segunda-feira, 4 de agosto de 2014

1001 pessoas, o Carlinho e a Simone

O melhor do jornalismo são as pessoas, o pior também - e isso meio que se aplica a quase tudo na vida. A parte boa é que das pessoas ruins, que não respondem e-mails, dão entrevistas monossilábicas e me deixam com menos fé no mundo, eu esqueço rápido - já as boas ficam por muito tempo. Ou pelo menos deveriam ficar. 

Quando a Analu veio comentar comigo sobre o blog 1001 Pessoas Que Eu Conheci Antes do Fim do Mundo, eu lembrei que já tinha topado com ele por aí, gastado uma boa parte do meu dia lendo ele inteiro, e tido o mesmo pensamento que ela: que droga, por que eu não tive essa ideia antes?  A proposta é exatamente o que o nome sugere: a Aline resolveu manter um registro das pessoas que conhece pelo mundo, e ajuda um pouco ela ter uma vida cheia de viagens e aventuras incríveis - minha história favorita é a do surfista com café da manhã -, mas acho que se a gente para e presta atenção, descobre na rua de casa vários seres humanos dignos de nota. E foi pensando nisso que Analu me convidou a fazer o mesmo que a Aline, registrar nos nossos blogs as pessoas interessantes que conhecemos por aí. 

É um projeto descompromissado, amador, provavelmente fadado ao fracasso, e sem periodicidade definida, mas a gente promete que vai cuidar dele com carinho e treinar nosso olhar para as boas histórias e boas pessoas que passam pela nossa vida todo dia. Lá no Minha Vida Como Ela É tem um post explicando direitinho nossa ideia e falando mais sobre o projeto que a inspirou, e dona Analu já fez seu primeiro post. Como eu sou afoita e não consigo terminar um texto só com três parágrafos, vou aproveitar a deixa de ter uma história fresca na cabeça e começar hoje, agora, também. Espero que gostem de nos acompanhar. :) 





Conheci o Carlinho e a Simone na última quarta-feira - um dia ruim, numa semana ruim, num semestre (surpresa surpresa) ruim também. Estou fazendo telejornalismo, e vivendo a loucura que é produzir um telejornal por conta própria. Semana passada estávamos trabalhando numa das reportagens, que calhava de ser aquela em que eu iria atacar de repórter. Eu. De repórter. Na frente de uma câmera com microfone na mão. Aponta pra fé e rema - e chora cinco minutos no cantinho se der tempo. Era esse o espírito. 

O Bar do Carlinho foi o primeiro destino daquele início de noite, e eu e meus amigos ficamos parados feito idiotas na esquina por alguns minutos até rolar a coragem necessária pra entrar. Nossa reportagem era sobre comida de boteco e aquele bar foi escolhido por ter vencido a última edição de um concurso especializado. Apesar dos prêmios, era um boteco desses pé sujo bem simples, pequeno, com ladrilhos vermelhos no chão, e mesinhas na praça do outro lado da rua - no melhor esquema Bar Ruim É Lindo da coisa. 

O Carlinho, que eu cheguei chamando de José Carlos, me recebeu já de avental e touca ali no balcão, enquanto amassava os temperos. Como estávamos sem cinegrafista, ele ajudou meus amigos a posicionarem a câmera e foi logo dando dicas sobre a luz, o som - tudo experiência adquirida por conta das muitas entrevistas que dá por conta dos três prêmios que seu bar já tem. Logo depois chegou Simone, sua esposa, dona daquela cozinha e cabeça por trás de todos os pratos premiados, que foi me contando de onde surgiu a ideia da porção vencedora do último concurso enquanto amassava mais de vinte quilos de carne. 

Enquanto meus amigos captavam as imagens, eu fiquei ali conversando com os dois, ouvindo a história de como eles se conheceram e de como vem tocando aquele bar, no mesmo lugar há 25 anos. As porções são simples, bem brasileiras - mas não brasileiras de um jeito Alex Atala, e sim de um jeito batata doce com linguiça, frango com pasta de alho, e tudo que faz parte dessa coisa linda que é o Brasil, e principalmente dessa coisa beijada por Deus que é Minas Gerais. 

