Às vezes eu tenho certeza que é a nossa geração que vai ver bolas de fogo caindo do céu e presenciar o sol engolindo o único mundo que conhecemos e isso não só pelos alertas do Apocalipse; não porque estamos quase na metade de outubro e eu estou usando pijama de frio, meu roupão velho amarelo para quando o pijama de frio não é suficiente, meias três quartos e minhas mãos seguem geladas (isso não é, de forma alguma, uma reclamação); não porque eles resolveram mudar o logo clássico da Sessão da Tarde. É um pouco de tudo isso, mas é porque de uns anos pra cá as pessoas tem achado que crescer não é lá um bom negócio e tem pânico da passagem do tempo. Sei lá, quando penso na pessoa que eu era há cinco anos atrás eu dou graças a Deus pela passagem do tempo e espero seguir assim nos próximos cinco, dez, quinze ou cinquenta anos.
O negócio é que os cabelos e os peitos caem, mas a gente aprende um bocado de coisas. Aprende que no fundo nossos pais estavam certos, olha que coisa. Aprende que brócolis faz mesmo diferença na nossa vida. Aprende que você nunca vai conseguir ler todos os textos que te mandam ler na faculdade e para de perder o sono por causa disso. Aprende que quando sua mãe fala pra você levar um guarda-chuva porque vai chover, não adianta: vai chover. E, o que é muito importante, um dia você aprende que aquele momento engraçado pode não ser tão engraçado assim quando você vai contar pra alguém.
Eu era uma criança muito falante. Tão falante que minha avó costumava me chamar de maritaquinha, porque eu não calava a boca. E aí, nesses meus solilóquios da infância, eu adorava contar casos: eu ligava pra minha avó todo dia de manhã para contar pra ela o que eu havia feito desde a última vez que a vi (o que era, normalmente, o fim do dia anterior), que consistia basicamente em dever de casa, aula de balé e os desenhos que eu via de manhã. Eu passava boa parte da manhã contando esses casos pra ela, do mesmo jeito que eu contava para quem quer que fizesse contato visual comigo uma versão estendida (com comentários) do último filme que eu havia visto. Acho que chegou num ponto que as ouvidos dos meus pais se anestesiaram de tanto me ouvir, e eles só concordavam e emitiam grunhidos pouco significativos pra não correr o risco de eu pensar que eles não ouviram nada e resolver começar a história do começo.
E aí que eu frequentemente me frustrava quando as pessoas não achavam minha história tão engraçada quanto eu. Que meus pais não vissem graça naquela minha aula de inglês em que a Luiza jogou um estojo no Humberto, que abaixou a cabeça e deixou o estojo voar pela janela. Ele estava aberto e canetinhas voaram pela sala toda nesse meio tempo. Eu chorei de rir da cena, mas eles só sorriram, assentiram com a cabeça e seguiram em frente - o que faz muito sentido. Eles não conheciam minha turma de inglês, não sabiam nada sobre o Humberto, vulgo Yellow Duck, e eu não contava histórias tão bem para dar a eles a dimensão da cena, que foi de fato uma das mais engraçadas da minha infância.
Quando entrei no Orkut e encontrei a comunidade com o mesmo título deste post, percebi que essa frustração não era só minha. Eu não era a única que já tinha fracassado na hora de contar uma história engraçada para os outros e esse fenômeno não era um caso isolado ligado à minha pessoa. Para que uma história seja engraçada é preciso ou que a pessoa tenha conhecimento do universo ao qual você se refere - sabe quando um amigo começa a te contar sobre o vexame de algum outro amigo e você já está gargalhando antes de ouvir o fim da história, porque consegue imaginar ela acontecendo na sua cabeça? - ou que você seja realmente muito bom de contar caso.
Dica: a maioria das pessoas não é, basta analisar a proporção extremamente desigual de filmes de comédia bons com relação aos extremamente idiotas. Da próxima vez que assistir a uma comédia enlatada americana pense que ela é sua versão cinematográfica tentando fazer alguém rir com aquela história da festa de fim de ano da firma.
