segunda-feira, 30 de junho de 2014

É uma metáfora

Hoje começa mais uma semana de crônicas aqui no blog, dessa vez especial Copa do Mundo. A Copa está quase acabando, e eu senti uma necessidade absurda de registrar aqui o que foi viver o mundial mais legal de todos os tempos, mesmo do sofá e do Twitter. Espero que gostem da brincadeira!

Sou uma pessoa que gosta de metáforas, que as procura em tudo quanto é canto e quase sempre encontra, e por isso me sinto autorizada a dizer que acredito que elas sejam muito mais uma questão de retórica do que de analogia. Não sei o que Peirce teria a dizer sobre isso, mas eu acho mesmo que dá pra metaforizar qualquer coisa se você for bom de lábia o suficiente para sustentar a proposta.

Já o Nick Hornby, mais do que acreditar nas metáforas, acredita no futebol, muito, obsessivamente, e isso faz com que ele transforme essa fixação não só na espinha dorsal de sua história pessoal, que é o mote do seu livro Febre de Bola, como também numa grande analogia com a própria vida. E eu, sendo entusiasta de metáforas, da literatura do Nick Hornby, e do futebol, só consigo concordar com ele em absolutamente todos os paralelos traçados ao longo do livro (que eu estou adorando!) e vou além, me sentindo encorajada por ele para tirar minhas próprias conclusões exageradas e passionais.

Foram muitas desde que essa Copa maluca começou, mas a principal delas é a de que, tal qual a vida, o futebol é uma coisa terrivel e cruelmente injusta, e muito mais cheio de nuances do que um placar que conta quantas vezes cada time fez a rede balançar consegue exprimir. 

Estou falando, claro, do jogo de ontem da Holanda contra o México. Gosto muito das duas seleções e assisti a todos os seus jogos. Não sabia para quem torcer no início, mas os rumos da partida foram me deixando cada vez mais apegada com a seleção mexicana. Eles estavam visivelmente melhores na partida e a Holanda passou bons sufocos. Me pareceu muito lógico eles terem marcado no início do segundo tempo, mais lógico ainda quando, depois de almoçar correndo, eu voltei pra sala e vi que faltava menos de 10 minutos pro jogo acabar e o placar se mantinha. Eles iriam se classificar e mandar a Holanda pra casa. Eu não veria mais o Van Persie na minha TV, mas eu respeitava muito aqueles merricanos em campo. Foi então que, faltando seis minutos pro apito final, o jogo sofreu uma reviravolta digna de novela mexicana.


A Holanda marcou dois gols nesses seis minutos, um golaço do Sneijder e outro de pênalti, que tem gente duvidando se foi legítimo. Pessoas mais entendidas que eu comentaram que o México recuou e por isso levou, e mesmo que tenha sido exatamente isso, não consigo não achar o resultado injusto. Enquanto eu fazia um esforço muito grande para não chorar, meu pai deu um suspiro de uma tranquilidade quase profana e disse: futebol é assim, filha, quem não faz, toma, e o jogo só acaba quando termina; eles não fizeram, eles tomaram, e agora eles estão de fora. 

O mundo é mau, e a Holanda é pior ainda
Só que não é tão simples assim, ao menos não na minha cabeça. Racionalmente, claro, faz todo o sentido, mas eu nunca tive pretensão de ser uma pessoa pragmática. Aliás, pragmático mesmo é meu pai, e um dos motivos, talvez o único por trás de todas as nossas divergências de opinião, vem exatamente disso: ele enxerga o mundo de um jeito preto no branco, e eu insisto em focar no cinza. Meu pai é um cara liberal, que acredita no mercado, na individualidade, e adora esse papo de mérito. Eu arrepio os cabelos da nuca só de ouvir falar nisso. Enxergo os fatos concretos como a ponta do iceberg que flutua acima de um contexto mais denso e complicado, que determina a envergadura e todas as outras características daquela pontinha visível. 

O que me deixa desgraçada das ideias é que, tanto no futebol, como na vida real, a única coisa que aparentemente importa é essa pontinha do iceberg, que diz muito pouco sobre as coisas como elas são. E às vezes isso faz do futebol uma coisa horrível, como a própria vida consegue ser horrível vez ou outra. Vemos times dominando um jogo inteiro para perder tudo em poucos minutos, e seleções indo para casa por conta do erro dos outros, como foi o caso do Irã naquele jogo contra a Argentina. Sempre tem um asno sem limites pra estragar tudo pra todos, como fez o Suárez, e tem gente que nada, nada, nada e morre na praia, como aconteceu com a Argélia hoje. 

