quarta-feira, 18 de junho de 2014

O choro é livre

Ou: A Culpa É Das Estrelas não é uma história de amor

Sexta feira eu tive um momento. 

Estava tudo indo bem, até que não estava. Fui assistir A Culpa É Das Estrelas mais de uma semana depois da estreia - e a impressão que eu tinha era que todo mundo já tinha visto o filme, menos eu - porque não queria dividir minha emoção com muitas pessoas, e nem queria que o excesso de emoção alheia atrapalhasse minha catarse particular. 

Se você chegou agora, um fato importante: esse livro mexeu muito comigo. Tenho uma relação especial com a história desde que a li pela primeira vez, em 2012. Amei e senti absurdamente da primeira até a última linha, e até hoje não consigo explicar objetivamente o por quê. Claro que sei citar as características literárias que fazem desse livro do John Green um grande livro, mas não é por isso que gosto dele. Nesses dois anos, já ouvi muitas críticas negativas sobre ele, algumas que eu reconheci, outras que eu desprezei, e outras que só posso atribuir à realidade (que pode ser cruel ou muito bem vinda) de que uma coisa pode me emocionar muito, mas não significar nada pra outra pessoa. Todos esses pontos de vista conflitantes não me fizeram amar o livro menos, mas esse amor tampouco me ajudou a defendê-lo com a mesma paixão que me fazia chorar só de falar a respeito. Eu gostava do livro porque sim. Eu amava aquela história porque não conseguia me distanciar para pensar racionalmente sobre ela. 

Na época escrevi um post sobre o livro que entitulei de "Por que a gente é assim?", no qual eu falava de pessoas que tem relações anormais com a ficção. Foi assim que comecei a me aproximar da Hazel, protagonista de A Culpa É Das Estrelas, que atravessa um oceano pra encontrar o autor do seu livro favorito porque ela precisa saber o que acontece com os personagens depois do fim. Só que eu entendo os motivos específicos da Hazel para permitir que um livro de ficção mexa tanto com sua vida, entendo a urgência que a fez escrever várias cartas para Peter Van Houten, sei por que a única coisa que ela queria na vida era ir para Amsterdam se encontrar com ele. Mas e eu, o que eu tinha a ver com isso? Por que eu não poderia ser uma pessoa normal que segue com a vida, dá meia volta, e vai comer uma torta inteira de amora no jantar?

Sério, qual a necessidade disso? (r: toda)
Enfim, fui ver o filme e, como eu disse, estava indo tudo muito bem, na medida do possível. Eu ria e chorava quando era para rir ou chorar, eu estava encantada com a forma como a Hazel e o Gus saltaram das páginas do livro pra ganhar vida através da Shai e do Ansel, eu estava achando o Nat Wolff bem gato, estava sofrendo no museu da Anne Frank, e repetindo junto com os personagens as linhas do livro que foram inseridas de forma perfeita no roteiro - e isso só comprova o que eu senti desde o começo das filmagens, que acompanhei desde o início pela internet: que aquele era um filme feito por uma equipe que tinha muito amor e respeito pela história que estava sendo contada ali. 

Estava indo tudo muito bem, e eu era só uma garota vendo uma adaptação perfeita de um dos livros favoritos, que calhou de ser um livro bem triste. Só que as coisas ficaram muito intensas, e muito rápido, e foi então que meu momento começou. 


De uma choradinha que estava no protocolo eu passei pra um choro com soluços, bem inconsolável. E eu não era a única: como foi aparentemente regra em sessões no mundo (!) todo, a ponto de virar motivo de chacota (vocês me envergonham), a sessão inteira chorou bastante. Entre os meus soluços eu sentia o Matheus chorando do meu lado, ele que nem gostou do livro tanto assim, e o homem do meu lado chorava copiosamente também, ele que ganhou minha antipatia gratuita porque tentou roubar meu lugar e ainda me derrubou Coca-Cola. 

