terça-feira, 12 de outubro de 2010

40 gotinhas de Novalgina

Meu organismo tem um senso de oportunidade espetacular. Semana de prova? Faço um bolão comigo mesma pra saber o que meu sistema imunológico vai aprontar: infecção de garganta? de ouvido? virose? piriri? No início da semana passada, quando foi dada a largada da louca maratona, eu obviamente acordei com dor de garganta e ouvido. Enquanto procurava desesperadamente por uns remédios para que eu me entupisse e ainda conseguisse estudar (ou seja, não poderia dar sono), fiquei pensando no quanto era mais legal ficar doente quando criança.

Tudo começava quando passávamos o dia mais pra lá do que pra cá. Brincávamos pouco, conversávamos menos, comíamos feito passarinhos. O pai comenta que estamos abatidos, a mãe coloca a mão na testa pra sentir a temperatura, e mesmo sem febre ela comenta, "Anna Vitória vai adoecer...". No outro dia, batata, amanhecíamos com aquela cara de cachorro sem dono, uma tosse querendo tomar conta, o ouvido falhando... ganhávamos o direito de faltar a aula de ballet pela manhã - que era passada no sofá da sala em companhia de desenhos animados em volume baixo, muito líquido e Tylenol.

Eu não tinha problemas com Tylenol. Me lembro direitinho do potinho branco com o nome do remédio escrito em letras vermelhas. Lembro da cor esverdeada e até mesmo do cheiro. Não era bom, mas também não era ruim. Tomava sem muitas firulas. Tylenol é remédio pra quando se está febril, aqueles 37ºC que você torce desesperadamente para tornarem-se 38ºC, afinal, a partir de 37,5ºC você ganha o direito de faltar de aula. Com 37ºC você toma Tylenol e ganha um bilhetinho da mãe no caderno, avisando a professora do estado febril, os telefones de contato do pai, da mãe e dos avós, e as orientações caso você precise ser medicada.

Só que aí a dor de garganta aumenta você atinge a marca dos tão almejados 37,5ºC e a coordenação da escola liga pros pais te buscarem. Você ainda faz aquele muxoxo e cara de sofrimento para enfatizar que precisa ir embora e rápido, para que ainda dê tempo de assistir a Sessão da Tarde, ou Pokemón, que começava as 17h no Cartoon Network. O pai questiona se não é melhor ligar pra Márcia Berbet, a pediatra, daquele jeito preocupado dos pais, em que cada infecção de garganta é sentença de morte, e a mãe tranquiliza, daquele jeito maternal de quem sabe que existe sempre uma dessas enfermidades a espreita ao menos umas três vezes por ano.

Naquela madrugada você se sente mal e passa pra cama dos seus pais. Achar o termômetro de madrugada é aquele suplício, você começa a suar, o pai coça a cabeça. 38,5ºC é a sentença de febre que ninguém quer ouvir no meio da noite. Significa que em segundos sua mãe vai falar: "melhor entrarmos com o antinflamatório, mas antes vou dar um banho nela". Não sei se suas respectivas mães já enfiaram vocês num chuveiro meio frio, no meio da noite, pra abaixar a febre. É horrível. Você está morrendo de frio, com o corpo doendo e querendo morrer e sua mãe tentando te tranquilizar, "é pra abaixar a temperatura, meu bem, só mais mais um pouquinho!".

O pai, que havia saído de pijama, todo amarrotado, para comprar Scaflan chega em casa, você toma aquele remédio branco leitoso, mas docinho, e acaba dormindo na cama dos pais, entre os dois.

No outro dia, pela manhã, sua mãe anuncia, nada de escola naquele dia. Você até ficaria feliz se não estivesse se sentindo mal de verdade, tanto que nem consegue chamar as amigas do prédio pra brincar. Os avós passam em casa pra te visitar, tomam um café, "coitadinha dela, os olhinhos estão fundos, ficou abatidinha", constata a avó, toda chorosa. Como a mãe precisa trabalhar, você passa a tarde na casa da avó, sendo mimada e cuidada o dia inteiro. Chegando lá já tem um local no sofá reservado, com cobertor, travesseiros, meias, e os remédios enfileirados na mesa. De meia em meia hora os pais ligam para saber como você está. "Ainda está quietinha, mas sem febre, dormiu um pouco, não quer comer".

