segunda-feira, 21 de abril de 2014

Coisas para fazer antes de morrer

Então minha mãe descobriu que eu escrevo. Na verdade ela sempre soube, mas como não é uma pessoa internética e não acompanha o blog, ela nunca pensou que pudesse fazer algo com o que eu escrevo além de ler minhas matérias e dizer pra mim se aquilo faz sentido ou não. Mas ela descobriu que eu escrevo e que pode tirar alguma vantagem disso, por isso pediu que eu escrevesse "uma mensagem bonitinha" pra ela ler no chá de bebê da amiga dela, porque minha mãe é totalmente dessas, e é, virou isso. Foi meio de última hora e, como eu não conseguia pensar em nada, usei alguns dos meus textos favoritos do ano Antonio Prata como inspiração, que estão linkados nas referências específicas.

Plantar uma árvore, escrever um livro e ter um filho. Dizem que é isso que a gente precisa fazer para se cadastrar na eternidade. Parece bem simples, se a gente for parar pra pensar em como é fácil fazer nascer um broto de feijão. Basta um grãozinho, um chumaço de algodão, água e luz, voilà: se você tiver sorte, algumas vagens com vários feijões vão começar a aparecer com o passar do tempo. 

Escrever um livro é um pouco mais difícil, mas se a gente pensar que cada um de nós é um mundo inteiro de histórias, experiências e formas de ver a vida, dá pra acreditar que, se quisermos muito, com sangue, suor e lágrimas pode brotar dos nossos dedos um livro qualquer. Papel aceita tudo e a gente pode moldar a realidade a nosso bel-prazer, transformando em graça os ressentimentos da vida e, se você é realmente frustrado por não interagir com centauros no dia-a-dia, essa é sua chance. 

O que ninguém garante é a marca que esse livro vai deixar no mundo: ele pode até ser um best-seller, e dependendo do alinhamento dos planetas e de quem está do outro lado, você pode acabar escrevendo um clássico. A verdade, no entanto, é que a maioria não sai da gaveta, e sua história - seja ela o relato da sua vida, a concretização daquele amor inacabado ou um universo paralelo com centauros e centopeias falantes - vai morrer junto com você e todas as suas tias que tiveram paciência de ler aquilo que você escreveu, achando tudo uma gracinha. 

Ter um filho é outra história. Exige mais que um grão de feijão e um chumaço de algodão. Exige mais do que você. E antes mesmo dele estar no mundo, não tem muito o que fazer para controlar o que ele virá a ser. 

Uma pessoa. Um ser humano. Com unhas, gengivas, fios de cabelo e um sistema digestivo completo. Uma criatura que vai chorar à noite, beber muito leite, enfiar os próprios pés dentro da boca, pra depois inventar de sair à noite e eventualmente enfiar os pés pelas mãos. 

A gente não tem como saber se vai dar certo. Se todos os dedos estarão no lugar devido, se a cabeça vai juntar lé com cré, se ela vai gostar de Matemática ou então odiar estudar, se você vai voltar ao peso de antes e quem é que garante que o filho não vai chegar com cara de mousse de maracujá? 

A gente não tem como saber se vai dar certo. 

Não é prolixidade, é uma constatação da mesma magnitude do fato de alguém ser capaz de gerar uma pessoa dentro de si, de rir na cara da aritmética e transformar dois em três. À partir do momento que o bebê coloca seus pés no mundo, ele existe. Olha só que doidera. O bebê existe e ninguém sabe onde isso vai dar, e acredito que essa seja a aposta mais alta e cara que fazemos com a vida, o jeito mais extremo possível de se pagar pra ver. 

E é por isso que, embora seja um pouco assustador, não deixa de ser bonito pensar em tudo isso. Quando pagamos pra ver, estamos apostando alto com a vida e ao mesmo tempo fazendo um voto de fé, de confiança: no universo, em nós mesmos, e no infinito de possibilidades que o acaso nos reserva. Colocar um filho no mundo é deixar as mãos marcadas na calçada da fama do eterno, da forma mais definitiva possível. 

Feijão é energia, ferro e proteína, mas dificilmente vai sair do seu quintal. Sequóias são imponentes e centenárias, mas elas não fazem nada além de ficar paradas no mesmo lugar, e nunca vão herdar seus olhos ou imitar a forma como você coloca as mãos na cintura. Um livro vai dizer muito sobre você, mas ele jamais vai ter vida própria o bastante para pensar em ser algo além, ou diferente, de você. A própria genética revela que o segredo do sucesso está no diverso, e não na réplica.

Colocar um filho no mundo é colocar na Terra mais um pequeno universo, um infinito de possibilidades, o potencial de vários brotos de feijão ou de uma frondosa sequoia, a oportunidade de ver surgir um grande poeta, o cara que vai curar a AIDS, um serial-killer, uma agente secreta ou uma taxista que dirige cantando. Um filho faz cocô nas calças, morde o coleguinha de escola, e escolhe ir num baile funk quando você jurou jurandinho que ele ouviria Beatles desde a maternidade. Você pode ser petista e criar uma mocinha que vai votar com a direita tucana, quem garante o contrário? 