Fiquei pensando em todas as pessoas que estavam comigo naquela fila enorme que transformou meu jantar num sanduíche do McDonalds enfiado goela abaixo numa velocidade recorde, todas elas no escuro chorando junto comigo. O filme quer que a gente chore sim, tem todos os recursos no lugar certo pra que ninguém saia dali sem borrar a maquiagem, mas eu gosto de acreditar que existe algo de mais universal numa história que tem o poder de comover tantas pessoas, que vai além de closes na cara de personagens que sofrem e uma música da Birdy tocando no fundo. Se até nas cabines de imprensa era possível ouvir os soluços - e, como o Ricardo Calil escreveu, crítico é um bicho sem coração - o que sobraria para os reles mortais?

Fiquei nessa vibe bacana até o filme terminar, e depois que ele acabou eu demorei até sair da sala. Andei pelo shopping fechado de braços cruzados olhando o nada, e quando o Matheus tentou puxar papo eu mandei ele ficar quieto, porque eu estava tendo meu momento. Não sabia ainda qual era a daquele momento, mas agora eu vejo que eu tinha acabado de sentir que aquilo tudo tinha, sim, muito a ver comigo.

Não tenho câncer e nem estou apaixonada por um cara que vai morrer em breve, muito menos fui convidada pelo meu escritor favorito para tomar um chá com ele e ouvir sobre os personagens do meu livro do coração depois que ele acaba. Mas a minha vida também vai acabar no meio de uma frase, daqui 5 minutos ou 50 anos. E o mundo vai continuar girando quando eu não estiver mais aqui, para o bem e para o mal. Como a Tatiana escreveu numa resenha sobre o livro que mexeu muito comigo, "não é desnecessariamente triste nem nada. É a porra da vida. É assim mesmo, você acha que está tudo lindo e dá merda. Talvez seja por isso que dói". Assim é a nossa vida inteira, tá tudo bem até que não está mais e não tem nada que a gente possa fazer com relação a isso. A gente não escolhe se vai sair machucado desse mundo, não é Gus? The world is not a wish-granting factory. 


Essa ideia me paralisa de medo de vez em quando, mas é ao mesmo tempo muito libertadora. Não existe muito o que se fazer com relação ao inevitável senão seguir em frente, um infinito de cada vez, um pequeno, outro um pouquinho maior. Vamos ajeitando como dá, fazendo o melhor com os nossos dias numerados, e tentando ser grato no final. Se dermos sorte, não vamos querer trocá-lo por nada. E fim.

Me senti idiota, porque estava na minha cara o tempo todo. A Milena já escreveu e eu amo repetir, mas esqueço às vezes: todas as histórias são sobre nós. There is no shortage of fault to be found amid our stars. E pra todo o resto, o choro é livre. 


Okay. 

14 comentários:

  1. Eu tive essa mesmissíma reação quando o filme terminou. Fiquei lá no meu mundinho, pensando em como foi perfeita a maneira como os érsonagens foram tratados. Fiquei lá sentada enquanto a sala se esvaziava e acho que parte de mim ainda está lá.
    É duro afirmar que a droga da vida vai acabar no meio de uma frase, mas que seja daqui uns 60/70 anos, por favor.

    Incrível, como sempre. :D

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  2. Ainda não assisti ao filme (só falta eu no mundo inteiro, eu sei), mas a leitura do livro foi uma surpresa muito muito boa. Estou curiosa para ver a adaptação e pronta para chorar e rir o tanto que me for permitido. Mas precisava dizer: AMO o jeito que você escreve!
    Beijo

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  3. Seu post me emocionou, Anna Vitória, porque me senti um pouco assim ao ver o filme. Essa obra me marcou bastante e a adaptação ficou ótima.

    Parabéns pelo texto!

