Ou: Pequeno inventário de noites mal dormidas
Quando éramos crianças, o Pedro e eu tínhamos essa obsessão que era passar a noite em claro. Todas as férias, dia após dia, a gente jurava que aquilo ia dar certo, mas ou dormíamos sem nem perceber o que tinha acontecido, ou nossa avó dava um jeito de acabar com a festa chegando muito brava no quarto e fazendo ameaças: só vai comer no McDonalds quem dormir; se eu ouvir mais um pio ninguém joga vídeo-game amanhã. Vencidos pelo sono ou pela barganha, a gente sempre chegava atrasado no nascer do sol.
Quando éramos crianças, o Pedro e eu tínhamos essa obsessão que era passar a noite em claro. Todas as férias, dia após dia, a gente jurava que aquilo ia dar certo, mas ou dormíamos sem nem perceber o que tinha acontecido, ou nossa avó dava um jeito de acabar com a festa chegando muito brava no quarto e fazendo ameaças: só vai comer no McDonalds quem dormir; se eu ouvir mais um pio ninguém joga vídeo-game amanhã. Vencidos pelo sono ou pela barganha, a gente sempre chegava atrasado no nascer do sol.
EXPECTATIVAS
Aí teve a minha viagem de formatura da oitava série, a melhor viagem com a escola que já fiz na vida. Pela primeira vez na história das excursões nós estávamos sem supervisão: duas turmas de oitava série e um só professor pra monitorar tudo - professor este que levou a mulher, os filhos, e estava muito mais interessado em curtir o feriado com eles do que se certificar que estávamos indo dormir na hora certa. Contanto que ninguém morresse, perdesse um braço, ou desistisse de voltar pra casa, por ele tudo bem.
Nós viramos a noite na piscina falando besteira, e acho que só deu certo porque não foi nada combinado. Minha infância me passou a lição de que essa coisa de ficar anunciando em voz alta que não vai dormir só serve pro sono (ou pra bronca) vir com força, então é melhor deixar as coisas acontecerem naturalmente. E aconteceu, porque estávamos nadando e dando gostosas risadas quando alguém percebeu que já eram quase seis da manhã e o sol ia nascer. Vimos o dia raiar e fomos tomar café da manhã numa padaria da cidade, pra só então irmos finalmente pros nossos quartos dormir o sono dos justos.
Tão justo foi o sono que minha amiga e colega de quarto, que lá pelas duas da manhã cansou da brincadeira e foi dormir, acordou passando muito mal, vomitou a alma, e eu não consegui acordar pra ajudar. Ela joga na minha cara até hoje que teve que ir se arrastando toda verde atrás de água e remédio, correndo o risco de vomitar no corredor, porque me sacolejou, me gritou, arrancou minhas cobertas e eu não esbocei reação - e isso não é coisa que se faça. Não é mesmo e eu sinto muitíssimo até hoje, mas foi mais forte do que eu.
REALIDADE #1
Hoje esses eventos me parecem muito triviais, mas esse episódio me deu uma sensação muito boa de que eu era dona de mim mesma. Ir dormir quando eu bem entendesse ou não dormir de jeito nenhum, sair na rua ao léu atrás de um lugar pra tomar café da manhã numa cidade diferente, são coisas pequenas, mas até então esse tipo de liberdade era uma coisa que não fazia parte da minha vida, e eu gostei da novidade. Eu não estava nem com os meus amigos de sempre, e acho que o fato de eu ser a única testemunha da turma nessa noite só deixa as coisas um pouco mais, well, mágicas.
Eu sei, é brega, mas é assim que eu me sinto.
Poucos meses depois, foi a vez de eu virar a noite com aquela amiga que na viagem acabou desistindo no meio do caminho. Foi igualmente espontâneo: ela veio dormir aqui em casa e, conversa vai, conversa vem, de repente o sol estava nascendo lá fora. Lá pelas sete nós inventamos de assistir Elizabethtown e dormimos em cinco minutos. Mais tarde foi a minha vez de acordar passando mal, por conta de todas as coisas que fomos comendo durante a noite. Misturar Toddynho com maçã, gelatina e bolo de chocolate, tudo em doses cavalares, não foi uma ideia muito boa, e quem vomitou a alma dessa vez fui eu, e acho que no fundo minha amiga se sentiu vingada.
