quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Nada de novo no front

Sábado passado, um geladinho e chuvoso sábado, vale dizer, voltei à minha antiga escola. Os últimos três anos da minha vida escolar, talvez os mais intensos, não aconteceram lá, mas tenho essa escola como A escola antiga e vai ser sempre assim. Voltei porque minha amiga Isabela me fez o incrível convite para participar da Feira da Cultura como avaliadora. A maioria de vocês vai ler isso e pensar que minha amiga me arrastou pra uma roubada das grandes, mas vou me justificar com a mesma frase que usei para convencer minha mãe a sair da cama numa manhã de sábado fria e chuvosa para me levar até lá: é um sonho se tornando realidade, um ciclo que se fecha. 

Pieguices minhas de lado, sempre nutri esse sonho escondido de ser avaliadora da Feira. Na escola, toda essa história é levada muito a sério desde que me entendo por gente. Não saberia dizer as lágrimas que já chorei, as noites de sono que perdi e os fios de cabelo que deixei pelo caminho por conta dela. Já travei brigas feias, deixei de falar com várias pessoas por meses e acho que a única vez que minha mãe se envolveu de verdade com alguma coisa relacionada à minha vida escolar foi com minha Feira de 2007. Tive uma professora de Português no colegial que sempre dizia que moeda de troca com aluno é nota, mas, se a memória não me falha, a Feira da Cultura nem valia tantos pontos assim para provocar tanto sofrimento. E como eu sofria! Já tive trabalhos que foram um fiasco, assim como já ganhei prêmio duas vezes e também já consegui não me importar o suficiente para fazer tudo em uma semana, escolher a sala mais isolada e escondida da escola e passar quase o tempo todo da apresentação deitada no chão jogando conversa fora. Só faltava mesmo ser avaliadora.

Vou confessar pra vocês que a parte prática foi um saco. Depois de estudar hardcoremente pro vestibular a gente acha qualquer tipo de exposição superficial demais e mesmo que eu estivesse empregando toda a minha boa vontade para ser uma avaliadora gente boa, só conseguia ouvir o que eles falavam pra procurar erros. Por outro lado, observar todo aquele frenesi estando de fora é um exercício antropológico bem interessante. De início minha reação automática foi me sentir muito, muito velha, como se já estivesse a anoz-luz daquela realidade. Depois, comecei a perceber que, mesmo quatro anos depois, aquele cenário era tão igual ao que eu vivi que me senti confortada. Num mundo onde tudo muda tão rápido, ao menos o espírito daquela escola, da minha escola, permanece o mesmo. Era daquele jeito desde antes de eu ter idade para fazer meus trabalhos sozinha, e continua sendo assim hoje. 

Um dos trabalhos que eu avaliei, por exemplo, foi feito por um grupo só de meninas. Todas usavam batom vermelho e delineador nos olhos, estilo gatinho. Aquilo não tinha absolutamente nada a ver com o trabalho, mas eu tenho certeza absoluta que elas pensaram que era um pretexto bem honesto para usar batom vermelho pela, talvez, primeira vez na vida. Eu sei que eu já usei um trabalho como motivo para usar esmalte preto, naquele mesmo colégio, alguns pares de anos antes. Em outro grupo, uma garota falou sozinha por mais de cinco minutos, o que é muito, e dava pra sentir que ela estava a ponto de chorar de desespero e certamente estava repetindo a sua fala junto com a de uns outros quatro colegas, que deveriam estar borboletando pelo colégio e ela morrendo de raiva deles. Aquela menina era eu alguns anos atrás, muito mais perfeccionista loucona do que sou hoje - agora vocês imaginem a situação - tentando carregar o mundo nas costas com muito mais afinco do que tento hoje - só pensem - e a ponto de implodir de tanto estresse por algo que seus colegas não estão nem aí. Até brincamos com ela, pedimos pra ela respirar fundo e toda essa coisa de avaliadora gente fina. 

Colocando todas essas identificações e reconhecimentos perigosos de lado, quem estou enganando?, bom mesmo é observar a dança do acasalamento sutil que se dá entre os pré-adolescentes. Fico imaginando se na minha época a coisa era tão gritante e explícita, os papéis tão bem demarcados, as histórias tão escancaradas. Existe uma razão para os personagens de filmes adolescentes serem tão arquetípicos. Assim que entrei numa sala já tive certeza absoluta de quem era o macho alfa local. Menino bonitinho, fortinho, engraçadinho, que explica meio flertandinho, jamais levando aquilo a sério demais, o que fica claro com a piadinha estúpida que faz no final. Certeza que todas as meninas da sala dele, e principalmente a de séries inferiores, tem uma quedinha pelo moço. Eu teria.

Em outro grupo tinha um garoto todo másculo e encorpado, barbudinho, que também finge não levar o trabalho a sério demais para não parecer nerd e faz questão de sair do stand dando um salto sobre as carteiras. No mesmo grupo que ele, um garoto baixinho, cheio de espinhas, nada de músculos e sem um fio de barba no rosto. Explicou tão bonitinho, tão cheio dos detalhes, que imagino o esforço que devia estar fazendo pra causar uma boa impressão, embora soubesse que quem ia virar notícia era seu companheiro do parkour indoor. Se eu fosse menino, muito provavelmente seria ele. Queria até dar um abracinho no final e dizer que ia ficar tudo bem e um dia ele iria rir daquilo.