    Beijo

    www.ratasdebiblioteca.com

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  4. Assim, queria muito escrever um big comentário, mas não consigo por motivos de: tudo o que eu poderia escrever, você já disse. É isso. Sei lá. Okay. Te amo! <3

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  5. Esse post tá tão incrível que metade dele está indo a galope para o meu mural e, cara, você me citou, tipo, morta. <3
    Juro que não sei o que dizer, porque dizer que eu amei o filme é chover no molhado, e essa história de que vamos morrer no meio da frase é totalmente real. Como já disse Bial em um texto que eu amo, a gente sempre morre no melhor da festa e a morte é uma piada de mau gosto com a qual temos que conviver e então eu faço a Hazel e ignoro isso. Ignoro, porque senão a gente endoida.
    Te amo, muito! <3

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  6. Amiga, acabei de recomendar seu texto no meu Twitter, dizendo que você é sempre necessária em nossas vidas e que suas críticas nunca são apenas críticas. Acho que, mesmo se eu viver 105 anos, feito o meu bisavô, ainda vou ficar com cara de pastel por conta do quanto você é fantástica nesse negócio de escrever.

    Esse post não só fez com que eu gostasse ainda mais do filme (é possível, senhor?), como acendeu em mim uma perspectiva da história que eu talvez não estivesse dando o devido valor. Ainda acho difícil que o livro me marque tanto assim, mas prometo reler em inglês quando eu achar que chegou a hora, viu?

    E, olha, se um dia a gente fizesse uma seleção dos posts mais marcantes da história da Máfia, esse de Milena seria um dos primeiros que eu lembraria.

    Bexos, amo você <3

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  7. Morro de medo dessa coisa de morrer no meio da frase, mas não tem muito o que fazer né. É como você disse: devemos aproveitar nossos dias numerados da melhor forma possível e eu tô tentando, do meu jeito.

    O filme foi uma das adaptações mais incríveis que já vi na vida e acho que todo autor e diretor devia ter o cuidado que o John e o Josh tiveram porque claramente foi um filme desenvolvido com muito amor e atenção aos fãs. Foi lindo demais mesmo e tão sensível quanto o livro. Tô querendo relê-lo em inglês agora pra ver qual é a sensação.

    E Anna, como sempre, você escreveu divinamente bem. Já desisti de tentar ser igual a você porque não dá, seu jeito de resenhar, escrever e tudo é um dos dons mais incríveis que já vi na vida. <3 Ainda bem que você será jornalista porque quero te ver sambando com os textos em várias mídias.

    Beijos, amiga <3

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  8. Saí do cinema mais ou menos como você, imagino. Eu pretendia sair e passar na Renner, porque estava precisando, mas não deu. Fui embora pegar meu ônibus e pensar na vida mesmo. E não tinha pensado nisso antes, mas provavelmente acertei indo sozinha.

    Eu acho que A Culpa é uma história de amor. Acho mesmo, e acho bonita pra caramba. Só que é uma história sobre amor entre outras coisas. Porque acima de tudo é realmente sobre a vida, e acho que uma celebração bacana dela também - mesmo que às vezes dê merda e que às vezes seja sem volta. É sobre a vida que essa história mais me fez e continua a me fazer pensar.

    Enfim, queria dizer a parte mais importante: que texto incrível!

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  9. Anna,

    Eu nem consegui escrever sobre meus sentimentos durante o filme, daí deixei pra lá. Amei muito o seu texto, porque ele fala por mim e ponto final. Tenho uma relação bem parecida com ACEDE, apesar de que as partes nas quais mais chorei, principalmente quando fui ver com mamãe, eram aquelas nas quais a Hazel fala com a mãe sobre ela "não ser mais uma mãe" e tal. Isso mexe muito comigo, porque, enfim, a minha vida já quase acabou no meio de uma frase em uma sexta-feira nublada, então pra mim passa mais por uma conexão com a Hazel porque ela "understands what it's like to be dying but hasn't actually died". E eu saí da sessão falando exatamente isso com mamãe: nunca foi, pra mim, uma "história de amor". É um passeio sobre a vida, suas maravilhas e seus lados terríveis, mas que são, de certa forma, sempre bonitos. E eu espero, do fundo do meu coração, que mais gente perceba isso.