REALIDADE #2
E aí teve uma vez que eu perdi o sono numa véspera de prova, e lá pelas três da minhã, quando vi que eu realmente não iria dormir, eu simplesmente levantei e fui pra sala dar mais uma estudada. Matemática, sabe como é. Não sei se esse estudo extra rendeu alguma coisa, nem se eu tive cabeça pra fazer a prova direito. Só lembro que era um sábado, estava tendo churrasco em casa, e eu dormi por umas três horas deitada no chão na beirada da piscina. Meu pai jura que tentou me arrastar de lá, mas, novamente, o sono foi mais forte que eu.
Nessa terça, depois de anos, virei mais uma noite. O oba-oba da adolescência passou e eu percebi que dormir no mínimo oito horas é vital pra mim, principalmente se forem oito horas durante a noite. No entanto, situações desesperadoras pedem medidas desesperadas, e aquele trabalho mega chato e mega trabalhoso deveria ser entregue na quarta, e terça, às nove da noite, pouquíssima coisa estava pronta. Era um trabalho em grupo que realmente precisava ser feito em grupo, e o *único* horário que todo mundo tinha disponível era depois das nove, então lá pelas dez (depois da novela) a gente começou.
A noite foi longa. Varar a madrugada trabalhando é bem diferente de fazê-lo rindo com amigos, e eu alternava ciclos em que a sensação era de que meu cérebro ia desligar a qualquer momento com outros meio eufóricos de ficar andando pelo apartamento e falando sem parar. Tomamos café, cantamos, xingamos o professor e xingamos a nós mesmos por ter deixado a situação chegar àquele ponto, mas eventualmente acabamos. Às dez e meia da manhã, quando eu finalmente pude sossegar e dar uma encostada antes da aula, meu cérebro parecia uma caricatura dele mesmo pelo cansaço e excesso de cafeína, e até agora não sei onde arranjei forças pra ir pra faculdade, consertar erros que passaram batidos no trabalho, comer, e só depois voltar pra casa e dormir de vez.
REALIDADE #4
Apesar do perrengue e do fato de que, se eu pudesse voltar no tempo, eu obviamente faria o trabalho antes pra não ter que passar por aquilo de novo, a sensação de liberdade da primeira noite em claro se manteve ali.
Ficar doze horas na frente de um computador é infinitamente pior do que passar esse mesmo tempo plantando bananeira numa piscina aquecida, mas as duas coisas acontecem por causa do mesmo princípio, aquele que faz com que, aos nove anos de idade, uma noite inteirinha sem dormir pareça uma coisa tão atraente: a gente faz porque não tem ninguém pra nos impedir, e isso é uma delícia.
(Na real, tomar sorvete antes do almoço (ou fazer do sorvete o próprio almoço) dá na mesma e confunde bem menos nosso organismo, mas definitivamente não rende uma história. Qual é a de vocês?)
Hahahahaha me identifiquei muito com teu post! Lembrei da minha infância. Eu sempre fazia isso com minha prima, mas a gente sempre acabava dormindo uma hora ou outra. A sensação de que a gente podia ver o Sol nascer e não ter nada pra fazer no outro dia era muito boa, diferente de hoje. Quando sei que tenho que acordar cedo no outro dia, já vou dormir mau humorada e calculando as horas que tenho pra dormir.
ResponderExcluirAgora você falou algo que deve ser regra mundial: "a gente faz porque não tem ninguém pra nos impedir, e isso é uma delícia." Como já disse, quando tenho que acordar cedo durmo mau humorada, mas quando sei que tenho a manhã livre e posso acordar a hora que eu quiser, eu faço questão de acordar cedo e aproveitar cada minutinho da manhã. Vai entender né? kkkkkkkkkk
Beijos <3
hahahahaahahahaha
ResponderExcluirNa época parecia um porre, mas tenho boas lembranças da adolescência <3
Para quem tem insônia since sempre, virar a noite não é novidade e, bem, hoje em dia me irrita profundamente. Sim, nascer do sol me irrita. Acho que é alguma coisa psicológica tipo condicionamento operante.... sei lá.
