, para a história de seu neto, ou bisneto, ou alguém que ele não se lembra quem é. É um homem doente, que provavelmente sofre do mal de Alzheimer e também da idade, e que já se contou tantas mentiras para encobrir aquilo que ele não conseguia encarar que chega num ponto que nem ele mesmo sabe dizer o que é verdade, o que foi invenção.

Falando assim, pode parecer que "Leite Derramado" é um livro desconexo e totalmente confuso. Confuso ele é sim, as vezes, mas que logo se esclarece. Repetitivo vez ou outra, algumas histórias são contadas mais de três vezes, e a cada vez muda um detalhe, mas não tomem isso como falha, mas sim mais um dos elementos que fazem dele um livro tão bem escrito e bem pensado.

E juro que não tô dizendo isso por puxa-saquismo exagerado ao Chico Buarque, juro que não.

Pra finalizar, deixarei aqui um trecho de "O Velho e o Moço", música linda de Los Hermanos, que tem um trecho que me lembra bem a proposta do livro:

Deixo tudo assim
não me importo em ver
a idade em mim
ouço o que convém
eu gosto é do gasto

Sei do incômodo
e ela tem razão
quando vem dizer
que eu preciso sim
de todo o cuidado

E se eu fosse o primeiro
a voltar pra mudar
o que eu fiz
quem então agora eu seria


8 comentários:

  1. Ahhhh Los hermanos *-* essa é uma das minhas músicas favoritas deles.

    Quanto o Chico, gosto muito dele como letrista, não tanto quanto cantor hauahuahuahu ... mas nunca tive oportunidade de ler um livro escrito por ele, já li várias críticas... mas enfim.


    Vou procurar um livro dele para ler... afinal é sempre bom, né?!

    beijinhos mil
    Por Sami

    ResponderExcluir
  2. Eii Anna
    =]
    Eu nunca li Chico Buarque, e pra falar a verdade nunca tive vontade, mas qto mais leio vc falar, mais vontade tá me dando!
    hahaa, qdo eu ler te conto!
    bjoss

    ResponderExcluir
  3. Chico é demais, né, Anna? Depois de conhecê-lo, impossível não se apaixonar por ele. Leite Derramado não li ainda, vou ler "Budapeste" primeiro.
    Bjos,
    Paulinha

    ResponderExcluir
  4. O Chico é fodástico. Fato.


    Gostei do blog! :***

    ResponderExcluir
  5. Oi Anna! Qto tempo que não venho aqui! Andei lendo alguns posts seus, deveria ter vindo antes e não ter acumulado tanta leitura.

    Qto ao Chico, bem, nunca li nenhum livro dele. Para te falar a verdade, nunca tive nem vontade entretanto, deste livro tenho ouvido muitas críticas boas e bateu uma vontade sim. Quem sabe agora eu não leia?

    Bjão!!

    Tatiana

    ResponderExcluir
  6. Ah, eu quero lerrrr! Deu muita vontade! *_*
    Los Hermanos, é amor!

    ResponderExcluir
  7. Nunca li Chico Buarque, confesso que até por um pouco de preconceito dos que puxam o saco só pra parecer cult.

    Enfim, sei que é errado, mas nunca consegui lê-lo, já o olho meio atravessado.

    Bom, no dia que eu me curar disso conto pra vc, viu?

    Beeeijos

    ResponderExcluir
  8. Agora você me deixou absurdamente curiosa pra ler esse livro, vou correndo comprar :D
    beijos!

    ResponderExcluir