domingo, 5 de fevereiro de 2012

A greve de carne

Tudo começou no dia em que meu avô disse que estava com vontade de comer bife e minha avó ignorou o pedido ao preparar almôndegas para o almoço. A recusa dela era muito justificada: os dois chegaram de viagem naquele dia e ela estava cansada e com pouca disposição para, além de ter que varrer a casa, desfazer as malas e lavar roupas, ter que lavar uma cozinha engordurada - minha outra avó sempre me disse que bife bom é bife que suja a cozinha toda. Meu avô, muito compreensivo, disse que estava cansado de ter suas vontades ignoradas e declarou que a partir daquele dia não mais comeria carne dentro daquela casa.

Meu avô sempre foi cheio dos fricotes e das pirraças. Reza a lenda que ele pediu demissão do seu primeiro emprego por se recusar a subir em uma escada para pegar algo numa prateleira alta. Ele sempre teve muito medo de altura, e o fato da pessoa que o mandou subir não ter entendido de imediato a fobia o deixou ofendidíssimo, ao ponto de levá-lo a pedir contas. Minha avó, porém, já está habituada com suas manhas e resolveu reagir da forma que, segundo ela, sempre devemos agir com crianças mimadas: ignorar totalmente as birras até que o outro canse. Além de, claro, provocá-lo até o limite, na esperança vê-lo sucumbir de joelhos diante da própria infantilidade, atitude também muito madura da parte dela.

O ultimato de vovô foi dado há duas semanas, e nesse período vovó tem se esmerado em fazer tudo que de melhor consegue inventar com carnes. No segundo dia ela foi até o açougue e comprou quilos de filé mignon: passou uma semana fazendo bifes suculentos para o almoço e sentia um prazer sádico ao comer seus bifes cheios de molho e cebolas observando meu avô encher o prato de feijão e farinha para espantar a vontade de carne. Nesse fim de semana que passamos lá, minha mãe o flagrou comendo três espetinhos no boteco da esquina. 

Por melhor que tenha sido a provocação da semana de bifes, meu avô resistiu bravamente. Vovó contou, rindo muito, que fizera um quibebe de mandioca e que quase teve que sair da mesa ao vê-lo pescar tudo que havia na panela que não fosse carne, para não ter uma crise de riso e o casamento acabar por conta disso. No sábado ela fez um bolo de carne, que é seu prato preferido, e ele se recusou a sentar-se à mesa. Mamãe, fingindo não saber de nada, arrumou um prato e levou para ele no quarto, e recebendo-o de volta limpo, mas com o bolo de carne intacto.

Não disse nada perto da minha avó, mas a parte de mim que não se diverte muito com isso não deixa de admirar meu avô pelo que está fazendo. Eu sempre admiro pessoas que abdicam de algo que gostam muito por conta de uma espécie de princípio, por mais estúpido que ele seja. Deus sabe que eu, diante de um impasse desses, quebraria meu próprio piquete antes mesmo de começá-lo: cogitaria a ideia e desistiria até antes de verbalizá-la na minha cabeça. O que me consola é que nunca me veria numa situação dessas, por mais que eu ame bifes jamais ficaria brava diante de almôndegas.

15 comentários:

  1. Hahahahaha Adorei seus avós! Pode até ser pirraça, mas força de vontade seu avó tem demais. Por uma carne eu me humilho fácil, fácil. kkkkkkkkkkkkkkk

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  2. Ri muito, Anna!
    Meu avô também é cheio das manhas mas nunca chegou a esse ponto haha

    beijos

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  3. Meu avô também é cheio das manhas, mas nunca chegou a esse ponto porque né, minha avó acaba satisfazendo para evitar a fadiga.

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  4. Hahaha, seu avô é resistente, viu? Quem é teimoso na minha casa é meu irmãozinho, quando ele coloca uma coisa na cabeça, já era. Só com muito mimo ele volta atrás.

    Ri muito com a história. XD

    Beijos!

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  5. Olá Anna ...

    Será que é mal de avó? o meu então é cheio de coisa, tem que ser do jeito dele. Quando vi seu post, pensei ainda bem que não é só o meu.

    beijo!

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  6. HAHAHA, que fofoos! Eu também não conseguiria ficar sem comer carne por birra não! Jesus!!

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  7. kkkkk Essa situação deve estar sendo tensa, mas também muito hilária.
    Acho que não consigo ficar sem comer algo por birra.

    Beijo!

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  8. Gente, que hilário isso! AUHSUAHSU Meu avô faz birra com minha avó pra comer salada. E ela reclama 'come verde meu véio...'. Avós, sempre tão fofuxos.

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  9. Que amor o teu vô! Eu não consigo fazer greve de nada! Por isso respeito a atitude do teu vô. hahaha
    Beeijo <3

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  10. Seus avós devem ser muito divertidos! hahaha ri demais enquanto lia!

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  11. hahahahahahaha Meu pai, que já é de certa idade, é cheio, cheeeio de birras. Passa o dia sem almoçar se alguém estiver sentado no seu canto, não toma seu café das tardes se não achar a SUA própria colher, dentre outras várias e sim, é dificil lidar de perto com essas manias. Mas a gente vai acostumando rsss
    Só que a do seu avô foi bem radical hein, devem formar um bonito casal :)

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  12. "Eu sempre admiro pessoas que abdicam de algo que gostam muito por conta de uma espécie de princípio, por mais estúpido que ele seja."
    Gostei muito do final que você deu pro texto. E, pensando agora, sabe que esse é um assunto bem crônica do Antonio Prata?

    No mais, apesar de não ter comentado, li todas suas dicas para vestibulandos e espero que tenha ajudado alguém! beijos

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  13. fiquei com dó das almôndegas. tão rejeitadas! :'(
    parar de comer carne é uma coisa que eu não consigo. até aderi a campanha "segundas sem carne", mas parar em definitivo, não consigo - nem quero! :)

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  14. HUSHUHASUAHUASHU adorei a história! Sério, meu vô também é desses, qualquer coisa que acontece, ele dá uns fricotes. É praticamente impossível eu sair com ele sem que ele brigue com alguma pessoa. Algum dia eu levo um tiro em uma discussão e já sabemos o porquê.

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