terça-feira, 1 de julho de 2014

Esse hábito de sofrer

Do pré até a oitava série, estudei com um garoto que aqui chamaremos de Jonas Alexandrino. Uma das coisas mais relevantes que se pode dizer sobre o Jonas Alexandrino é que ele era corintiano, realmente corintiano, literalmente desde criancinha. Não lembro muito das outras inclinações futebolísticas da minha turma na época, só sei que tinham muitos flamenguistas, alguns cruzeirenses, e que Jonas Alexandrino, se não fosse o único corintiano, era o mais zoado deles. E, por mais que eu tivesse meus motivos para querer zoar o Jonas Alexandrino e achar que ele merecia um pouco do deboche, eu admirava a lealdade quase estoica com que ele suportava a encheção de saco e ainda se orgulhava do seu time. Pedro negou Jesus três vezes, e mesmo quando o Corinthians foi rebaixado, o Jonas Alexandrino foi pra escola com a camiseta do time embaixo do uniforme. 

Eu e ele nunca nos demos bem e brigamos em todos os oito anos que estudamos juntos, mas eu sempre achei o máximo a sua relação com o time, que acabou se estendendo pra uma admiração pelos corintianos em geral. 

Nunca tive muita paciência pra acompanhar o futebol brasileiro, e minha família nunca foi disso. Por isso, nunca tive um time do coração. É isso que eu dizia pras pessoas quando o papo era futebol, mas a verdade é que eu não me achava capaz de suportar a prova sofrida de lealdade que é torcer pra alguém. Por muito tempo fui dessas que torcia pra quem estava ganhando, e comemorava como se tivesse sido criada enrolada numa bandeira, mas bastava um revés no jogo para que esse romance subisse no telhado e eu terminasse tudo por SMS.

Não me orgulho disso, mas também não me condeno. Eu demorei a perceber que, no futebol, sofrimento é a regra, e nunca a exceção, e ninguém nasce gostando de levar na cara, muito menos por vontade própria. Um dia comentei com amigos que eu gostava muito do Corinthians porque as tragédias dos seus torcedores beiravam a poesia, e eu sou totalmente a favor dessas poesias involuntárias que a gente encontra na esquina de casa ou esquecida na arquibancada, por mais forçadas que pareçam. 

O que eu só percebi com essa Copa é que sofrer e suportar não é privilégio ou sina dos corintianos, mas sim um verso tão universal quanto Vinícius falando de amor.

Ajuda Luciano Felipão

Essa é a primeira Copa que eu acompanho todos os jogos, na medida da minhas possibilidades. Isso significa que eu assisti quase todos até agora, mesmo, acho que perdi uns 5. E o que eu percebi foi que o jogo de qualquer seleção, mesmo um Irã contra Nigéria, me dava mais prazer do que ver um jogo do Brasil. Aliás, até agora, não fiquei bem em nenhum dos jogos do Brasil, são sempre os piores dias da semana. A culpa disso não é do Felipão, nem do Thiago Silva ou do Paulinho, mas foi minha postura que mudou. Pela primeira vez, acho que estou me entregando de verdade aos jogos e passo 90 minutos (ou mais) no limite entre a glória e a desgraça. 

Perto do final da partida, eu me preparei pro sofrimento que me engolfaria por inteiro, como havia acontecido no jogo contra o Swindon. Estava com quinze anos, e cair no choro não era uma possibilidade como fora em 1969; eu me lembro de ter ficado com as pernas levemente bambas quando soou o apito final. Não lamentava pelos outros torcedores ou pelo time, mas por mim mesmo, embora perceba, hoje, que todo o sofrimento com futebol é assim. (...) parece inconcebível, ali, que algum dia a gente vá se permitir ficar tão vulnerável outra vez. Sentia que não tinha mais coragem de ser um torcedor. Como encarar uma coisa dessas de novo? Será que eu ia ser obrigado a voltar a Wembley a cada três ou quatro anos, o resto da vida, pra me sentir daquele jeito?

{Febre de Bola - Nick Hornby, pg. 96}

No jogo do último sábado, eu sofri como nunca. Assisti o jogo com amigos e tinham mais ou menos umas 15 pessoas na festa. Dessas 15, só umas quatro estavam realmente se importando com aquilo - o resto tava ali pela farra, torcendo pros feriados no meio da semana não acabarem, no máximo. Eu não abri a boca nem pra gritar da segunda metade do segundo tempo até o fim da prorrogação, e quando aquele chute do Chile bateu na trave faltando dois minutos pra prorrogação acabar, eu senti uma tristeza tão genuína que meus olhos encheram de lágrima. Minha amiga, uma das quatro que se importavam, pegou no meu braço e disse assim: se tivesse entrado a gente tava fora. Engoli essa ideia como se fosse um tijolo de gelo, que só foi derreter sábado a noite, e que voltou a se solidificar hoje. Sexta-feira tem mais e ninguém sabe onde isso vai dar, e eu não sei se tenho coragem de passar por isso de novo, se eu quero mesmo fazer isso comigo.

