segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Anna and the dream of kittens

Eu poderia simplesmente começar esse post contando que essa noite tive um pesadelo lynchiniano realmente terrível e a partir daí contar sobre todos os pesadelos lynchinianos que consigo me recordar, mas não. Eu odeio essa mania pedante que as pessoas tem de transformar um nome em adjetivo, uma espécie de referência academizada da pior estirpe que, infelizmente, às vezes não pode ser evitada. Por isso, vou contar pra vocês o que é um pesadelo lynchiniano e vocês vão aguentar firme, porque essa história é cheia de gatos.

David Lynch é um cineasta cujos filmes são muito peculiares. Você bate o olho na tela por um minuto e meio e tem certeza absoluta que é um filme do David Lynch. Daí a necessidade desse termo babaca, o lynchiniano, porque essas idiossincrasias presentes nos trabalhos dele, com alguma sorte (ou não), se estendem para além da tela da sua TV - ou do cinema, pra quem tem coragem de encarar um Lynchão na telona - e a única forma de destacá-la adequadamente é se deparar com aquilo e dizer: meu Deus, isso é muito lynchiniano!

Gosto bastante do trabalho dele, mesmo, por mais que não entenda nada da maioria deles. Talvez por isso nunca tenha me aventurado a escrever sobre ele aqui - além da minha declaração de amor a Twin Peaks -, porque acho que pouca gente realmente se interessaria (mas ei, se você aí do outro lado tiver algum interesse em ler alguma coisa sobre isso, manifeste-se nos comentários, veementemente!). Assim, para ilustrar meu pesadelo lynchiniano, só preciso que vocês tenham em mente que o David Lynch adora brincar com aquela linha fina e faceira que separa a realidade do sonho, a vida real do delírio psicótico, a superstição besta do sobrenatural sangue nozóio. A linha narrativa dos seus filmes é extremamente frágil - quando ela existe - e você nunca pode confiar no que está vendo. Você também nunca deve ter a pretensão de entender tudo, porque, sinceramente, acho que ele coloca umas piadas particulares no filme só pela graça. Aquele anão que fala ao contrário pode ser a chave de toda a história, mas pode também ser simplesmente um anão que fala ao contrário. 

um espectro de cavalo, tipo, quem nunca?

olha, uma família de coelhos!
Agora que gastei meu léxico didático, vou forçar a barra e dizer que meu pesadelo dessa noite também pode ser uma coisa saída de um conto do Edgar Allan Poe ou, melhor ainda, de um episódio de Twilight Zone baseado em algum conto do menino Poe. Enfim, de vez em quando eu tenho esses pesadelos terríveis que são ruins não no estilo sonhar com a morte da mãe ou com a Samara puxando seu pé, mas assustadores no sentido de perturbadores do jeito mais viajado da coisa. Meus pesadelos lynchinianos invariavelmente envolvem gatos.

Não, não estou falando de gatos do naipe daqueles do post passado. Antes fosse. Falo de felinos, no sentido mais puro da coisa. Meu nome é Anna Vitória e eu tenho pesadelo com gatos. 


Isso faria todo sentido do mundo se eu tivesse medo de gatos. Se eu não gostasse deles. Se eu fosse igual a minha mãe que vive dizendo que gatos são traiçoeiros. Mas não. Eu até que curto os gatinhos. Prefiro cachorros sem pensar duas vezes, mas gosto dos gatos. Simpatizo com eles. Dou prosa pro gato dos outros - felinos, gente, felinos -, sento no chão pra fazer cafuné, sonho em esmagar - no melhor sentido da palavra - os gatos da Lia sempre que ela posta foto deles no Instagram (Tippy é meu favorito). Acho massa ser irmã da Pandora. Nada disso, contudo, me impede de ter pesadelos lynchinianos com gatos.

O primeiro que me lembro foi até engraçado. No caminho que faço pra ir pra aula de pilates tem uma árvore com uns galhos bem baixinhos, e eu sempre tenho que me abaixar pra passar por ela. No sonho, eu fazia esse movimento rotineiro e um gato simplesmente grudava na minha cabeça. Eu ficava gritando na rua e tentando tirar o bichano de lá, inutilmente. O outro foi mais engraçado ainda - e talvez por isso mais perturbador: sonhei que levei um tombo na sala de casa (até aí tudo muito normal, tudo muito bem) e eis que de repente vários gatos surgem do além e começam a se aconchegar em mim. Até aí, de novo, tudo muito bom, tudo muito bem. Francisco, o poodle, faz isso sempre. O problema é que os gatos não param de aparecer. Fui soterrada por gatos. E eu fico lá, imóvel, morrendo de medo de me mexer e algum gato me atacar. Nesse dia, acordei com o corpo todo dolorido, porque percebi que eu realmente estava imóvel e toda tensa. Dominique Bauby me entende.

