Ou: ode às crônicas
Ou, ainda: se tudo der errado eu viro mocinha do tempo
(E também poderia ser: sdds Hilary Duff)
(E também poderia ser: sdds Hilary Duff)
No começo desse semestre uma professora nova foi se apresentar e entre uma coisinha ou outra que disse sobre a vida e o trabalho, ela contou que gostava de escrever crônicas. Tendo dado boas risadas com sua breve autobiografia e folheando sua tese de doutorado com uma tema super legal e agradecimentos ao Pearl Jam no fim, eu já era fã antecipadamente, sem que ela precisasse dizer qualquer outra coisa, mas ela foi lá e disse: sobre crônicas, Ingrid falou que elas eram a melhor e mais autêntica forma de se contar uma história, melhor até que o próprio jornalismo - que nada mais é que a narrativa diária da nossa vida besta e que mesmo assim insiste em ser tão mecânico e frio.
Uma coisa, ela disse, é ouvir a previsão do tempo ou ler uma nota falando sobre o calor, outra bem diferente era ler uma crônica que descrevesse o mormaço em Uberlândia numa tarde de sexta, em que você olha pela janela e as folhas das árvores não se mexem. Dois parágrafos sobre a onda de calor e as secas da época passam batidos, mas quando o Antonio Prata escreve que o o governo do Astro Rei tem sido bem despótico, você sabe que vai lembrar pra sempre daquele verão de 2014 em que ia para a faculdade com cheiro de Sundown (e de praia, de cloro, e de piscina) porque não aguentava mais tostar os ombros andando na rua.
Essa aula aconteceu em meados de novembro, quando o verão ainda nem era o verão e eu ri da minha professora paulista que caíra recentemente de paraquedas nesse mundão velho sem porteira que é o interior de Minas: ha, ingênua, ela ainda não viu nada. O calor, esse sobre o qual se escrevem crônicas, notas de repúdio, exclamações de elevador e matérias de dois parágrafos sobre a seca, foi começar mesmo em 2014. Pelo menos aqui em Uberlândia foi muito simbólico chegar na cozinha para tomar café da manhã no dia primeiro de janeiro e ter a nítida sensação de que o acordo civilizatório com as altas temperaturas havia chegado ao fim, e como um presidente muito afoito, bastou o ano entrar para a quentura tomar posse e governar nossas vidas - até a última sexta.
Sexta-feira, dia 14 de fevereiro de 2014, eu estava numa sala com ar condicionado e janelas fechadas, sem contato com o mundo exterior, quando uma colega entrou atrasada e molhada: uai, tá chovendo? Estava, assim como choveu pelo resto do dia, e durante todo o fim de semana, assim como chove agora. Passei quase uma hora ilhada esperando minha mãe atender o celular para fazer a bondade de me dar uma carona, mas tudo bem. O guarda-chuva cor-de-rosa estava de férias em casa, empoeirado em algum fundo de armário e eu tinha ficado na mão, mas tudo bem. Estava chovendo. Era Valentine's Day e as pessoas insistiam em ficar falando disso por aqui como se fosse coisa nossa, e eu lembrava de um filme ótimo para se ver nessa data, A Nova Cinderela, quando a Hilary Duff diz que esperar pelo seu ~príncipe~ era tão decepcionante e inútil quanto esperar pela chuva durante uma estiagem. No final do filme, é claro, eles se beijam na chuva ("e este verão abafado parece a ambientação perfeita para uma desgraça em um conto vagabundo, desses em que chove quando o protagonista sofre por amor", escreve Pratinha em "Estiagem") e eu pensava com meus botões que naquele dia ter um encontro com a chuva era bem mais desejável que o próprio Chad Michael Murray.
Mas, divago: eu queria falar sobre a janela do meu quarto e a mania que tenho de dormir com ela aberta. A janela fica bem acima da minha cabeceira, de modo que quando eu deito de barriga pra cima e levanto um pouquinho o queixo, eu consigo ver o céu. E depois de anos de janela aberta (e uma garganta bem mais sensível, devo admitir) eu aprendi a ler o céu e saber o que ele reserva para o dia seguinte. Tenho essa fantasia brejeira de um dia me ver sentada de cócoras no quintal de casa, rodeada por netos, e aí lamber o dedo, levantar o braço e prever que horas a chuva cai.
