quinta-feira, 1 de maio de 2014

Ode a Meninas Malvadas

Texto escrito originalmente para a Revista 21

O mundo das garotas é uma selva.

Hoje faz dez anos que Meninas Malvadas estreou nos cinemas, e nesse meio tempo o filme foi de comédia adolescente de muito sucesso a objeto de culto, popular o bastante para já ser considerado um clássico contemporâneo. Eu não vivi a Beatlemania e os filmes do John Hughes jamais serão um retrato da minha experiência concreta de juventude, mas fico muito feliz em saber que cresci com Harry Potter e que Meninas Malvadas faz parte do consciente coletivo da minha época.


Embora seja um dos filmes mais queridos pelas pessoas e que seja raro encontrar quem nunca o tenha assistido ao menos uma vez, tem muita gente que acredita que as pessoas idolatram o filme ironicamente ou sentem vergonha em admitir que gostam dele de verdade, por mais bobinho que ele seja.

Pra começo de conversa, esse papo de gostar ironicamente é uma das coisas mais bestas que eu já ouvi, e que culpa a gente deve ter por achar que, em pleno 2014, precisa se desculpar ou se justificar por gostar do que gosta. Dito isso, nesse dia tão significativo para a cultura pop, queria defender a ideia de que não, Meninas Malvadas não é esse filme bobinho que alguns pensam que ele é, só porque é engraçado, só porque é sobre adolescentes, só porque é (olha só que coisa) sobre garotas.

Espero que vocês estejam de rosa, afinal, hoje é quarta-feira.

Como eu ia dizendo lá no começo, o mundo das garotas é uma selva. Essa ideia nos é vendida o tempo inteiro e não é de hoje: pense em quantos filmes você já assistiu que tinham no centro uma disputa entre meninas; quantas pessoas já te falaram que não se pode confiar em mulher; quantas meninas já te disseram que acham muito mais legal ter amigos homens, já que entre as garotas sempre rola inveja e competição;  quantos filmes já mostraram uma mulher tentando sabotar a amiga bem sucedida ou querendo acabar com a vida da namorada atual do ex. Meninas Malvadas é sobre isso também, mas de um jeito diferente.

Cady Heron (Lindsay Lohan) usa esse paralelo da selvageria duas vezes ao longo do filme: na primeira delas, a garota recém-chegada da África pensa consigo mesma que aquelas tensões ocultas que ela sentia entre as garotas do seu colégio – uma hostilidade constante e densa que pairando no ar, que todas fingiam não ver sorrindo falsamente umas para as outras – seriam facilmente resolvidas no mundo animal, onde ela poderia avançar livremente na direção dos cabelos de Regina George (Rachel McAdams) e lidar com as diferenças entre elas usando a força bruta. Depois, mais para o final do filme, quando o Livro do Arraso vem à tona, a cena é que vemos é de garotas grudando nos cabelos umas das outras, finalmente sucumbindo àquela tensão velada e descarregando fisicamente todas as frustrações, inseguranças, hostilidade e decepções que sentiam consigo mesmas e com as outras.

Muita gente não sabe, mas o filme foi baseado num livro que é uma espécie de manual para ajudar os pais de garotas adolescentes a ajudar suas filhas a sobreviver no microcosmo escolar, um ambiente que parece afetar as meninas de um jeito diferente. Isso porque a gente vive numa sociedade que não é apenas machista, mas que odeia as mulheres. Não é de hoje, não é da época das nossas avós; é uma construção social talvez tão velha quanto a roda essa ideia de que o feminino precisa estar sobre constante suspeição, como se por trás de toda essa delicadeza que a publicidade adora louvar existisse um fruto podre escondido. E como toda boa construção, essa ideia está de tal forma cimentada nos nossos inconscientes que a gente a confunde com a realidade, e é assim que a gente acredita mesmo que as mulheres são umas pérfidas neuróticas desalmadas, que nossas amigas no fundo querem puxar nosso tapete, que estamos cercadas de inimigas.