Mais tarde chega a hora da temida Novalgina. Poucas coisas são tão ruins quanto, ou piores, que Novalgina em gotas. Tomar aquele remédio sempre foi um suplício para mim. Minha avó, na melhor das intenções, pingava as gotas numa xícara minúscula de flores,e punha um pouquinho de açúcar. Mal sabia ela que ficava pior ainda. Eu chorava, fazia vômito, meu pai começava a ficar nervoso com a manha. Minha mãe apertava minha boca, do jeito que se faz com cães, e meu pai com toda aquela paciência enfiava a colher de sopa - que nem cabia na minha boca - com a mistura nojenta goela abaixo. "Se vomitar é pior, vai ter que tomar de novo".

Aí que eu, de volta a 2010 e à semana de provas, encontrei uma Novelgina em gotas no meio dos remédios do meu pai. Ele me sugeriu tomar umas 40 gotinhas, para acabar com a dor e não me deixar ter febre, e tudo isso me veio a mente. Os termômetros, os banhos no meio da noite, a Novalgina com açúcar, o "se vomitar toma de novo" e acabei deixando a Novalgina de lado. Tomei um inútil comprimido de Tylenol e concluí que era mais legal ficar doente quando criança, mas nessa época eu não podia tomar comprimidos.

Feliz dia das crianças!

18 comentários:

  1. Anna, como eu amo seus textos!Parabéns.

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  2. Achei que só eu que pensasse que era legal ficar doente quando era criança! :D

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  3. Ei Anna! Nossa, era exatamente assim, consegui lembrar dos banhos de madrugada, céus, como eram chatos. E eu era exatamente o contrário, novalgina eu gostava. Po, era rosa e docinho. Parecia um xarope. Quando minha mãe falava que eu ia tomar novalgina eu relaxava, pq o tal do tylenol, e ainda tinha o outro, que pra mim era a morte: Magnopirol, dipirona. CÉUS, era avisar que eu tinha que tomar eu já começava a vomitar. Uma vez tive que tomar 5 vezes seguidas, e ao vomitar pela última vez, minha mãe disse que nunca mais tentaria esse remédio, realmente n dava. hehe
    Beijos

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  4. Nossa! Era assim mesmo aqui hahaha, só que ao contrário da sua mãe, a minha ficava desesperada e meu pai super tranquilo. Eu gostava do remédio docinho, branco hahaha. O melhor era assistir os desenhos :]
    Beijo

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  5. Lembro dessa odisséia toda, acho que acontecia com todo mundo... Só que como meus pais eram separados, tira o pai da história e me deixa na cama da minha mãe desde o começo, sim? (:

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  6. Hahahaha! Sabe que quando eu era criança, uma das minhas maiores preocupações era que quando eu fizesse 18 anos não poderia mais fazer manha quando ficasse doente... =P
    realmente, ficar gripada, com febre ou qualquer outra doencinha era uma delícia quando criança. Hoje, por mais gripada que eu esteja, se eu tiver aquela aula bomba na faculdade, não posso faltar. E olha que às vezes minha mãe até fala pra eu ficar em casa, mas a responsabilidade fala mais alto =/
    que saudades daquela época....haha adorei o post!
    beijo!

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  7. Eu ri muito, sim eu tive banhos de madrugada e odeio esse remédio. Já chegeui finjir a doença só pra porder ficar em casa era tão bom, hoje penso nas provas não da pra fingir doença hoje em dia. era tão bom ser criança.

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  8. Fui levada para dentro da sua história, lembrando exatamente como era. Remédio liquido, o remédio branco que era meio docinho, a Vó dizendo que você estava abatida, o pokemon às 17h. Tudo lindo.

    Hoje em dia fico doente toda semana (não sei o que é isso), minha mãe se preocupa, eu me entupo de comprimidos, perco algumas aulas e, se eu ficar pior, vou ao Pronto Socorro pro médico olhar pra minha cara e dizer, como sempre "é virose".