Nas últimas semanas, fui me deitar todos os dias vendo um céu limpinho me espiar caindo no sono, na maior parte das vezes cravado de estrelas. Às oito da manhã isso significa um céu opressivamente azul e sem nuvem alguma, com várias camadas de Sundown nos ombros (e aquele cheiro de piscina, e férias, e vida, me lembrando que eu não deveria estar tendo aula). Mas, nos últimos dias, quem tem me dado boa noite é um céu alaranjado, tanto que até parece que as noites são mais claras. Às oito da manhã isso significa um céu branquinho, às vezes cinza, e tem dias que eu acordo com a testa meio molhada graças aos pingos de chuva. O guarda-chuva cor-de-rosa trabalhou bastante durante o fim de semana.
'Depois de 16 dias de estiagem, volta a chover em Uberlândia', é o que diz uma manchete do jornal local, e os dois parágrafos explicam todos os fatores envolvidos na questão e informam como deve ser. Não há nada ali, no entanto, que evoque a sensação de ir dormir com a promessa perfeita de um céu laranja na janela acima da cabeceira, depois de semanas do governo despótico do Astro Rei. E é por isso que a gente escreve, para tentar engarrafar numa crônica a brisa gelada de toda a noite de chuva.
Que bom que elas existem.
Campanha Anna Vitória como cronista da Folha de S Paulo AGORA. Que arraso de texto foi esse, mulher?
ResponderExcluirSabe que eu tô me sentindo meio deslocada do mundo porque falaram que tá friozinho em curitiba e sei que quando eu voltar todo mundo vai estar falando sobre o inferno de verao e é uma lembrança coletiva importante, mas que não faz parte de mim e me deixa chateada porque é chato saber de toda uma vida que você deveria estar vivendo, mas não estava, porque estava num mundo totalmente diferente e tal. Loucuras a parte, o céu aqui é tão lindo que dá vontade de nunca mais voltar pra casa.
Abraços!
Anna, como o mundo ainda não te descobriu, amiga? Vou providenciar isso já já.
ResponderExcluirNa realidade, isso me lembrou aquele seu post contando que tinha passado no vestibular pra Relações Internacionais e, depois, pra Jornalismo. Não lembro o que comentei, mas hoje, se pudesse dizer qualquer coisa, seria algo como aquilo que li no post da Analu (sobre a formatura dela): não faça RI nunca nessa vida; você nasceu pra ser jornalista, pra escrever; você pode achar que escolheu tecer todas essas palavras de forma tão precisa e deliciosa de ler, mas você não escolheu: você é.
E eu sou muito mais suas crônicas sobre o tempo que qualquer previsão tola sobre a chuva que vai cair amanhã "em milímetros".
<3
Vamos deixar os dias ainda mais bonitos com crônicas sobre o tempo? Não o tempo que passa, mas o tempo que fica na gente, bem assim como você descreveu.
ResponderExcluirQue texto fantástico, e ainda mais com essa cena linda de "A nova Cinderela". I love this film (voz da Zooey Deschanel).
E choveu bem no dia em que não se esperava e bem no dia dos ~príncipes~ nossos de cada dia <3 ai, quanto amor!
Que o Céu que você vê dai da sua cabeceira lhe encante cada vez um pouco mais todos os dia!
Love u.
Você é incrível!
ResponderExcluirAinda bem que você ama escrever crônicas porque, olha, difícil nascer outra cronista assim <3
ResponderExcluirSua professora tá certíssima e foi muito feliz nas colocações dela sobre as crônicas. Não existe coisa mais gostosa como uma história cotidiana contada de uma forma que deixe a gente com vontade de ser amiga da pessoa que escreveu. E que faça a gente rir ou ter mais sensibilidade em relação ao mundo.
E esse céu laranja <3 AFF, queria dormir assim. Aqui quando tem algo do tipo fica uma mistura de rosinha e lilás que eu amo demais da conta. <333333
Beijos, Annoca! =]
Ah, Anna! Que post gostoso de ser lido! ;)
ResponderExcluirJá mostrou essa crônica a sua professora? Tenho certeza que ela vai adorar, porque, sem dúvida, você é uma excelente cronista. :D
Um abraço!