Somos Todos Thiago Silva
É claro que eu quero, é claro que eu vou, porque a essa altura, já estou por demais envolvida com a competição para simplesmente deixar pra lá, e tenho sentido um estranho orgulho de mim por isso. Tenho lembrado muito do Jonas Alexandrino e o admirado ainda mais, a ele e a todos os outros meninos e meninas com quem eu estudei, que tão cedo tiveram essa elevação espiritual para se jogar de cabeça num hobbie tão sofrido, sem medo de ser infeliz. Precisei de vinte anos pra chegar até aqui e descobrir que se envolver é sempre melhor do que observar de longe, apesar de não ser exatamente confortável e emocionalmente saudável.

E esse hábito de sofrer, que tanto me diverte, é doce herança corintiana. 

Tinha descoberto, depois do jogo com o Swindon, que lealdade, ao menos em termos futebolísticos, não era uma escolha moral, como a coragem ou a bondade; parecia mais com uma verruga ou um caroço na pele, algo com que a pessoa acaba tendo que conviver.

{Febre de bola - Nick Hornby, pg. 51}

11 comentários:

  1. Primeiro preciso dizer que estou de mal com Thiago Silva desde o último jogo. Sou filha de um cara que foi capitão por três anos e sei que capitão não se isola da equipe quando a porra fica séria. Mas enfim, paciência.

    Esse último jogo do Brasil foi toda uma experiência de paixão escancarada. Eu solucei de chorar quando a bola chutada pelo chileno bateu na trave. Juro por Deus. Parecia que eu ia ter um treco. Talvez por essa ser a Copa que mais me envolveu em todos os tempos, eu fiquei MUITO feliz em saber que a gente ainda teria um próximo jogo.

    É um sofrimento que a gente escolhe ter, mas que traz milhões de coisas boas no pacote. O meu texto que o diga.

    Bexos, amiga <3

    P.S: Ainda me ame, mas super abandonei Febre de Bola e nem seus trechinhos me persuadiram a voltar =/ Pra falar bem a verdade, nem de Alta Fidelidade eu gosto tanto assim... Maaas acho que vou tentar Uma Longa Queda um dia desses.

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  2. Bem vinda ao clube dos admiráveis torcedores sofredores de futebol! Não sei exatamente em que lance passei de torcedora-porque-papai-quis-assim pra torcedora-sofredora-apaixonada-pelo-Palmeiras, mas foi em algum momento entre as duas vezes que o Verdão foi rebaixado para a série B. Sei disso porque, da primeira vez, eu mal me importei. Pensei "ah, que saco, vou ter que aguentar a zoeira agora". Da segunda vez, eu chorei. Mas ambas as vezes, eu fiz questão de usar a camisa do Palmeiras no dia seguinte porque, não importa, meu coração vai ser sempre alviverde. ♥ Futebol é maravilhoso por causa disso: não faz o mínimo sentido.

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  3. Não é de hoje que eu sou apegada a futebol mas ultimamente não vinha tendo tempo pra acompanhar as competições do meu time do coração que é o SPFC, também não sou torcedora de berço, meus pais são palmeirenses, em algum momento na minha pré adolescência resolvi ser tricolor de coração, talvez herança do meu primeiro amor. mas eu sempre gostei de assistir a seleção, mesmo que fosse só amistoso. Sou dessas que é técnico de sofá, que critica a substituição e a escalação, tenho meus xodós no time (Oscar, David, Marcelo, Thiago, diga-se de passagem) e sofri demais nesse jogo, no fim da prorrogação, quando eu vi Thiago chorando eu já não segurei as lagrimas, e chorei na primeira defesa do Julio, e no primeiro erro do Willian, e na ultima bola na trave. (meu deus como esse assunto me inspira e me da vontade de escrever) O que eu mais admiro no futebol e nos esportes em geral é intensificação dos sentimentos, eu, tricolor paulista me emocionei vendo a comemoração do titulo da libertadores do santos, porque eu vir a alegria a emoção e a amizade entre os jogadores, e o que mais me emocionou nesse jogo contra o chile foi, isso o abraço emocionado entre o Julio e o David, entre o Deymar e o David, A entrevista do Julio e as lágrimas do Thiago que pra mim mostram o quão é importante pra eles defender a canarinho (acho que ninguém vai ter paciência pra ler o texto todo assim do jeito que está está por isso vou parar por aqui, porque se eu começar a falar do SPFC não paro mais kk) enfim, seu texto me inspirou, fazia tempo que queria falar sobre isso, parabéns e obrigada :))

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  4. Caraca, que texto!!!
    Acho bonito esse povo que sabe sofrer pelo time, que veste a camisa mesmo e não é torcedor por conveniência (como eu era). Faz 8 anos que sou torcedora do São Paulo e já tive a fase do fanatismo (pagava sócio-torcedor e tudo!), mas nada se compara à essa Copa do Mundo. Torcer pelo Brasil é, de fato, angustiante.

    Ontem (01/07) assistindo Jornal Nacional eu comentei com meu marido: "caraca, já tô começando a ficar angustiada para sexta-feira" e botava os dedos em cima do coração, como a "Carminha" de Toma lá, da cá. Sei se aguento tanto sofrimento não...

