segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Amor, dor, e Chile

"Escute, Paula, vou contar uma história para que você não se sinta tão perdida quando acordar."

São essas palavras tão cheias de amor e inocência que Isabel Allende utiliza para dar início no talvez mais dolorido livro de sua vida. Como ela bem explica, "Paula" começa como uma carta para sua filha, que caiu em estado de coma por conta de uma porfíria diagnosticada tardiamente e mal cuidada e que acabou por transformar a bela moça de cabelos longos e olhos enormes em um vegetal. Sem saber quando e como Paula irá acordar, Isabel resolve escrever-lhe a história maluca e extraordinária de sua família e de sua vida, para que ela tenha uma memória caso venha a perder a própria. Com pessoas tão particulares ao seu redor e acontecimentos tão únicos em sua vida, não é de se espantar que o relato tenha virado livro.

A vida de Isabel Allende é cheia de altos e baixos e ela própria conta no livro que gostava de olhar a própria história como roteiro de um melodrama. No entanto, esse encantamento vai se perdendo à medida que a doença de Paula avança, e as esperanças de melhoras se esvaem pouco a pouco. O livro intercala passagens de memórias com breves relatos sobre os acontecimentos recentes, a rotina no hospital, o marido devoto, os companheiros peculiares de enfermaria e, claro, clamores constantes para que a filha retorne dessa inconsciência na qual se meteu e parece se negar a sair. "Paula" é inteiro escrito com um amor enorme, primeiramente à destinatária principal, mas também à todos aqueles personagens únicos que passaram pela vida de Isabel. Meus preferidos são o avô - ou Tatá, como se diz no Chile - um senhorzinho muito circunspecto, mas ao mesmo tempo encantador, e o padrasto, tio Ramón, que me lembra muito o meu próprio pai. 

O sobrenome da escritora grita e não permite que falte ao périplo a história do Golpe Militar do Chile que tirou do poder Salvador Allende - seu tio -, o primeiro presidente marxista do mundo a ascender ao poder pelo voto popular. Os relatos da resistência, confusão e exílio são mais interessantes que todas as minhas aulas de História da América Latina. Isabel Allende sem ver envolveu-se em todos os esquemas imagináveis para ajudar os perseguidos a conseguir asilo, ao ponto de abrigar foragidos embaixo do próprio teto, com os filhos pequenos e o marido paciente que preferia não vestir a camisa tão abertamente. Passou anos vivendo com medo, assustada com barulhos e temendo pela própria vida até que não encontrou melhor saída se não fugir para a Venezuela. Sobre o fim de Salvador Allende, ela sustenta a história de que resistiu até o fim e cumpriu a promessa que fizera: só sairia da Casa de La Moneda morto. Durante o caos, deu cabo da própria vida. Preciso dizer que já estou apaixonada pela história do Chile?

O processo criativo inusitado de seus livros não ficou de fora da narrativa. A Casa dos Espíritos, por exemplo, surgiu como uma carta de despedida ao seu avô, que morreu quando ela estava no exílio, e acabou por ganhar o mundo. Isabel se assustou tanto com a grandiosidade que ganhara que mesmo depois de publicar outro livro, ainda não sentia-se escritora. A segurança veio mesmo no terceiro romance, mas a maneira repentina com o qual todos surgem é a mesma. Diz ela que é um presente dos mortos. 

Apesar do amor que é possível sentir em casa linha, não escapamos também da dor que gera cada palavra. Num trecho, Isabel conta que a dor da perda de um filho é uma das mais antigas da humanidade, e as mulheres latinas, habituadas ao banho de sangue que seu território sempre fora marcado, estavam acostumadas com ela até que surge o século XX e o ideal ocidental da segurança falsa, em que todo mundo acredita que os filhos chegarão à idade adulta, enterrarão os pais e morrerão de velhice, como manda o figurino. Na segunda parte do livro, a autora já não se refere mais à filha como sua interlocutora, mas sim em terceira pessoa. No final, pede à ela que morra, por favor, apesar de não ter coragem de dizer. 

A perda gradativa de Paula foi algo tão forte que ela chega a dizer que não sabe se algum dia conseguirá escrever novamente. Felizmente, de 1995 pra cá, já publicou 10 livros. Apesar de esse ter sido apenas meu primeiro contato com essa vida e obra, já me sinto na obrigação de dizer que, quando crescer, quero ser um pouco como ela. Ou só concluir a bibliografia, até chegar lá.

12 comentários:

  1. Ah fiquei bem curiosa agora, Anna!
    Deve ser uma dor muito grande para os pais perder um filho, mas infelizmente são coisas que acontecem...!!
    vou colocar o nome do livro na minha lista 'para ler'!
    Beijos!

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  2. Anna, me mata: nunca li Isabel Allende e quero iniciar justamente com Paula - livro com o qual já dei voltas e voltas em minhas rodas literárias, mas cujo exemplar também nunca toquei, nunca vi (está esgotado em uma das Saraivas daqui e, nos sebos, também não se encontra). Com o seu relato minucioso, agora procurarei à sério.
    Uma dica: leia Mario Benedetti, para conhecer pouco mais da literatura e história latina. Os melhores escritores, em minha opinião, são latinos, africanos ou lusitanos.
    Abraços.

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  3. Bom, estou conhecendo a autora por sua causa! Deve ser mesmo uma história muito marcante, forte, emocionante. Fiquei curiosa! Os latinos conhecem a vida de um modo diferente do resto do mundo. Acho que de uma forma mais bruta. E a brutalidade, às vezes, rende ótimas histórias.

