domingo, 23 de maio de 2010

Narcisos na mesa de centro

Acordei com a sensação de que todos os móveis do quarto pareciam vibrar no mesmo compasso acelerado que batia meu coração. Fechei os olhos novamente para aflorar as lembranças do sonho que tive. Estava num lugar incrível, ao meu redor só via um gramado verde sem fim, salpicado de árvores como nunca vi iguais, e o chão coberto por um tapete de narcisos amarelos. Ao longe, um homem encarava-me.

Meu estômago deu uma volta só de me lembrar do seu rosto ainda distante. Era ele. Dizem que os sonhos nunca se repetem, que isso é apenas uma ilusão causada pela perda da noção espaço-tempo ocorrida quando estamos inconscientes, mas meu diário não me deixava crer que aquilo era um artefato do meu cérebro para me confundir. Ele estava lá, como esteve nos meus outros sonhos daquela semana. Um homem alto, de cabelos castanhos, olhos doces e penetrantes, um sorriso muito tímido. Não era o homem mais bonito que eu já vira em toda a minha vida, mas certamente era o mais intrigante. Era inegavelmente atraente, e o que mais me chamava atenção era a maneira como me olhava, de um jeito que ia além, muito além dos meus olhos. Como se ele me conhecesse há muito tempo e simultaneamente tivesse algo que tentava descobrir.

Me acostumei à sua curiosa presença. Mais do que rotineira, suas aparições em meus sonhos eram prazeirosas. Passava meus dias na constante expectativa da hora de dormir, quando eu poderia deitar a cabeça no travesseiro e me encontrar com ele. Via-o sempre um tanto distante, mas com o passar dos dias, ele começou a chegar mais perto, as vezes tanto que se eu quisesse poderia roçar a mão em seu rosto, de tão próximo ao meu que ficava. Aquilo não poderia não ser real. Sentia-me como se houvesse saído de um casulo desde o de dia que ele pôs seus olhos nos meus, bem fundos, desvendando lá algo que nem eu mesma sabia o que era. Nossos encontros eram longos o suficiente para que eu conseguisse passar o resto do dia ainda sentindo-o ali comigo, e curtos o bastante para que nosso tempo juntos mais parecesse um mero piscar de olhos.

Naquela noite ele estava diferente. Por um segundo ele encarou o chão, e quando voltou seus olhos aos meus, aquelas bolotas flamejantes antes tão intensas me pareceram estranhamente vazias e... mortas. Ele sorriu, dessa vez um sorriso aberto, e pela primeira vez tomou minhas mãos nas suas. Apertou tanto que cheguei a pensar que ele queria transformar aquelas quatro em apenas duas. Me olhou profundamente, mais do que jamais havia olhado, e desapareceu num piscar de olhos. Acordei chorando.

Saí do quarto logo. Queria sentir que aquilo fora um sonho, queria não estar sentindo aquela pressão em minhas mãos. Ao entrar na sala percebi algo diferente. Na mesa de centro encontravam-se espalhados muitos narcisos amarelos. Coloquei-os num vaso ao lado da minha cama.

Não sonhei mais com ele, mas sentia-o ali ao acordar quando olhava para o vaso de narcisos, que nunca, nunca morreram.

13 comentários:

  1. Eu sou da opinião que os sonhos se repetem sim, Anna. Belo conto. :)

    Beijo!

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  2. Perto do meu aniversario, eu tenho sempre o mesmo sonho: caio do telhado, mas nao me machuco e volto pra casa numa boa. Lá, vejo ele. Não posso ver o seu rosto, neblina branca que me esconde a expressao. Mas sei que tambem é alto e de cabelos castanhos, só que até os pombros. É de um charme encantador. Não o conheci até hoje.

    Beijos.

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  3. Como esse é um meio virtual de comunicação e você não pode ver a minha cara quando acabei de ler o texto, você provavelmente não vai acreditar, vai achar que eu estou dizendo isso para puxar o saco mas, acredite: estou toda arrepiada! Minha praia é realmente os contos de terror, mas eu juro que fiquei uns 5 segundos estáticas depois que li a última frase do seu conto, sobre os narcisos, que nunca morreram. Emocionante de verdade, e eu pensando que EU escrevia bem! rsrs de verdade, eu já vivi uma coisa bem parecida, nada com narcisos, mas com um sujeito nos meus sonhos. Talvez um dia eu poste isso no blog, mas isso já é outra história. Um beijão, escritora!

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  4. Podia escrever mais porque eu tenho preciso me alimentar de coisas bonitas assim mais vezes durante o dia :'(

    Vou linkar seu blog; não o conhecia , mas acho que fiquei super encantada por causa desse texto.

    Beijo :***

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  5. Sonhos reais demais? Já tive. E se tornaram reais. É sério!
    Desejo o mesmo pra ti Anna!

    ;******

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  6. Ahhh *__*
    Adoro mesmo seus contos!
    Até dá vontade de sair escrevendo alguns. :)
    Acho que li em algum lugar que narcisos são flores solitárias. Confesso que não entendi o motivo. Mas quer saber? Eu até que gosto dos solitários. ^^
    Beijo,Anna :)

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  7. Já sonhei várias vezes com a mesma coisa, e volta e meia ainda tenho o mesmo sonho.
    Seus contos são de babar, isso é fato. Esse está incrível também. Mesmo.
    Beijos!

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  8. Na categoria "contos", você também dá um show, Anninha! Um dia, ainda vou dizer: "Vi essa brilhante escritora começando!"
    Bjooo!!

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  9. Nossa, ficou lindo esse conto! Deu até vontade de saber exatamente como esse homem instigante é.

    Parabéns!
    Beijos.

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  10. aah, que romântico, sues contos sempre docinhos e lindos.
    Um beijo Anna-querida!

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  11. poxa, no comeco eu pensei que fosse real.. rs
    depois que vi que era conto, mto lindo por sinal.
    e pelo menos comigo, sonhos se repetem mtooo e constantemente o_O
    o mais incrivel pra mim, eh qdo eu sonho com alguma coisa, acordo, dps durmo de novo e o sonho continua :S
    enfim, acho lindo narcisos tb, por aqui tem um monte e tals.

    mto lindo o conto, como sempre!

    beijos

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  12. Meu sonhos não se repetem e eu odeio isso rsrs
    me chamou a atenção vc citar narcisos,não é muita gente que gosta ou conhece,minha mãe diz que é versão mais máscula dos cravos,pelo nome rsrs!
    Beijos

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  13. Ai que lindo, Anna!!!!
    Me lembrou um conto que escrevi para meu avô [falecido e que não conheci], onde cito flores amarelas e convivo com ele em sonho.
    Eu te mando a antologia onde ele está, pelo correio.
    beijos!

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