Sacudindo Palavras
Momento de sinceridade: precisei vir aqui porque vi a foto de "A Nova Cinderella" no Facebook e esse é, tipo, o filme da minha vida. Assisti sábado e simplesmente não canso nunca. Deixando a sessão pré-adolescente, agora, eu vim mesmo porque, além da imagem, eu sabia que ia encontrar a mesma qualidade de sempre por aqui. Já sou fã da sua professora, e super quero você escrevendo crônicas pro jornal AGORA! Prometo que até viro assinante. Crônicas são mesmo muito mais legais e empáticas do que o texto jornalístico seco. E aqui no rio, o olho do inferno, só sabe garoar. Aff!
ResponderExcluirPs: voltando só pra confessar que me afundei no recalque e precisei usar imagens do filme no meu post porque você me inspirou. Mas deixei bem claro lá que roubei sua ideia descaradamente </3
ResponderExcluirJá fui de escrever crônicas, mas passei tanto tempo sem fazer isso que já desaprendi. Adoro crônicas, e as suas são ótimas e engraçadas, parabéns.
ResponderExcluirAH! Para com isso Anna Vitória! Para de escrever tão brilhantemente assim! Nunca vi texto sobre previsão do tempo e esse verão infernal ser bom de ser lido, nunca vi, mas vi.
ResponderExcluirSenti cada gotícula de chuva aqui em BH na segunda e durmo também tentando analisar o céu e prever o dia de amanhã e aqui anda alaranjadinho e lindinho e tão lindo de se ver.
Quando você for famosa vou dizer: aaaah! Já lia Anna Vitória desde quando ela era garota do tempo e das crônicas blogueiras! E que assim seja, porque cê escreve demais! :D
Eu AMO ler crônicas, mas nunca fui uma boa cronista, sabe? Isso se dá em partes por que um bom cronista, na minha humilde opinião, tem que fazer isso aí que você fez: fazer com que o leitos visualize, cheire, prove e sinta o texto. Até agora estou com esse céu laranjado na minha memória. =)
ResponderExcluirConheço seu blog há uns quatro ou cinco anos, não sei exatamente. Só sei que foi desde o comecinho, quando você era muito menina e contava seus 'causos' da escola. Eu visitava com frequência e nunca comentava apesar de adorar todos os seus posts. Fiquei um tempinho sem voltar aqui e quando volto, leio esta delícia de crônica. Leio uns posts passados e me encanto demais! Tenho certeza que ainda ouvirei (ou lerei) muito sobre você e seu trabalho. Você é talentosíssima! Parabéns!
ResponderExcluirTatiana - Taquaritinga/SP
Fantasia brejeira de analisar a temperatura sozinha, com os netos em volta. Como não te amar! HAHAHA. Eu tardo mas não falho, e por isso estou aqui comentando, e obviamente amei e me diverti com o post, mas meu foco foi no fato de você falar de crônicas e to aqui pensando que preciso desesperadamente voltar a escrever, e portanto, vamos agendar uma nova semana de crônicas, porrrr favorzinho?? <3
ResponderExcluirAMEI o post. E o mesmo sentimento que você teve em relação à sua prof ("ha, ingênua, ela ainda não viu nada") tenho em relação à você. Eu sou do Rio de Janeiro.
ResponderExcluirNão durmo com janela aberta porque tenho fobia de insetos.
De fato, crônicas>reportagens. Mas acho que ambos tem um pouco do jornalismo em si. Amei sua professora, viu.
Anna, escrevi todo um comentário bonitinho contando minha historinha com o jornalismo e sobre como, no fundo, acho que os meus sonhos pro futuro eram de ser cronista mesmo, mas que precisei só de um semestre aprendendo a escrever daquele jeito mecanizado e frio, como você colocou, pra decidir me inscrever pra outro vestibular - e não me arrependi em nada, já que não servia pra nenhuma das duas coisas. Mas daí, coincidência ou não, começou a chover enquanto eu escrevia tudo isso e a internet, é claro, caiu e mandou meu comentário pro espaço.
ResponderExcluirDe qualquer jeito não quis sair sem comentar que você, por outro lado, é uma ótima cronista e que eu simplesmente adorei ler esse texto!
Beijo