Escrevi esses seis parágrafos para chegar apenas agora no meu ponto principal: uma das situações limite da vida de qualquer ser humano nem é contar uma boa história engraçada, mas sim ser obrigado a ouvir a uma história sem graça e ter que fingir que ela é hilária para não deixar o coleguinha sem graça. É claro que sou alvo fácil pra essas pessoas e com uma frequência assustadora tenho que ouvir esses casos absolutamente banais que a pessoa na minha frente se contorce de rir enquanto conta. Eu não duvido que no momento tenha sido realmente engraçado e me compadeço pelo espírito cômico que se perdeu em alguma dimensão desse universo que eu nunca vou chegar a conhecer, mas isso não muda o fato de não estar engraçado.
Quis escrever sobre isso porque essa semana minha mãe foi a um aniversário e voltou me contando sobre as conversas da mesa, todas muito divertidas e nenhuma que me fizesse rir. E ela me contava, imitava os trejeitos dos personagens, reproduzia os bordões da noite e eu sorrindo e acenando, torcendo para ela não perceber que por dentro eu observava um macaco bater pratos na minha cabeça. O problema é que eu sou péssima nisso: meu rosto é transparente e eu não sei fingir emoções, de modo que ela logo viu que eu não estava achando graça nenhuma e se irritou comigo, dizendo que eu estava irritadinha e que depois ela terminava de me contar. Fiquei triste porque depois de tantos anos me ouvindo falar sem parar minha mãe merecia ter suas histórias sem graça ouvidas, mas também fiquei aliviada porque não aguentava mais forçar uma gargalhada.
Pensei nisso tudo na noite de segunda, logo depois do ocorrido, antes de dormir e realmente tinha achado uma situação engraçada, mas agora, no nono parágrafo, vejo que claramente me enganei. Em minha defesa eu só tenho a dizer que na hora, aqui na minha cabecinha, eu juro que foi engraçado.
Ai, esse realmente é um aprendizado de vida. E eu, que provavelmente consigo falar ainda mais que você, já me deparei, um milhão de vezes, com sorrisos amarelos frente a algo que havia acabado de contar chorando de rir. Quantas milhões de vezes já não disse "Na hora foi engraçado, tá?" e terminei querendo sumir de tanta vergonha. Uma coisa que eu já ouvi alguém dizer, e que foi até parar no texto da peça: "Um sonho são 3 minutos de tédio", e acho que as histórias engraçadas que a gente tenta contar também são. Ando exercitando: Só conto pra quem conheça o contexto. Todas as histórias da máfia que tentei contar pra minha família terminaram com 3 pessoas me olhando de olhos arregalados e procurando a graça embaixo da mesa, ou atrás de algum copo. Desisti! Já que não sou boa em contar as tais histórias, melhor escolher melhor meu público alvo! HAHAHAHA.
ResponderExcluirEu ainda não consegui me desfazer de contar histórias engraçadas que acabam sendo sem graça para os outros. É realmente um problema, Anna. Acho que estou abalando e no final as pessoas ficam me olhando com cara de "por que você tá contando isso, Larissa?" e depois, quando vou refletir, morro de vergonha.
ResponderExcluirMas é realmente uma situação péssima não achar graça nas histórias dos outros e eu realmente solto sorrisos amarelos. Não sei corresponder direito. Já passei por situação semelhante com o meu pai, forcei risada até e acho que ele percebeu, mas nada disse.
Acho que vou pensar duas vezes antes de contar uma história. HAHA.
beijos, annoca!
Como não se identificar com esse texto? Sou uma maritaquinha até hoje. Todo dia que eu chego da faculdade, conto como foi meu dia em mínimos detalhes. Aqui em casa ninguém aguenta mais minha pessoa que não só não para de falar, como fala alto. Eu também não sei expressar emoções direito, quando alguém me conta algo que não vejo a graça, tento forjar um riso, mas acho que nunca consigo fazer algo convincente. Só espero que ninguém tenha percebido.