:*
Quando eu era criança, fazia isso de combinar com minhas irmãs de não dormir e ficar a noite toda acordada, e claro que não acontecia hahaha. Hoje eu vejo isso de que quando a gente não combina nada com os amigos, de virar a noite, acaba acontecendo, o que é muuuuito mais legal.
ResponderExcluirAgora, isso de fazer trabalho da faculdade, nossa! Eu fazia isso direto hahaha. Eu sozinha ou quando era em grupo. SEMPRE deixávamos para o último dia e fazíamos durante a noite. Mas eu funciono mais durante a noite mesmo, tanto que hoje em dia eu acho que sofro de insônia, quando não estudo, eu ia dormir com minha irmã umas 5h da manhã, e hoje em dia eu durmo umas 3h. Quando trabalhava só conseguia ir dormir lá pra meia noite, é horrível, já que amo dormir haha.
Beijo
http://www.deborabp.wordpress.com
Amo essas ideias de criança, quando os sonhos são tão mais ~simples~: passar uma noite em claro. Eu e Rafaela tentávamos isso em todas as nossas férias. Escolhíamos um dia e: VAMOS PASSAR A NOITE EM CLARO. Acho que chegamos a ver o sol nascer umas 2 vezes, mas já não éramos tão pequenas assim não, porque da segunda vez lembro que tinha 16 ou 17 já. Fora isso, já virei noite em festa de formatura - Infelizmente não a minha, que acabou tipo 4h30. Na do meu primo, basicamente chegamos em casa às 7h da manhã e, tudo bem que eu acordei só as 17h depois. Foi incrível, hahaha.
ResponderExcluirNunca virei a noite fazendo trabalho - nem no meu TCC, e não me orgulho disso: Sempre quis uma história pra contar sobre TCC onde eu diria que virei noites, mas dei conta do recado sempre antes das 2h da manhã, hahaha.
Um dia será que, em algum encontrão, A GENTE consiga virar a noite fofocando??
Beijos! <3
Que post delícia!
ResponderExcluirEu estou meio acostumada a ver o sol nascer. Na minha ~juventude~porque eu ia muito para baladas e saía de lá com o sol alto. Ultimamente porque eu não consigo me controlar vendo uma série e acabo vendo uma temporada inteira de uma vez só, o que ocasiona um belo bom dia do sol.
Não tenho dificuldades em me manter acordada, é só ter algo que me distraia.
Respondendo a pergunta da Analu: Jamais conseguiremos ficar até de manhã conversando, porque nossa camada do amor é tão poderosa e aconchegante que não deixa <3
Beijos!
Eu adorei o post, li ele sorrindo! As únicas vezes que eu lembro que passei a noite em claro foram três que já estou pensando em fazer um post assim, não se preocupe, te darei os créditos :)) .
ResponderExcluirTodas as vezes que combinei com amigos não deu certo também. E como disse a Gabriela, também não tenho muita dificuldade em me manter acordada (a não ser quando estou morta de cansaço).
Adorei seu texto, Annoca <3
ResponderExcluirNoites em claro têm sempre uma história por trás e isso é que é legal. Mesmo quando é no caso de um trabalho de faculdade (quem nunca?), pelo menos, a gente tem a história para contar depois. Minha última noite sem dormir foi justamente um caso desse também, um trabalho em grupo que se estendeu muito além do que esperávamos. No ano passado, um professor nos passou um projeto completo de um sistema de abastecimento e tratamento de água, coisa complicadíssima e tínhamos que entregar toda semana uma parte. Numa dessas semanas, ficamos das 14:30 às 6:00 calculando e desenhando e amaldiçoando a tudo e a todos, claro. No dia seguinte, pude dormir a tarde toda e esse foi um dos sonos mais gostosos da vida. <3