    A vida, de fato, era muito mais divertida quando nós eramos crianças :~

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  9. Awn, mas que delícia ler seu texto! Me identifiquei tanto! Quando eu era criança, minha mãe não trabalhava, então ela cuidava de mim o dia inteiro. Ficar doente quando se é criança é uma maravilha mesmo, não precisar ir pra aula, ter uma desculpa justa para ficar em casa curtindo a sessão da tarde (que tinha um nível bem melhor na época em que eu era criança, ou eu era ingênua demais pra notar? rs).
    Agora, aos quase 20 anos, fazendo faculdade e trabalhando, ficar doente é castigo. A gente não tem disposição pra nada, a dor (ou dores) atrapalha a concentração e o tempo é cruel. Os trabalhos se acumulam, as provas vêm chegando e o chefe não libera sem atestado médico (ou simplesmente não dá pra faltar, porque sem você o trabalho não anda, aff).
    Eu ainda experimento uns momentos assim quando sinto cólicas menstruais, apesar de ser só um dia. O que eu tenho feito nos últimos 3 anos é redobrar os cuidados com a minha alimentação pra não deixar meu organismo sem nutrientes. Prato colorido, com bastante salada, nada de água gelada (ai, essa é difícil, principalmente no calorão aqui do planalto central), tudo pra manter o menor sinal de resfriadinho bem longe.
    Obs.: faz um tempão que eu não tomo Novalgina, nem lembro mais o gosto. Mas até hoje não consigo engolir comprimidos, tenho de pedir pro médico "não tem em gotas, doutor?" Hehehehe!

    Beeeijo, espero que tenha curtido o feriadão! ;**

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  10. Huasuahusdhu novalgina é ruim, viva ao paracetamol comprimido!
    Ainda bem que nunca mais senti febre... melhoras pra ti nessas doenças pré-estresse.
    Tu me fez lembrar de um episódio que já está como post arquivado pra daqui uns dias :D
    Beijos!

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  11. Amei amei amei! Você descreveu certinho como era adoecer quando éramos crianças. Lembro até hoje de um dia que eu estava muito doente, então meu pai me pegou no colo e me levou, junto da minha mãe, para a sacada, e me deu uma mamadeira com fanta laranja geladinha. Nunca mais esqueci, uma coisa tão boba, mas eu me senti ótima! Quanto a remédios, sempre fui muito prática, principalmente pra mostrar ao meu irmão mais novo como se comporta uma "mocinha forte", haha. Beijos.

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  12. o mais legal era ficar doente em datas estratégicas, como quando passasse filmes legais na sessão da tarde ou tivesse jogos importantes às 16 ou 17h. "não tô me sentindo bem hoje". funcionamento quase infalível!

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  13. Ai como sua infância foi linda quando tu ficava doente viu? hahaha pra mim era assim: eu ficava mal, minha mãe me dava Naldecon, e eu não ia na aula. Ela ia trabalhar e eu passava o dia em casa com a empregada, que eu considero minha segunda mãe. Aí quando meus pais voltavam do trabalho eu já estava super melhor. Que droga meu sistema imunológico. hahahaah
    Beijo, adorei o post. As always.

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  14. Pra mim era um inferno ficar doente quando criança. Minha mãe sempre foi completamente desesperada com essas coisas, então ela ficava louca do meu lado, brigando comigo, me forçando a ficar bem, como se isso dependesse da minha boa vontade. Eu tenho um pouco de trauma dessas coisas hahaha quando fico doente já me estresso porque sei que vou levar bronca. Você foi sortuda!

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  15. haha, mas era desse jeitinho mesmo quando era criança, como era bom ficar doente de levinho nessa época...
    ]
    beijo grande !

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  16. É. Texto lindo e eu estou chorando, aqui. rs...
    Como é bom ser criança...
    E você é uma fofa!
    beijos

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  17. Nossa, entrei aqui por acaso procurando a posologia da novalgina, mas me prendi no seu texto, amei de paixao. Era assim mesmo.

    Parabéns.

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  18. Adorei seu post...acabei de rever a minha infância agora...apesar de q quando o Pokemon passava eu já era meio grandinho, mas mesmo assim eu vi.

    Se vomitar vai ter q tomar denovo é um clássico...

    Adorei o post

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