ResponderExcluirahhhh meu Deus, estou me acabando de rir de todas essas mil situações, olha você desvendou algo que jamais refleti e tens razão, só é engraçado quando os ouvintes conhecem os personagens da história, ah e por falar de histórias de infância, a mais engraçada da minha vida foi a da coitada da Daniela que depois da chuva, a inteligente (sqn) da professora deixou a gente brincar no parquinho (de areia!) e a teimosa da Daniela insistiu em balançar no balanço de pneu, claro que ia dar merda, tinha uma poça enorme de lama embaixo do balanço, ela caiu como uma jaca, sploft!
ResponderExcluirOlha nem sei porque estou contando isso, mas todas as vezes que ouço falarem de histórias engraçadas lembro-me dessa.
Fiquei com dó da sua mãe, isso porque ás vezes me saio muito bem fingindo rir do que a minha me conta.
E como assim, mudaram o logo centenário da Sessão da Tarde? Esse é o fim do Mundo mesmo...
Enquanto lia seu post, ontem à noite, minha mãe me contava a história sobre uma colega de trabalho que havia comprado um celular pro filho, era surpresa, ele descobriu e por aí vai. Ela ria horrores, eu li esse post enquanto ela ria, cada vez mais e: tamo junto.
ResponderExcluirSempre que venho pra cá isso acontece, e eu tento de todas as formas disfarçar pensando em cenas vividas por mim pra rir e não parecer falso, mas nem sempre consigo. Ontem ela ficou chateada, disse que eu mudei e o drama tava pronto.
Será que quando eu for mãe vou conseguir fingir melhor? Porque não quero que meu filho chegue da escola contando algo engraçadíssimo e eu faça o que fiz ontem com minha mãe, haha!
Tem algumas histórias da máfia que realmente não fazem nenhum sentido (tenta explicar pra alguém que a Irala se informa, tenta), mas tem algumas que consigo encenar, faço vozes e no fim as pessoas riem. Não sei se de pena, mas já ouvi um "nossa, você é muito engraçada contando histórias" tantas vezes que acabo acreditando. A única pessoa que não me engana é MB, que já tem uma expressão pré-definida de rindo forçado pra uma história péssima, então quando começo a contar e já vejo que ele está rindo assim, paro logo. Aff. E eu aqui rindo ouvindo histórias de alunos.
ResponderExcluirUm dia desses cheguei a essa conclusão com ele: que parte de um relacionamento sólido é perguntar como foi o dia do outro e ter uma sessão de histórias desinteressantes, mas que a gente se interessa, pq, né?
Outra coisa que lembrei foi de um tio meu que amo muito, que toda festa de aniversário ou reunião social é o rei dessas histórias sem graça, e mestre em contar filmes que nem são engraçados morrendo de rir. Desnecessário dizer que ele narra o filme inteiro até o fim, né?
Disso que a vida é feita.
Beijo!
Eu não posso negar meu sorriso de contentamento ao ler a frase: "Escrevi esses seis parágrafos para chegar apenas agora no meu ponto principal". Até hoje, na blogosfera, sempre pensei que eu fosse o único que precisasse de uma pá de parágrafos introdutórios para conseguir finalmente atingir o assunto que me levara a escrever.
ResponderExcluirE, bueno, como escritor de humor preciso dizer que entendo perfeitamente essa questão de uma história ser engraçada para mim, mas não para os outros. Diria até que esse é um critério pontual nas minhas decisões de publicar ou não uma crônica em meu blog, já que de uns tempos para cá tenho primado por histórias cujo ponto central seja a comicidade. É justamente por conta disso que já deixei de relatar histórias hilárias da minha vida uma porção de vezes, pois ao analisar friamente a maneira de contar percebi que não teria a mesma graça. Faz parte da vida.
Um abraço!
PS: Tu é realmente boa escrevendo, vou favoritar teu blog.