Eu disse pra minha mãe que participar da feira seria uma forma de fechar um ciclo muito mais para sensibilizar seu coração gelado de mãe-torista do que qualquer outra coisa, mas se eu for pensar bem, foi exatamente isso o que aconteceu. Posso estar passando por essa fase de nostalgia sobre uma coisa que nunca vivi direito e que pensei que estivesse querendo recuperar, mas a verdade é que não trocaria minha vida atual pela deles não. Responsabilidades de gente grande são uó, mas prefiro elas àquele desespero juvenil de me sentir invisível, sem graça e sem peitos, de ter que arrumar desculpas para passar um esmalte que adoro e carregar todo um trabalho nas costas que no fim de semana seguinte ninguém, nem eu, se lembraria direito.

Muito mais legal olhar de longe, mesmo que trombe com aqueles garotinhos que anos atrás eram crianças e esbarravam em mim quando corriam pelo pátio loucamente e hoje já são mais altos que eu e me fazem sentir uma velha de 18 anos sentada num cantinho tomando leite e observando os xovens se divertirem.

Me abraça, Cohen

7 comentários:

  1. Nossa Anna, eu também penso muito nisso, especialmente quando eu volto pra casa na hora de saída do meu colégio e vejo um monte de pré-adolescente voltando pra casa, todos no estilo que você falou, e penso que eles eram crianças mesmo quando eu tava estudando lá.

    Às vezes acho meio idiota pensar que eu sou velha e tal, mas é inevitável. Faz 3 anos que eu saí do colégio e parece uma eternidade.

    E super concordo com você, aliás. Faculdade e responsabilidades, apesar de tudo, são muito melhores.

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  2. Gente, parecia um relato de alguém avaliando antropologicamente a feira cultural da escola onde eu fiz da 6ª série até o 3º ano. Era exatamente isso, e eu acho que também ia me divertir se fosse avaliadora! Porque eu fui conhecer a escola quando estava na 5ª série, e achei a feira cultural o máximo! Um dos pontos que me fizeram pedir pro papai pra ir praquela escola foi justamente a feira cultural. E era. Bem bacana. De se olhar. Porque eu sempre fui absurdamente CDF, e logicamente, PIREI com esses trabalhos. Pirei e passei noites em claro porque trabalho não tava pronto. Estudava meu texto loucamente, cobrava das amigas, e no turno delas, ficava vigiando pra ver se não iam falar besteira e prejudicar minha nota. Meu pânico era que o avaliador não passasse no meu turno, porque eu me garantia, mas nunca tinha certeza sobre o resto. Pense.
    E assim como você, tô feliz com os problemas de gente grande, porque as tais das crises de adolescência não são fáceis!
    Te amo!

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  3. "Responsabilidades de gente grande são uó, mas prefiro elas àquele desespero juvenil de me sentir invisível, sem graça e sem peitos, de ter que arrumar desculpas para passar um esmalte que adoro e carregar todo um trabalho nas costas que no fim de semana seguinte ninguém, nem eu, se lembraria direito." - THIS! Você conseguiu captar tudo o que eu sinto quando passo pelo meu antigo colégio ou reencontro, meio que por acaso, alguns de meus ex-colegas.

    A vida pode não estar um mar de rosas, mas está melhor do que já foi, né?

    Seth, como sempre, um mito!

    Beijos e bom feriado!

    Michas

    http://michasorges.blogspot.com

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  4. Eu absolutamente morri de rir com esse texto. MESMO. Você é tão épica, mas tão épica que as vezes eu tenho que ficar caçando a foto que tenho contigo porque é a prova de que você é um ser humano aparentemente normal, comum e extremamente gente boa. Porque na maioria das vezes você parece um personagem absurdamente épico construído pelo Woody Allen em um de seus filmes hilários. Se você vivesse me "para Roma com amor" seria o cantor lírico e assim vai. Cara, suas histórias são tão boas que dariam um seriado maior e melhor que Friends e, enfim, cada vez que eu leio um texto seu sei que te amo mais e mais e mais e daqui a pouco nem sei como caberá tanta efusão de sentimentos em meu little cour!
    Amo você little big poney <3

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  5. Que texto maravilhoso! Eu espero muito me sentir assim quando a minha fase acabar. No momento parece tudo muito grande e importante, e isso é até engraçado pra mim, mesmo eu levando a sério cada momento. Do jeito que tu falastes pareceu uma transição muito leve, natural, sabe? Espero que seja assim comigo.

    Você escreve muito bem! Vou aparecer aqui mais vezes para ler os seus textos e, quem sabe, me identificar com eles também.

    Bom feriado,

    Mari

    http://cxdamari.blogspot.com.br/

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  6. Ai Anna que post bom! E querido... você sabe que hoje eu passei a ser professora na escola que estudei a vida inteira. Você imagina só a honra - e a mistura de sentimentos. As vezes me pego fazendo chamada e lembrando de quem era o número tal e etc. E tem mais! Me pego indo no banheiro dos alunos ao invés do dos professores... é uma inversão tão grande que as vezes penso: caramba, então é isso. Eu sou a vovó de 23 anos! rs...

    PS: Agora em outubro eu tive que dar notas para uma feira cultural.

    Beijoca

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  7. Fui avaliadora da primeira Feira de Informática da minha antiga escola, na qual também cursei o ensino colegial. Foi divertido. Fui convidada pela diretora, me senti respeitada e lembrada. E no meu tempo, não havia aquela iniciativa. Me senti orgulhosa também, Anna. Compreendo o seu lado.
    Abraços.

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