Mas de uma coisa você pode ter certeza: se não fosse você, não seria ela. E enquanto ela existir, seja escrevendo poesia, curando a AIDS ou descendo até o chão no baile funk, você vai viver também. Os seus olhos, o modo como você coloca as mãos na cintura, e tudo aquilo que você vai ensinar. Para todo sempre, ou até alguém resolver que muito mais emocionante que ter um filho é plantar um broto de feijão. Amém.

A gente não tem como saber se vai dar certo. Mas só de pensar que, entre milhões de espermatozóides e um bocado de óvulos cheios de frescura aquele punhado de células vingou, já dá para dizer que antes de nascer o seu filho venceu o mundo. Além de tudo, pelo amor de Deus, já paramos pra pensar que literalmente existe um ser humano crescendo nas entranhas de alguém? Quer maior definição de milagre que isso? Um milagre que o mundo certamente não merece, mas que a gente continua operando todos os dias na esperança de que essa nova chegada - que vai ter os seus olhos e o copiar o modo como você coloca as mãos na cintura - mude ele pra melhor. 

É o tipo de coisa que ninguém espera de um broto de feijão, e vai ser uma experiência tão maluca que sempre vai existir a possibilidade de escrever um livro sobre isso depois. Por isso, acho que ter um filho ainda é a melhor opção. 

6 comentários:

  1. Amiga, antes que você diga que me atrasei: aqui ainda são 23h30min :)
    Ah, minha mãe descobriu que eu escrevo faz tempo, mas ela não se aproveita disso, não. Pelo menos não ainda o.o

    Achei o seu texto lindo, lindo, lindo. Você tem um estilo tão próprio que me faz ter vontade de esconder meu blog do mundo, fico achando aquilo a coisa mais genérica do mundo inteiro, hehe.

    E, seguinte, senhora vai escrever o texto para ser lido no meu chá de bebê, quando ele acontecer. Ninguém mandou escrever esse post propaganda da sua genialidade, hunft.

    Amo você <3

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  2. Que perfeito, amei cada palavra *-*

    Parabéns, seu jeito poético de escrever emociona <3

    http://taianebarboza.blogspot.com.br/

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  3. Eu ia comentar só amanhã, quando estivesse no computador, mas olha essa maravilha! Que coisa incrível! Trate de ir pensando em algo brilhante como isso para ler para mim quando a Clara nascer. Amiga, isso é realmente incrível e vivo problematizando sobre isso. Quando não penso nos filhos que eu quero ter (meia dúzia, se tudo der certo) eu penso no que SER UMA FILHA de fato representa e, cara, como já debatemos a respeito, isso é muita coisa. Muita carga. E tudo é uma polêmica gigante! Uma vez eu vi uma mãe falando sobre aquela frase "a gente não tem um filho, a gente põe um filho no mundo" e ela disse que não concordava, porque se o filho não chegasse em casa porque morreu em um acidente de madrugada não seria o mundo que iria chorar, e sim, ela. E isso é muito forte. Porque colocar alguém no mundo e lidar com o faro de que ele tem seus olhos - mas não é você é algo muito complexo. Mesmo assim, eu ainda fico com essa opção! É certamente a mais emocionante. Como dizia Vinícius "sobre os filhos: melhor não tê-los. Mas se não tê-los, como sabê-los? Porém que coisa! Que coisa louca! Que coisa linda que os filhos são"! Aposto que a mãe do chá de bebê chorou horrores. E claro que depois desse feriado harry potterístico eu me arrepiei com a história de você viver para sempre pelo fato de "seu filho ter seus olhos". A história de Snape e seu always anda latejando em mim e... Enfim! Amei demais! Te amo!

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  4. Annoca, chorei. Eu ando extremamente sensível esses dias, mas choraria até se estivesse nos meus dias mais durona (se é que eles existem).

    Acho que já andei falando o que penso sobre filhos e essa coisa toda de maternidade e de ter um ser crescendo entre nosso rim e nosso estômago, mas esse seu texto me fez pensar mais um milhão de coisas sobre e eu só queria te agradecer, já que eu descobri dentro de mim uma vontade imensa de poder colocar no mundo uma criaturinha que vai me surpreender todos os dias (positivamente, ou não).

    Um beijo e um queijo <3 <3

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  5. Anna, que texto maravilhoso!

    Eu não sei se a minha mãe já parou pra reparar no quanto eu venho falando mais sobre maternidade nos últimos tempos. Não porque esteja, er, planejando engravidar por agora. Mas eu acho que é porque eu tenho convivido muito mais com crianças nos últimos três ou quatro anos (eu era a pessoa mais nova da família antes disso) e tenho observado tudo isso acontecer. O milagre que é alguém, um ser humano inteirinho e perfeito mesmo com suas imperfeições, se formar e crescer dentro da gente. O fato de a gente poder fazer isso (embora às vezes eu concorde que a humanidade nem merece mais esse milagre). E, ontem ou antes de ontem mesmo, tava falando pra minha mãe que acho que não tem nada mais corajoso do que ter um filho. De repente, você é responsável por um outro ser humano, que só está aqui por sua causa e que depende de você pra tudo. E que você nunca tem como saber onde vai dar, muito menos planejar demais - porque esse ser humano que está aqui por sua causa tem vontade própria, vai viver suas próprias experiências, e vai ser diferente de você em alguma medida.

    Amei muito esse texto! Beijo!

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