Comidas simples, mas tudo muito criativo e sensacional, principalmente pelo jeito apaixonado como a Simone me contava da origem de cada um daqueles pratos idealizados por ela, que passou muito tempo pensando em cada detalhe. "Minha filha entrou na dieta da batata doce e eu achei interessante fazer algo pra ajudar ela a comer coisas diferentes", "Já tinha feito prato com carne de vaca, de frango e de porco, aí pensei: e se misturar os três?", coisas desse tipo. Do lado, o Carlinho, que me imprimiu a receita do prato campeão, contava vários segredos pra ajudar no preparo, sem mesquinharia alguma. "Se não congelar antes, o bolinho desmancha inteiro". 

Eu estava hipnotizada por aqueles dois, e até tinha parado de suar dentro do meu blazer novo de jornalista.  E pensar que poucas horas antes eu estava amaldiçoando aquela tarefa, terminando de pintar minhas unhas dentro do carro, tentando parecer iluminada enquanto era puro cansaço, e sem nem saber como segurar um microfone. Com a câmera já desligada, ficamos os quatro do grupo debruçados sobre o balcão observando o trabalho deles e ouvindo o que eles tinham a dizer. Por vezes trocávamos olhares e cochichos e a sensação era a mesma: estávamos apaixonados por eles, e se rolasse um convite seríamos capazes de colocar um avental na cintura e ficar pra sempre. É como escreve a Nina Horta: comida faz a alma cantar.

Simone chamava o marido de um apelido que eu não conseguia entender qual era, mas na hora de falar sério era vez do "Zé Carlos" entrar em cena. "O Zé Carlos não confia nas minhas almôndegas, eu que ensinei ele a fazer e agora ele quer me corrigir". E ele, que essa hora já tinha virado Carlinho pra todos nós, encheu os olhos de lágrimas ao me contar sobre a filha caçula que veio logo depois que ele sofreu um acidente que o deixou meio manco. "Pra lembrar que na vida tem coisa ruim, mas sempre vem outra boa pra compensar". 

Com relação à esposa, o sorriso besta que ele segurou no rosto durante todo o tempo que ela me deu entrevista de frente pra câmera, com luz e microfone, explicou tudo, e eu fiquei pensando que se eu tiver alguém que me olhe daquele jeito um dia, vou ter vencido um pouquinho na vida. 

Aponta pra fé e rema - e come um bolinho de arroz no meio do caminho. Esse é o espírito. 

Pros uberlandenses, fica a dica: o Bar do Carlinho fica no bairro Bom Jesus, tem porções sensacionais, pessoas maravilhosas, e caipirinha que custa quatro realidades. Eu e meus amigos fomos embora prometendo voltar quantas vezes for necessário pra zerar o cardápio. A gente comeu de graça, mas esse post não é um publieditorial. 

9 comentários:

  1. Amei a história. Ela me lembra aquela frase do Steinbeck, “i wonder how many people i've looked at all my life and never seen.”
    Conhecer um pouco desses anônimos, que em outra situação a gente nem se ligaria em conhecer, é muito maneiro.

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  2. Li o post da Analu e fiquei deliciada com a ideia, e tanto ela quanto você se saíram super bem na empreitada. Falei lá no blog dela e repito aqui: acho que todo mundo acaba colecionando histórias desse tipo, de pessoas que encostam em nossa vida por um minutinho, mas acabam ficando pra sempre na memória - ou agora, no blog, como é o caso de vocês. Acho legal parar um pouco e prestar atenção no outro, sempre há a possibilidade de surgir dali um aprendizado, uma história legal. Acho que jornalistas levam sorte nesse quesito, pois sempre estão em busca de uma história que valha a pena ser contata, e acho que é aí que mora a mágica da profissão. E nem preciso dizer que me apaixonei junto pelo Carlinhos e por Simone, preciso?
    Um beijo!