Esse do soterramento por gatos foi bem ruim, mas acho que nenhum supera o que meu subconsciente preparou pra mim essa noite. Gatos surgiam do nada e entravam na minha casa pela janela. Eu e minha mãe conseguimos expulsá-los e fomos lacrar as benditas, confabulando sobre como era possível que eles tenham conseguido nos alcançar no quarto andar. Então, quando a tranca da última janela foi fechada, gatos surgiram no parapeito da janela da sala e a tela de proteção toda arranhada zombava da nossa cara. Fiquei lá encarando os gatos do outro lado do vidro, incapaz de fazer qualquer coisa, e quando finalmente viro as costas, ouço um barulho e vejo que os gatos misteriosamente passaram pro lado de dentro. Eram três, um preto, um cinza e um amarelo com manchas pretas. Pavor define. 

(GATOS! GATOS DO INFERNO! - ouço uma Analu gritando de longe)

Deitei no meu divã metafórico enquanto tomava banho e comecei a psicanalisar a mim mesma. A única conclusão plausível a que cheguei foi a que isso só pode ser um trauma muito, muito, muito entranhado da vez que resolvi dar uma de Felícia pra cima da Doce, gata dos meus tios, e ela me mostrou os dentes. Foi só isso e nada mais, mas vai que, né? 

Salem, o melhor e mais fake gato da televisão
Coincidentemente, semana passada assisti o "Fire walk with me", telefilme que o David Lynch fez como um apêndice de Twin Peaks. Da próxima vez que assistir a algum filme dele, vou reparar se sonho com gatos. Tento levar isso no melhor espírito possível - passei o dia cantando Saltimbancos (Chico Buarque e a criançada, vejam esse vídeo agora), por exemplo - mas isso não impede que agora, toda noite, peço a Deus que, além de me livrar do mal, etc e tal, também me proteja de todos os gatos. (insira seu trocadilho esperto de tio do pavê aqui)

13 comentários:

  1. SÃO GATOS, GATOS DO INFERNO! HAHAHAHA, ai, gente. Aquele template era muito non-sense. E eu gosto de ler sobre tudo o que você escreve, fiquei curiosa sobre esse post lynchiniano, tá? E Deus te livre dos gatos, que ninguém merece acordar soterrada por eles. Eu quero sonhar ser soterrada por Chicos, pode? Quero apertar aquela "delícia açucarada", Francisco, o poodle! HIHIHI
    E eu sei bem o que é passar o dia cantando Saltimbancos.. hahaha
    Beijos!

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  2. Gente, que texto sensacional é esse? HAHAHAHA

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  3. "Dou prosa pro gato dos outros - felinos, gente, felinos" HAHAHAHAHAHAHAHHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHHAHHAHAHAHAHAHA Amiga, apreciei muito a sua insistência em deixar claro que não dá prosa para gatos no sentido figurado da palavra, hahaha! Morri com esse texto, adoro os seus sonhos malucos! Mas o soterramento felino foi um pouco demais pra mim, que desespero! Meu conhecimento do Lynch se resume a Twin Peaks e acho que estou bem servida, mas adoraria um post detalhado sobre o tio, claro.

    Beijos!

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  4. HAHAHAHAHAHHAHAHA, que sonhos doidos!
    Quando você começou a falar que sua mãe e você iam fechando as janelas, veio um flash de um pesadelo que eu tive que envolvia a mesma coisa: fechar as janelas e todas as portas, que o ***** (não lembro o que era) não poderia entrar em casa. Mas era uma coisa meio filme de fantasma, e toda hora que eu achava que fechava tudo, vinha uma porta ou janela e estava aberta de novo.

    Por que, né?
    Podendo sonhar com outros gatos.

