sábado, 2 de outubro de 2010

É por isso que o Brasil não vai pra frente

Não é de hoje que quero escrever sobre eleições. Há nos meus arquivos um rascunho há muito começado, visitado quase diariamente em busca de uma conclusão daqueles pensamentos que rodam aqui dentro a cada horário eleitoral, entretanto não saio das ideias soltas. Portanto, apelo a uma entidade superior, que disse muito e que eu nunca almejaria fazer melhor. Atentem à data em que foi escrita a crônica que irei postar logo abaixo, 15 de agosto de 1876, e finda a leitura, pensem se muita coisa mudou.

Analfabetismo

Machado de Assis - 15 de Agosto de 1876

"Gosto dos algarismos, porque não são de meias medidas nem de metáforas. Eles dizem as coisas pelo seu nome, às vezes um nome feio, mas não havendo outro, não o escolhem. São sinceros, francos, ingênuos. As letras fizeram-se para frases: o algarismo não tem frases, nem retórica.

Assim, por exemplo, um homem, o leitor ou eu, querendo falar do nosso país dirá:

- Quando uma constituição livre pôs nas mãos de um povo o seu destino, força é que este povo caminhe para o futuro com as bandeiras do progresso desfraldadas. A soberania nacional reside nas Câmaras; as Câmaras são a representação nacional. A opinião pública deste país é o magistrado último, o supremo tribunal dos homens e das coisas. Peço à nação que decida entre mim e o Sr. Fidélis Teles de Meireles Queles; ela possui nas mãos o direito a todos superior a todos os direitos.

A isto responderá o algarismo com a maior simplicidade:

- A nação não sabe ler. Há 30% dos indivíduos residentes neste país que podem ler; desses uns 9% não lêem letra de mão. 70% jazem em profunda ignorância. Não saber ler é ignorar o Sr. Meireles Queles: é não saber o que ele vale, o que ele pensa, o que ele quer; nem se realmente pode querer ou pensar. 70% dos cidadãos votam do mesmo modo que respiram: sem saber por que nem o quê. Votam como vão à festa da Penha, - por divertimento. A constituição é para eles uma coisa inteiramente desconhecida. Estão prontos para tudo: uma revolução ou um golpe de Estado.

Replico eu:

- Mas, Sr. Algarismo, creio que as instituições ...

- As instituições existem, mas por e para 30% dos cidadãos. Proponho uma reforma no estilo político. Não se deve dizer: “consultar a nação, representantes da nação, os poderes da nação”; mas – “consultar os 30%, representantes dos 30%, poderes dos 30%”. A opinião pública é uma metáfora sem base: há só a opinião dos 30%. Um deputado que disser na Câmara: “Sr. Presidente, falo deste modo porque os 30% nos ouvem...” dirá uma coisa extremamente sensata.

E eu não sei que se possa dizer ao algarismo, se ele falar desse modo, porque nós não temos base segura para os nossos discursos, e ele tem o recenseamento."

15 comentários:

  1. É, Anna, eu tive a impressão disso "Votam como vão à festa da Penha, - por divertimento."hoje mesmo, quando vi no jornal da minha cidade uma senhora dizendo que ainda não sabia em todos que iria votar, mas que na hora ela iria escolher, iria na sorte...
    Acredito que o real objetivo das eleições, que é o de eleger representantes, está completamente distorcido. A não ser que o povo ache que elegendo o Tiririca ou a Mulher Pêra ou a Cameron Brazil ou o Maluf ou o Netinho, eles irão representá-lo e lutar por coisas realmente importantes. Nesse caso acho que só representaria o povo em pé de igualdade de ignorância e burrice mesmo.
    Ah sei lá, essas questões me deixam revoltada em saber que realmente parece que iremos direto pro buraco!
    Beijos!

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  2. Ja vi que você divide a mesma revolta que eu. Meu pai que sempre foi do lado mais correto se viu obrigado a votar em certo candidato pois iria perder um emprego se não o fizesse, que século estamos, só sei que voto de cabresto é o cúmulo, junto com analfabetismo, falta de alimentação, moradia, segurança, e etc etc. E indo contra meu professor que falou que a culpa não era da política, digo que é sim porque nosso país é rico, nosso país tem tudo para ser desenvolvido, só que é tudo concentrado na mão de poucos, e pra mudar só dependeria da vontade política, só. E infelizmente são poucos mesmo os politicos que desejam mudança, porque as pessoas "de bem" simplismente não se metem nessa palhaçada!