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  4. Li esse post ontem, logo depois que você postou. Mas a verdade é que pensei nele em alguns momentos do meu dia e descobri que, tenho que admitir, eu tenho ciúmes da Isabel Allende. Queria eu estar escrevendo sobre o livro. Pode isso? hahahaha
    O importante é que FINALMENTE você leu Paula e agora entrou no mundo latinoamericano (e provavelmente vai adorar meus posts do ano que vem, porque, é, eu vou fazer intercâmbio em Santiago. Notícia em primeira mão!!! Ok, eu vou se for aceita hahahaha) Até hoje não encontrei alguém pra discutir Isabel Allende comigo e você provavelmente vai ser essa pessoa êê hahahaha
    beijos!
    p.s.: Não deixe de ler Casa dos Espíritos logo depois de prestar os vestibulares da vida :p

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  5. Posso babar? Eu sou completamente apaixonada pela América Latina. A-PAI-XO-NA-DA, mesmo! Agora, na faculdade, vivo procurando palestras sobre América Latina, leio tudo que posso sobre isso, minha próxima viagem dos sonhos é bem ao estilo "Diários de Motocicleta". Sou muito paga-pau mesmo.
    E a literatura latina foi a última a me morder. Já tinha lido um pouco de Gabriel Garcia Márquez, mas depois de "Crônica de uma morte anunciada" não tem como nãoa char genial a história e a vida desse povo.
    Nunca tinha lido nada da Isabel Allende, nem críticas. Depois desses elogios enormes, vou correr pro primeiro sebo que encontrar e procurar esse livro. Te falo o que achei depois. :)
    :*

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  6. Nossa, lendo o seu texto só me fez sentir culpado em nunca ter lido Isabel Allende. Lembro que já há algum tempo li algo a respeito desse livro, mas logo de início, motivado pela vontade, creio que vou ler "a casa dos espíritos" primeiro.

    grande abraço.

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  7. Me apaixonei pelo livro, mas pena que não tem na biblioteca do meu colégio. :(

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  8. Nunca li Isabel Allende, mas quando vi que falava de dor, logo me interessei. Pra você ver como sou. Eu e minhas densidades.
    Mas enfim, sempre ouvi falr muito bem da autora, vou colocar na minha lista de livros a ler ;)

    Beijo, Anna.

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  9. O que você escreveu me fez ter interesse pela obra de Isabel, mas não sei se teria coragem de começar por "Paula", já que é um forte drama e eu ando bem sensível para isso. Mas isso deve ser característica dos livros dela, não é mesmo?

    De qualquer forma procurarei saber mais. Até porque quando envolve contexto histórico latino me encanta ainda mais. Sou fascinada pela América Latina. beijos

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  10. Oi! Eu vim comentar a sua ode!

    Eu assisti muitos filmes do Brad Pitt nessa vida e sempre achei que ele fosse nada mais que um galã. Me apaixonei por ele em Lendas da Paixão, que ele faz meu tipo cabeludinho. E em Entrevista com o Vampiro eu quase nem olhei pra ele, apesar do papel dele ser o mais legal - meu favorito é o malvado Lestat de Tom Cruise.

    E aí foi só em Bastardos Inglórios que eu reparei no talento do Brad. É, esses dias. Mas antes tarde do que nunca. E então o MELHOR de Bastardos Inglórios pra mim foi o senso de humor dele. Que eu percebi do começo ao fim que ele estava AMANDO fazer aquele papel. E que sorria por dentro enquanto dizia suas falas. E então, em Bastardos Inglórios, eu me apaixonei pelo Brad como ator. E depois disso veio a participação dele em Friends (eu só vi depois). E Benjamin Button. E Thelma e Louise (que eu também vi depois). E em Sete Anos no Tibet, que eu vi esses dias. E depois de Bastardos Inglórios, agora eu presto atenção na atuação dele. E acho ele fantástico. Acho que ele tem tudo pra crescer cada vez mais e se tornar um desses atores velhos e super renomados. Porque ele é sim um rostinho bonito e um mar de olhos azuis. Mas o talento dele como ator é ainda melhor.

    Eu SEMPRE fui team Aniston. Nunca assisti Tomb Raider e nem pretendo, porque eu nunca achei que Jolie fosse essa coca-cola toda (ok, eles estavam ótimos em Mr. e Mrs. Smith, mas só). E depois de tantas comédias românticas e de 10 temporadas de Friends (sou team Monica), passei a amar todos os participantes como se fossem minha família. Jennifer, inclusive. E daí a toda a palhaçada que a mídia fez e ainda faz com ela a respeito de Brad Pitt só fazem, a cada dia mais, com que eu torça por ela e queira que Jolie tropece nos beiços na próxima caminhada até a padaria.

    Concordo plenamente com a cara de purgante da Jolie. E.... eu também nunca mudei de penteado! Mas acho LINDO aquele penteado mais capacete de Jennifer na, sei lá, terceira temporada de Friends, sabe? Também tenho vontade de virar amiga e marcar manicure! hahahaha

    PS: Salt é UM HORROR, mas ainda não vi Clube da Luta nem Queime Depois de Ler. Devo colocar na minha lista de filmes imprescindíveis para a vida e que devem ser assistidos o mais breve possível?? (baixei Clube dos Cinco pra ver nesse fds eeeeeeeeeeeeeeeee)


    Beijo, caçulinha!

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  11. * bah... vou aproveitar a feira do livro que começou essa semana aqui em cxs e vou procurar! obrigada pela dica!

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  12. Olá, Anna!Gostei muito desse post!Me acho um pouco parecida contigo. Se puder, visite meu blog e diga o que acha.bjssss

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