É impossível dissociar o futebol das nossas vidas, e acho que talvez seja justamente sua narrativa dramática e imprevisível que faz dele um esporte tão popular, de apelo mundial. O resultado não necessariamente reflete a partida, ele está inteiramente sujeito aos erros humanos, as coisas mudam de um segundo pro outro, e você precisa dos outros para que dê certo. É horrível, violento e nos faz sofrer, mas nos conecta aos outros de formas inimagináveis, servindo como uma espécie de argamassa nessa nossa realidade hipermoderna fria e distante, e é cada lance inacreditável que, quando dá certo, nos deixa com uma euforia gostosa, e a certeza de que é uma das melhores coisas do mundo. 

Num dos capítulos do livro, o Nick Hornby descreve seu dia perfeito e seu ideal de perfeição vai muito além do seu time vencer com uma vantagem de dois gols, mas envolve o clima da torcida, o que ele almoçaria e até a forma como seu pai estaria vestido. Ao longo de sua vida até então, esse dia perfeito tinha acontecido uma única vez, e isso só mostra, mais uma vez, como o autor está certo quando compara o futebol com a nossa experiência humana, pois é uma das melhores medidas encontradas para traduzir essa grande piada que vivemos. 

O Arsenal era um time bom demais, o gol do Charlie foi espetacular, a torcida, naquele dia, estava lá em peso e curtindo de montão o desempenho da equipe... Aquele doze de fevereiro aconteceu  de verdade, exatamente do jeito que eu descrevi, mas somente o fato de ter sido um dia atípico é que importa agora. A vida não é, nem nunca foi, uma vitória de 2 a 0 em casa contra os líderes do campeonato depois de comer na lanchonete. 

{Febre de bola - Nick Hornby, pg. 76}

10 comentários:

  1. Anna Vitória que texto geniaaaaaaaaal! Amei demais! Vai pro mural, amiga!!!!!!!1111!!1

    Nunca antes na minha vida tinha me sentido tão conectada assim com o futebol. Aliás, achava o jogo deveras chato e sem sentido. Era daquelas chatas que ficam dizendo "que coisa mais idiota essa de ficar correndo atrás de bola", sabe?. Mordi a língua, né, porque o futebol é muito mais que isso. É alegria, é desespero, é coração disparando quando a bola chega perto do gol e é choro quando acontece coisas como o jogo da Argélia ontem.

    Amo ficar imersa nessa atmosfera de copa e até atrevo a ser comentarista na minha sala de estar, com direito a palavrões de excitação gritados até tirar o ar dos meus pulmões. Virei dessas e meu pai até agora tá meio chocado com essa minha nova obsessão. Já ando até planejando a voltar assistir os jogos do PARMERA (sei que você é curintia, mas nossa amizade supera isso HAHA) porque viver sentindo tudo isso é bom demais da conta e não quero me esquecer desse sentimento.

    E que o futebol é uma metáfora pra vida, nunca havia pensando nisso e, olha, faz TODO o sentido do mundo. Tô chocada com essa sacada do Nick Hornby e sua. Penso muito mais como você, amiga. A vida é muito mais do que preto no branco. Aprendi isso na faculdade, com notas alheias hehe.

    É isso. Obrigada por esse texto, pônei! <3
    ps: já tô com o livro no kindle! Depois venho tricotar com você.

    beijos!

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  2. Amiga, o futebol insiste em provar pra gente que a vida não é justa. E talvez essa seja realmente a graça. O que nos deixa comemorando e o que nos deixa igualmente possessos, como um gol anulado ou um pênalti não marcado para nosso time. Essa Copa tá absolutamente sensacional de ser vivida, mas como disse Antonio Prata, fico me perguntando porque diabos me envolvi com isso porque, vejam, eu era feliz antes! Esse jogo NEDxMEX eu não superei até agora e aposto que se merricana eu fosse, até agora eu estaria olhando para a televisão sem conseguir sair do lugar, porque, GENTE. Virar um jogo faltando 6 minutos para o fim NÃO É DE DEUS. hahahaha
    Beijos, te amo, amo nossa semana de Copa <3