Depois do rompante selvagem que citei acima, as garotas do colégio são levadas para o ginásio da escola e Tina Fey, que escreveu o filme e interpreta a professora de Matemática mais ferrada do mundo, as força a encontrar e exorcizar os próprios demônios. Num exercício simples, as meninas veem que não só todas já foram vítimas de alguma fofoca ou maldade vindas de uma garota (além de Regina George), como todas também já fizeram fofoca ou alguma maldada contra outra garota (Regina George inclusa). O que isso significa? Que todas as meninas são mesmo seres desprezíveis e sem caráter, ou que esse ódio todo vem de seres humanos – falhos, como somos todos – que ainda não sabem lidar direito com as próprias frustrações e inseguranças e direcionam esse ressentimento para quem está mais próximo e parece ter algo melhor do que ele, seja um cabelo brilhante, uma nota em Matemática ou uma postura confiante?

É desse modo que Meninas Malvadas humaniza a selva que alguns juram ser o mundo das garotas, mostra que na maioria esmagadora das vezes não faz o menor sentido odiar tanto uma garota qualquer e que a existência de uma menina legal nos arredores não é uma afronta ou ameaça direta a tudo aquilo que existe de legal em você. Meninas Malvadas é um filme que estimula a sororidade, ou seja, a irmandade feminina. Essa ideia, dentro do movimento feminista, se desdobra em diversas problemáticas que valem a pena ser entendidas se você quiser se aprofundar no assunto, mas que no momento, de início, interessa extrair que para nós, mulheres, não está fácil e nem nunca foi, mas o fardo é menos pesado quando paramos de brigar entre nós, especialmente se é uma briga que não é nossa.


Por fim, Meninas Malvadas é um filme absolutamente divertido e pouco moralista, com diversas citações brilhantes que elevam a nossa expressão pessoal a uma dimensão diferente e muito mais interessante (além de ser um dos poucos que o roteiro é rico em pérolas tanto no idioma original como na tradução para o português, tanto que não consigo me decidir entre o que é mais legal: fetch ou barro). No dia de hoje, em que ele completa dez anos, você vai provavelmente ler diversas compilações das melhores frases do filme, mas a mais importante, definitivamente, é essa:

“Vocês tem que parar de chamar umas às outras de vadias e putas. Isso só faz com que seja aceitável que os homens as chamem de vadias e putas”.

Meninas Malvadas não é um filme perfeito e nem uma epítome feminista, mas definitivamente não é um filme bobinho. O mundo das garotas não é e nem precisa ser uma selva.

6 comentários:

  1. Amei, Bavis!
    Não me atrevi escrever sobre Mean Girls porque tive a certeza de que não saberia sintetizar o filme num texto que falasse de fato o que filme representa, mas claro que você fez isso com uma propriedade imensa e o mundo precisa ler esse texto haha.

    Mean Girls foi um dos melhores filmes que eu tive a chance de assistir e acho que a cada dois anos revejo ele porque não dá pra cansar. O filme é uma pérola do começo ao fim. E, bem, você já disse todo o resto. (Não vou mentir pra você que eu e minha bff já fizemos um Burn Book e morro de vergonha disso KKKKKKKKKK ainda bem que isso só durou um dia)

    No mais, queria ter tirado foto de cor de rosa com vocês MIMIMIMIMI </3

    Beijos, amiga!

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  2. Oi, Anna.
    Mean Girls é e sempre será meu filme favorito. Gosto muito da história, dos personagens, etc. Você pode não acreditar, mas assisto ele pelo menos uma vez por semana. Já decorei praticamente todas as falas da Regina.

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  3. Posso falar? GENIAL!
    Eu gosto do filme, mas nunca tinha parado para passar nessa atmosfera que habita o filme.
    Excelente texto!

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  4. Não conhecia o filme, mas é interessante perceber como a sociedade monta esteriótipos que nem sempre são genéricos ou condizentes com a realidade.

    jj-jovemjornalista.com

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  5. Bavis, você é demais. E só você poderia escrever esse texto com toda essa propriedade e "maravilhosidade". Você é demaissssssss, menina. E, realmente, essa é a melhor quote do filme. Não me canso nunca de assistir. Te amo <3

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