quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Geléia de Morango.

Logo aos primeiros raios de sol o quarto se clareava, mesmo não havendo janelas. Havia uma sacada com portas envidraçadas, cobertas por uma cortina branca de um tecido tão fino que à medida que o sol ia passando por entre suas linhas ele ia fazendo-o brilhar, e seria uma falta de educação querer impedir o sol de tamanho espetáculo de magnitude. Era domingo, e ele sempre acordava cedo, espreguiçava, fazia cócegas nela e depois ia até a sala, ligava o som e lia o jornal.



A escolha de som daquela manhã foi Chico, mais matinal impossível. Na verdade, quase todo domingo era isso, ou Chico ou Beatles, mesmo que às vezes ele tivesse vontade de ouvir Bob Dylan, e ela, Cat Power, porque “Carolina” era só dos dois, assim como “Two Of Us”, sem mencionar “Com Açúcar, Com Afeto”.



Ela sempre acordava mais tarde e o gritava do quarto. Ele por sua vez largava o jornal no chão e ia correndo até ela. Ambos riam de suas caras amassadas, seus cabelos fora do lugar, seus olhos inchados. Besteirinhas de recém-casados. Cócegas, risadas, beijos, coros no refrão de cada música, travesseiradas, mais beijos e risadas depois, eles iam para a cozinha preparar o café da manhã a uma da tarde.



Antes de se casarem eles fizeram um trato de que não importava a hora que acordassem, nem o dia que fosse eles sempre tomariam café da manhã juntos. As vezes era difícil, as vezes o horário não colaborava, a correria diária atrapalhava, mas os dois se esforçavam e conseguiam.



Sentaram-se no chão da cozinha, recostados na parede de azulejos verde-claros. Ela pegou o pote de geléia de morango, ele o de sorvete de manga. Jogaram o resto da geléia no resto do sorvete, pegaram duas colheres e se lambuzaram. A mistura mais errada do mundo, a mistura mais gostosa do mundo.



Depois do surto de fome matinal restou um pouco do inusitado café da manhã. Ela não pensou muito antes de passar o dedo lá e depois no nariz dele, que não pensou duas vezes em revidar sujando-a de geléia-com-sorvete na testa. Assim começava a guerra de comida, era a mistureba no rosto, nos cabelos, nos ombros e os dois correndo um atrás do outro. Pararam quando chegaram na sala onde era proibida qualquer comida nas imediações do sofá novo, que eles nem haviam terminado de pagar.



Ela ainda ofegante jogou seus braços ao redor do pescoço dele, e os dois se beijaram beijos de manga, beijos de morango, beijos de domingo, beijos de Chico, beijos de Beatles. Porque enquanto os dois estavam juntos o mundo inteiro se resumia a isso, todos os problemas cabiam no pote vazio de sorvete que, porém não era capaz de comportar nem um quarto do sexto de um quinto desse amor. Amor de manga, amor de morango, amor de domingo, amor de Chico, amor de Beatles e de quem mais viesse de carona. Sobretudo, amor dos dois.



"Quem é você que faz o céu queimar assim perto de mim? Com um pote de geléia de morango nas mãos, comendo com colher de sopa, você me encantará."

Luisa Mandou Um Beijo*


* A música Com um Pote de Geléia de Morango nas Mãos que me inspirou para escrever isso. Conheçam a banda que é bem bacana e fofinha, bem cara de café da manhã. :)

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