    Beijos!

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  10. Agora sou eu, muito provavelmente, a única pessoa que não assistiu a esse filme ainda! E confesso que não o fiz por puro e simples medo de me decepcionar com a adaptação. Assim como você, eu caí de amores pelo livro e quando terminei de ler, há dois anos, fiquei abraçada com ele (dentro do ônibus voltando do trabalho!) me esforçando para não chorar. Não sei explicar o motivo tão bem quanto você fez aqui, mas a história ficou comigo e me é querida - e talvez por isso eu esteja tão receosa em encarar o filme. Talvez eu acabe fazendo isso na reclusão do meu quarto, livre pra chorar o quanto eu quiser. Um beijo!

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  11. Amiga, olha só, deixa eu te dizer uma coisa: você é incrível. Não incrível tipo ~só incrível~. É incrível tipo INCRÍVEL PRA CARAMBA, do tipo nunca serei e ninguém nunca será. Desabafei. Mas é porque toda vez que abro seu blog, sei que vou dar de cara com algo muito bem escrito, minuciosamente pensado e cuidadosamente datilografado por você. Cheio de referências e daquelas coisinhas que fazem você ser você. Sinceramente? Leio há anos e você sempre vai me surpreender.

    E eu escrevi tudo isso sobre você porque não consigo tecer comentários decentes sobre esse filme sem nadar eternamente nas minhas lágrimas. Senti o filme todo de novo só de ler "mas a minha vida também vai acabar no meio de uma frase, daqui 5 minutos ou 50 anos. E o mundo vai continuar girando quando eu não estiver mais aqui, para o bem e para o mal." Pois é. Essa é uma das partes do filme que mais me tocou, e do livro também. Existem várias delas, mas essa talvez seja quase que unânime, né? Tocou na ferida, já amei.

    Obrigada por ser tão gênia, wife. Pra ficar melhor que isso, só dois disso (e "a gente" vendo o filme juntas, virando pó juntas, tendo nosso momento juntas).

    Amo você! <3

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  12. Ainda não vi o filme. Aliás, fui bem atrasada até me ler o livro. Foi meu primeiro John Green e me apaixonei mais pelas escrita dele, do que pela história. Mas claro que me apaixonei pelo Gus, né? Não em como!
    Quero ver o filme sim!

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  13. Se eu estou arrepiada e querendo chorar com o post? Bom, você sabe que sim.
    Você bem sabe o quanto minha relação com essa história é intensa, então também é intenso quando vejo parte dos meus sentimentos traduzidos assim. E tão bem.
    É claro que eu amo o romance, é claro que eu queria mais dias pros dois, mas essa história é muito maior. Tem muita catarse prestes a acontecer dentro dessa história e é isso que me faz amá-la muito mais do que se fosse só uma história de amor.
    Todas as histórias são mesmo sobre nós e essa escolheu ser justamente sobre os nossos maiores medos. Mas engraçado, vi o filme duas vezes e meus momentos foram diferentes. Ainda não consegui escrever sobre isso, talvez só consiga vendo uma terceira vez. Mas é isso que é incrível, o quanto a gente consegue refletir sobre uma mesma história que pra outra pessoa tem um significado completamente diferente. É essa a beleza da coisa.

    Obrigada por ter ficado obcecada pelo livro lá em 2012 e por ter corrido atrás dele e por ter entrado nessa pira comigo. Obrigada por ter tido o seu momento. Obrigada por ser incrível. Beijo <3

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  14. Ai, Annoca. Que saudade dos seus escritos! <3
    Apesar da história não ser sobre nós, sempre é. É verdade. Sempre pode ser. Porque a vida é isso. A gente consegue se colocar no lugar dos personagens e chorar a dor como se fosse a nossa porque, no fim das contas, é. A de cada ser humano. É a dor e a delícia de se viver.

    Post incrível! <3

    Beijos!

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