    Assim como você, descobri que torcer até perder as unhas é um bocado bom. Parece pouco saudável, mas é bom.

    Adorei mesmo o texto!

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  5. Louqueei demais! Li o texto, amei, e não mimei? Bem doida. Mas enfim, amiga, como eu te disse, estou completamente com você nessa. Aproveito muito mais a Copa fora de jogos do Brasil. Inclusive, toda hora que lembro que tem jogo do Brasil na semana o meu estômago enrola, e isso é tudo novo pra mim também. Antes eu curtia Copa e tudo mais, mas não passava por essas coisas, não sofria legitimamente, sabe? E agora, só de pensar tenho calafrios. Que Deus nos abençoe nesse jogo, porque olha, to quase comprando um desfibrilador para casos de emergência. E to deveras preocupada com essa nossa semana de crônicas copísticas, porque meu post de hoje era bem sobre essa vibe de sofrer e parece que eu copio tudo o que você lança, beijos. HAHAHAH
    Te amo! <3

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  6. Muito massa seu texto Anna!! Ta de parabens msm!
    Ps: Acho q eu conheço o Jonas Alexandrino! Hahahaha

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  7. Jonas Alexandrino kkkkkkk
    kkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

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  8. Oi. Conheci seu blog há pouco tempo e venho acompanhando seus posts, principalmente esses da Copa. Também li Febre de Bola do Nick Hornby e acho que deveria ser leitura obrigatória nessas épocas. Sou torcedora do Botafogo, e me identifiquei muito com o Nick, se é que você me entende. Seus textos são ótimos.O blog está de parabéns.

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  9. Hum, talvez eu comente em todos de uma vez só.

    Eu aprendi a sofrer por futebol porque precisei. Meus pais torcem pro Grêmio, meu irmão torce pro Grêmio, entrei na onda e também torço pro Grêmio, ainda que ninguém tenha me obrigado a vestir aqueles tiptops temáticos quando eu era bebê nem nada assim. A coisa com o Grêmio é que entre 2007 e 2011, por aí, eu acompanhava de verdade. Mas a fase da glória real e verdadeira veio bem antes e eu não cheguei a acompanhar. Em 2007 a gente foi vice da Libertadores. Em 2008 a gente foi vice do Brasileirão. E ser vice é um grande balde de água fria, principalmente quando, depois de chegar numa final contra todas as expectativas, você passa a acreditar de verdade.
    Nos últimos anos, perdi completamente o interesse, e nunca mais tinha visto torcer como um evento. Por isso fiquei felizona com essa Copa. Porque voltei a torcer, a me importar e a amar torcer. Com o sofrimento a gente até aprende a conviver, mas nunca se acostuma. Tem sempre uma pontinha de esperança que aparece, mesmo contra a nossa vontade. Mas se tem sofrimento, tem o lado maravilhoso, que é compartilhar tudo aquilo com outras pessoas que se importam tanto quanto você. Mais do que ver a vitória do meu time, eu esperava pelo momento em que todo mundo aparecia na escola no outro dia vestindo a camisa por cima do uniforme, enrolado numa bandeira ou coisa assim.

    Amei esse texto também! (E desculpa por escrever essas bíblias).

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  10. Oie, tudo bem?

    Eu já fui completa a absolutamente viciada em futebol. Eu era cruzeirense, e o meu sonho era assistir uma partida entre Cruzeiro e Atlético no Mineirão (meu pai é atleticano doente haha!). Com 10 anos de idade, até impedimento eu sabia o que era haha! Mas a minha paixão chegou em um limite um tanto inadequado, e não achei que o sofrimento estava valendo alguma coisa. Torcer para a seleção brasileira então era outro nível, mas depois da Copa de 2006, fiquei bastante desiludida e parei de acompanhar tudo, me tornando praticamente uma alienada quando o assunto é futebol. Eu nem pretendia assistir aos jogos desta Copa, mas acabei conferindo o primeiro jogo do BR só pra não ficar tão por fora, e só isso já foi o suficiente. Esse jogo das oitavas então foi coisa de outro mundo, já que até então por mim tanto fazia quem ganhasse. Mas acho que o pensamento de ser desclassificado nas OITAVAS pelo CHILE me deixou muito aflita nesse jogo. Nem olhei para a TV na hora dos pênaltis, porque era demais pra eu conseguir lidar, e como estava sozinha, não queria correr o risco de precisar ir pro hospital. Horas depois do fim do jogo e eu ainda estava ansiosa e com a respiração acelerada. Amanhã tem quartas de final contra a Colômbia e ainda não descartei marcar um cinema pra esse horário, porque não sei se vou dar conta de lidar com tanta emoção haha!
    Bjs

    PS: eu acho admirável a paixão e lealdade dos corintianos pelo time, e acho que é justamente por isso que é tão divertido zoá-los ;D

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  11. AI MEU DEUS ANNA VOCÊ ESTÁ SE TRANSFORMANDO NO NICK HORNBY!!! Gostei muito dessa crônica! É muito sofrimento e não sei o que seria de mim no jogo passado se eu não tivesse afogado todo meu sofrimento na comida de bar que eu não parava de engolir desesperadamente!

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