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  5. Acabo de descobrir que nunca assisti a um filme do David Lynch!!! Sempre confundo ele com o Fincher, daí o google me ajuda a decifrar que eu gosto é do FINCHER do Lynch eu só ouvi falar sobre! Parece ser uma pira muito doida, viu?
    Eu adoro quando você resolve fazer textos enormes e bem elaborados sobre assuntos aleatórios, acho que é onde você libera o melhor de si e o mais legal é que nunca fica chato, não importa o quão grande seja!
    Bem, obrigada por tirar sertanejos da minha cabeça e instaurar a música do Chico, que eu naturalmente vivo cantando, mas agora morrerei cantando porque ô coisa grudenta!
    E trate de me indicar alguns David Lynch aew que não gosto de ficar filmísticamente defasada, tá?
    Ah! Esses seus sonhos me lembraram o filme "Mulher Gato", adorava quando era criança...
    Enfim... Abraços apertados e torça para que minha criatividade apareça e eu seja capaz de escrever algo que preste porque estou surtando com a minha falta de criatividade, tá?
    <3

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  6. kkkkkkkkkk adorei seu sonho. Acho que já tive um sonho assim.
    Estava andando pelo corredor de uma casa da minha tia, e quando de repente vi um veado (animal) morto no chão, sangrando. Andei mais um pouco e tinha um porco, da mesma forma.
    Quando cheguei na cozinha da casa dela, ela estava matando e cozinhando um cachorro.
    Não sei o que significa, porque quando acordei lembrava da ordem dos animais, certinha, e apesar de mortos no chão, havia muitas pessoas na casa e nenhuma delas parecia se importar com a quantidade de sangue :S

    vou assistir um filme dele, assim, só pra me familiarizar, fiquei curiosíssima.

    obs: nova leitora fiel.

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  7. HAHAHAHAHA. morri.
    A nossa mente é uma coisa bizarra mesmo, né?
    Sempre tenho um pesadelo de que estou na beira de uma praia com águas calminhas e brilhantes do sol. De repente, não mais que de repente, o céu fecha, o mar se agita, vai todo para trás e começa a se formar uma ONDA GIGANTESCA. Quando penso em correr me deparo com um MURO que se formou atrás de mim sabe-se lá como. E aí quando o mar vai me atingir...eu acordo. EVERY TIME. Mas agora minha mente já está mais treinada. Agora quando sonho que estou numa praia bonita, no próprio sonho eu penso: "é cilada". HAHAHAHA.
    Vai saber. É por isso que eu vou fazer Psicologia. Para entender mais sobre o que se passa na nossa cabeça.
    Beijo! <3

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  8. como alguém pode ter pesadelos com gatos? come on!!!!!! http://mlkshk.com/r/IYMD

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  9. Freud explica, Anninha. Freud explica.

    Eu tenho um certo medo de gatos, acho lindos, mas meio que concordo om a opinião da sua mãe (que é exatamente a mesma opinião da minha). Sempre que existem gatos por perto tenho a impressão de que eles vão pular em cima de mim a qualquer momento e me arranhar dos pés à cabeça. Mas que eles são bonitos, são.

    Beijos.

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  10. Anninha, pelo amor de Deus, me promete que no encontrão a gente vai conversar sobre o David Lynch pra ver se eu consigo pelo menos pegar o fio da meada deste homem? kkkkkkkkkkkkkkkkkk eu assisti Twin Peaks (aquele da Laura Palmer - que nem sei se é dele) e Mulholland Drive. Desisti de David Lynch nesse ultimo aí pq quando o filme acabou eu pensei: "QUE PORRA FOI ESSA?" Tenho em mais alta conta quem aprecia, entende e gosta dos filmes do cara, eu ainda não cheguei nesse grau de sensibilidade. #sadbuttrue

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  11. Céus, eu não gosto de gatos. Se eu tiver um pesadelo desses é capaz de ficar dias sem dormir de novo! rs Mas psicanalisa mesmo, Freud deve explicar!

    Nossa, eu nem me lembrava mais do Salem, que lindo! Deu uma saudade de ser criança e assistir Sabrina...

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  12. Nossa, esse post me deu uma vontade gigante de rever Twin Peaks. Procurando agorinha para baixar...

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  13. Se Freud fosse explicar, provavelmente ele relacionaria essa abundância de gatos a uma projeção de que você está acuada com tanto assédio dos ga(ro)tos pra cima de você... #justsaying hahaha :*

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