    Noossa me revoltei shausha! Bjos Anna! ♥

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  3. Machado sabia das coisas e eu nem precisaria comentar em cima das palavras dele. Dá medo perceber como um texto de 1876 (do dia do meu aniversário) pode ser tão atual.

    "Votam como vão à festa da Penha, - por divertimento." Ainda mais com o voto obrigatório como é por aqui. Se fosse livre, qual seria a diferença nos números? Talvez só os 30% aparecessem nas urnas. Mas talvez o povo pensasse melhor no que é votar, se é realmente necessário, e não visse essa atitude só como um tormento por ter de sair de casa e uma obrigação em escolher um candidato.

    Beijos.

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  4. Você é um fenômeno!!!!
    Eu tb escrevi um post gigante sobre as eleições, que agendei pra ser publicado neste domingo...
    Eu sempre gostei dos números, principalmente porque ali não tem erro. Gostaria que muitas vezes eu tivesse tanta certeza e tantos fundamentos nos meus próprios argumentos quanto 2+2 são 4 e sempre será.
    beijos

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  5. Putz, sensacional! Mal sabia Machado de Assis que seu texto ainda caberia muitos anos depois.

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  6. Gostei do texto, Anna. É uma pena que o texto se encaixe tão bem ainda nos dias de hoje, né? Sumi um pouco, mas estou de volta. Beijos.

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  7. ARGH! Sabe, eu não ia falar sobre política porque é meio como religião, sempre termina em merda e no fim ninguém concorda com ninguém. Mas tá na cara que estamos vivendo uma exceção. Acho ótimo que jovens como você e tantos outros se preocupem com o caminho que estamos seguindo, pois é nas nossas mãos que isso vai estourar mais tarde. Enfim, me rendi também a um post sobre as eleições, e quanto mais gente fizer isso, melhor!

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  8. É incrível como as palavras não tem prazo de validade, né?

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  9. Hey ^^

    Palavras sábias "...A constituição é para eles uma coisa inteiramente desconhecida." depois de ontem tenho que dizer que menosprezo uma nação por colocar um representante ao poder e eleger um palhaço (Tiririca) e digo com b minúsculo brasil tu és vergonhoso.

    Xoxo

    :: Loma

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  10. acho que de lá pra cá algumas coisas mudaram, mas o espírito é praticamente o mesmo.
    e machado de assis é sempre tão crítico e irônico que é difícil não se apaixonar por ele <3

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  11. Eu vou ser sincera: odeio votar! Acho que não deveria ser obrigatório, mas já que temos de fazê-lo, façamos-no com consciência. Aqui em Brasília não teve nenhum Tiririca da vida, mas não tivemos muitas escolhas porque a corrupção é "natural". Temos que votar no menos corrupto! :) Mas, comentando sobre o texto... Nada mudou, né?!

    http://thaisacorrea.com

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  12. Foi minha primeira eleição e senti vergonha. Não acompanhei muito as campanhas - não como de fato sonhava que seria a minha primeira eleição. Não gravei legenda de candidato, a nao ser aquela do meu partido - o Verde.
    Agora tem segundo turno e eu vou por obrigação. Sem querer. E Machado de Assis, tão atemporal, sempre acerta.
    Um beijo.

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  13. Faz tanto tempo assim, tem certeza?
    Bjitos!

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  14. Oi Anna,

    Realmente impressionante a "atualidade" do texto e infelizmente, dps de tantos anos, tudo continuar 'na mesma'.
    Eu nao posso dizer mto, pois nao faco a minha parte; estando aqui, nem votar eu voto.
    E sinceramente, seria uma [?] pra mim se tivesse ae.
    Infelizmente a maioria, trocam o voto por qualquer coisa (q eles julgam serem boas)!
    E enquanto isso acontecer, eu acredito que o Brasil nao vai melhorar mto; eu assisto jornal boba com o tamanho da desigualdade social.. e com isso da pra se ter ideia de onde os ladroes ganham seus votos.
    Enfim, so desejo que o vencedor dessas eleicoes REALMENTE faca alguma coisa pro pais e pro povo do pais melhorar! o povo melhorando, o pais melhora tb..
    Esperanca sempre.

    Beijos

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  15. É incrível como as palavras não tem prazo de validade, né? [2]

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