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  3. Gosto muito desse capítulo "Feliz", faltei sublinhar tudo! É terrível que a gente vive um mundo pra se sentir satisfeito com apenas uma vitória por 2x0, mas ao mesmo tempo é tão real.
    E olha, se for escolher uma parte dessa copa pra servir de metáfora pra minha vida até agora é realmente a falta de ontem com a queda do Müller! Hahaha

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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  5. Esse paralelo futebol - vida, vem mostrando sua cara nessa copa. Torci muito pro México também, mas como dito a vida (futebol) não é justa. Nunca assisti tanto futebol na vida, mas copa é copa, e ta quase acabando. Ainda bem que há pessoas como você para por em palavras esse sentimento coletivo. E vamos esperar as próximas metáforas.
    Adorei o texto Ana!

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  6. Oi Anna, sempre leio seu blog e agora decidi dar um oi por aqui :)
    Trabalhando em home office, tenho acompanhado a Copa com um olho na TV e outro no job do dia, mas realmente tá divertido e cheio de emoções - tipo esse último jogo do Brasil, que pelamordedeus, que sufoco!
    O Nick Hornby é um cara genial na sua simplicidade, e lendo esse trechinho meio que me fez me arrepender de estar com Febre de Bola e Sábado, do Ian McEwan, na mão, e ter optado pelo segundo para a leitura atual (aliás, estou perto de um terço do livro do Ianzinho e o treco não engrena). Mas o vermelhinho continua ali me encarando e certamente vai ser um dos próximos. Revi o filme recentemente, que apesar de não falar de futebol continua fofo e deu uma baita vontade de ler.
    Parabéns pela crônica e pelo blog!
    Beijinho!

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  7. Anna Vitória minha pessoa favorita, só você pra metaforizar desse jeito. "(...) tal qual a vida, o futebol é uma coisa terrivel e cruelmente injusta". Pois então, tem como concordar mais?

    Fiquei morrendo de vontade de ler esse livro, e eu amo Hornby desde Alta Fidelidade, então já pode colocar na wishlist e ficar com mais de 50 não lidos?

    A princípio: meu coração também era dos mexicanos. Tô chorosa.

    Amo você <3

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  8. Amiga, como eu disse para Analu, eu parei de acompanhar taaanto os jogos porque estava ficando doente de estresse. Hahahaha. Não vi o jogo da Holanda e México, mas fiquei sabendo do resultado e fiquei chateada porque queria muito que México ganhasse. :(
    Gostei muito das metáforas. O que a gente (e quase sempre, o que a gente mostra) é só a pontinha do iceberg mesmo. O que é ridiculo. Deveríamos poder ver (e mostrar) mais do que isso. Infelizmente eu sou um pouco como teu pai e me conformo com o que vejo, mas queria que fosse diferente.
    Beijo! <3

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  9. E imaginar que saimos em poucos anos do gif tosco do MIchael Phelps virando Goku ( http://weknowmemes.com/2011/12/michael-phelps-super-saiyan-gif/ ) , e temos agora esse gif fodão do treinador mexicano cheio dos efeito. Galera cada vez mais habilidosa e com mais tempo pra gastar nessas coisas . Tem a imagem dele rolando no chão com o jogador que é bem engraçada tambem .

    Torçi pra Holanda nesse jogo por um motivo tosco : o calor ridiculo que fazia , achei sacanagem com os europeus . Não sei de quem foi a ideia imbecil de manter o horario das 13 . Na primeira fase , até que dá pra entender , tem que fazer 3 jogos por dia , fazer o que , alguem vai ter que sofrer com jogo a tarde . Mas agora que são só dois jogos por dia , nao faz sentido. Botam os caras pra jogar em Fortaleza , as 13 !!! Se perdessem , iam culpar o calor , e nao sem razão.

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  10. Estou achando incrível essa copa do mundo e como você achei injusto o México ter sido eliminado e em 6 minutos tudo ter mudado. No entanto estou bem acostumada com esse universo futebolístico e é injusto mesmo. Amo futebol e graças ao meu pai esse sofrimento faz parte da minha vida desde muito cedo. Já perdi as contas de quantas vezes vi meu time ganhar quando claramente o outro merecia mais ou o contrário, mas assim é a vida também né? E é horrível essa de só vermos a ponta do iceberg, porque somos muito mais que isso.
    Amei o texto e como fã de metáforas e do Nick Hornby estou doida pra ler esse livro.
    Beijos

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