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  3. Já tinha lido o post no blog da Analu e fiquei encantada com a proposta. Talvez eu tente fazer algo parecido um dia, porque muita gente que já passou por mim merece um post lindo como esse seu, que me fez ficar apaixonada por Carlinho e Simone sem nunca tê-los visto na vida. Se um dia for em Uberlândia, certamente não deixarei de conhecer o Bar ♥.

    Agora, vou te falar, meus parabéns por ter feito desse limão uma limonada. Peguei telejornalismo semestre passado e acho que nunca odiei tanto uma matéria na vida. Choro só de lembrar, bjs.

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  4. Super legal o blog, amei! Não conhecia e já assinei o feed haha. E também adorei a ideia de vocês.
    Como falaram acima, isso acaba acontecendo com todos nós né, acabamos tendo memórias e um sentimento por pessoas que passam pela nossa vida e ficam na memória, mas colocar num blog acaba sendo super legal.
    Adorei a história que você contou e fiquei imaginando o senhorzinho com o sorriso bobo para a mulher dele, fofo!
    Beijo
    http://www.debsupertramp.wordpress.com

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  5. Amiga, que delícia de história! Começou tão bem que eu to aqui, às 10 da manhã, com água na boca e sentindo até o cheirinho desse bar. Quando eu for em Uberlândia me leva?
    Essa história de contar e ouvir histórias era todo o meu foco quando eu decidi o que fazer no vestibular. Tem coisa melhor? <3
    Te amo! E amo nossas ciladas, que são as melhores do mundo!

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  6. Sofro até hoje pelo erro de comunicação que fez com que eu não fosse com vocês filmar, nesse dia. Mas não vejo a hora de ir lá experimentar tudo isso que vocês me contaram.
    E sobre o 1001 pessoas: simplesmente genial! Eu tenho uma coleção enorme de pessoas que conheci e que fizeram parte de minha vida, inclusive os rápidos amores de verão. Acho que vou aderir a ideia e registrar isso também! hahahaha

    E vamos marcar nossa ida ao Bar do Carlinho!

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  7. Li seu texto e agora tô com fome e seca numa caipirinha, tempos que não tomo uma ;D
    Os melhores bares que já fui são esses mais simples... sempre dá pra achar um que não custe várias realidades e que tem gente de todo tipo pra admirar.

    Beijo

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  8. Tô apaixonada pelo Carlinho! Navitória, enquanto eu lia esse post senti o cheiro dos temperos aqui bem embaixo do meu nariz. Aí, do nada, uma vontade de comer batata doce e beber uma caipirinha debruçada nesse balcão ouvindo as histórias desse casal. Como pode? Procede essa hipnose?

    Eu sou apaixonada pelas pessoas e a essa altura da vida todo mundo sabe disso. Sempre fui a das segundas chances, do nada é preto no branco, certo ou errado, quando se tratam de pessoas. Tudo é complicado, mas ainda assim, eu amo as pessoas. Conhecer, ouvir, entender, demonstrar compaixão e ajudar, e por isso sempre presto muita atenção por aí, e vivo caindo de amores por anônimos educadíssimos na rua e por Simones e Carlinhos nesses bares da vida.

    Não vejo a hora de conhecer mais pessoas especiais que vão cruzar o seu caminho, amiga. E sobre a forma como ele olha pra esposa, só consegui lembrar disso aqui: "You take a lover who looks at you like maybe you are magic". Quero mais que isso pra que, né?

    Beijoca <3 <3 <3

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  9. Fico chorosa com esse tipo de pessoas que se encontra pelo caminho da nossa vida curta.
    Fala sério, eu conheço o 1001 pessoas que conheci antes do fim do mundo e se deixar perco horas lendo as histórias. Amei o projetinho, que apesar de ter conhecido agora vou procurar saber se posso participar.
    Um beijo com amor,
    Dreams in Paris

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