terça-feira, 19 de agosto de 2014

Vamos todos morrer mesmo

Ano passado eu meio que vi um show do Flaming Lips. Digo meio que porque boa parte dele eu passei andando na lama de braços pra cima em busca dos meus amigos, e outra considerável eu gastei me certificando que um desses amigos não ia desmaiar. Ah, os festivais de róque! Sobrou pouco tempo para admirar Wayne Coyne que aquele bebê bizarro que eu não entendi até agora, mas consegui bater palminhas e cantar "Yoshimi Battles The Pink Robots" e ouvir a minha música favorita da banda ao vivo. A música, no caso, é "Do You Realize??", e logo na primeira estrofe ela já manda: do you realize that everyone you know someday will die? 

Nisso, um avião passou voando sobre nossas cabeças, o que fez com que o vocalista nos mandasse acenar pras pessoas lá de cima, pra depois refletir que olha que legal, em algum lugar do mundo, em algum momento, um acidente de avião iria acontecer e matar um monte de gente. Do you realize?


Olha Coyne, eu até entendo onde você quis chegar. Afinal, sua música mais bonita fala justamente que a gente precisa se ligar que vamos todos morrer em algum momento e que é melhor aproveitar o agora pra fazer e dizer tudo, antes que seja tarde. Eu entendo, eu juro. Mas mesmo assim, achei bem desnecessário na hora, e num momento como esse, voltei a pensar nessa parte do show e achei mais dispensável ainda. 

Eu não tenho medo da morte. Medo de morrer, como o Gilberto Gil, talvez. Assim como a maior parte das pessoas, eu não quero que doa, nem que seja embaixo d'água, e peço a Deus que seja breve. Mas esse medo do fim, juro, não tenho nenhum e inclusive acho que deve ser ótimo - se os mortos falassem, aposto que recomendariam. Isso não me impede, no entanto, de sentar na janelinha da locomotiva dirigida pelo Bergman e copilotada pelo Woody Allen que faz com que eu passe mais tempo do que deve ser considerado saudável pensando sobre a morte.


Talvez por isso eu tenha me enfiado nessa piscina de cilada que foi esse último período num projeto que durou o semestre inteiro justamente sobre morte. Foi muito tempo pesquisando sobre ritos de morte diversos, falando no telefone com agentes funerários, visitando cemitérios e indo parar em  mostruário de caixões. Uma bad vibe como nunca antes vista, até mesmo pra quem, como eu, consegue inserir alguma piada ou trocadilho envolvendo morte em duas de cada três frases diz (imaginem só a enxurrada de constrangimento entrevistar a gerente de uma funerária estando nervosa e sem conseguir parar de ser inapropriada por um segundinho só?).

E aí que numa dessas madrugadas gastas com o trabalho mórbido, achei que era justo fazer um mix temático pra embalar a reta final do projeto. No começo era uma brincadeira com meus amigos, mas quem pensa muito sobre morte acaba tendo um acervo bem impressionante de músicas sobre morte & mortos na biblioteca, ainda que não seja de propósito. Foi assim que surgiu essa mixtape, e achei interessante perceber o modo como várias dessas letras me ajudaram a construir um bocado da minha concepção pessoal sobre o tema e até a lidar melhor com ele. 

No entanto, preciso dizer que essa não é uma mixtape triste. Reflexiva talvez, melancólica também, mas triste eu juro que não é - ao menos não muito. São músicas que fazem pensar, como a letra do Lestics que conta a história de uma moça que consegue ver como todo mundo vai morrer, mas ninguém se interessa por suas visões, mesmo que seja uma premonição bonita. Ou então quando a Jenny Lewis coloca a vida moderna em perspectiva e diz que nossas ambições pequeno-burguesas não fazem muito sentido quando a gente pensa que vai morrer um dia, lá em "Pictures of success". Algumas falam sobre quem já morreu, como na despedida de Elton John em "My father's gun" (que é trilha de Elizabethtown, um filme supimpa que aborda o tema), ou na música mais deliciosamente triste do mundo, que o Paul McCartney escreveu para o John Lennon depois que este morreu. Beatles está ali porque essa música, pra mim, é a trilha sonora perfeita pra um funeral desses de filme, e Shout Out Louds é bem mais banal e sonha com a morte só pra dar um sossega nas ideias erradas da cabeça.

Sei que o tema é espinhoso, mas eu juro que as músicas estão boas. E sempre que estiverem se enfiando em piras improdutivas sobre o assunto, lembrem do que diz o Wilco: please don't cry, we're designed to die - e siga em frente.



01 Do you realize?? (The Flaming Lips)
02 I will follow you into the dark (Death Cab For Cutie)
03 Dom desnecessário (Lestics)
04 Don't lie (Vampire Weekend)
05 Pictures of success (Rilo Kiley)
06 I do believe (Drive-By Truckers)
07 Wish I was dead pt. 2 (Shout Out Louds)
08 Here today (Paul McCartney)
09 Learning how to die (Jon Foreman)
10 My father's gun (Elton John)
11 Rockstars and cigarettes (Beeshop)
12 Canção pra você viver mais (Pato Fu)
13 Last kiss (Pearl Jam)
14 There is a light that never goes out (The Smiths)
15 On and on and on (Wilco)
16 The long and winding road (The Beatles)
17 It just is (Rilo Kiley)

5 comentários:

  1. Eu fico muito mais "presa" nesse mundo por conta das coisas que eu vou deixar: Livros,
    Discos e Sonhos, Família,Amigos e Futuros amores... Do que pelo medo da Morte sei,lá prefiro morrer do que ver os meus pais morrendo (mesmo sendo o natural...) ou as pessoas que gosto morrendo...

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  2. Claro que eu fui correndo procurar se tinha "There is a light that never goes out", porque se não tivesse eu já ia reclamar sua ausência. HAHAHA. Eu colocaria também "slipped away", da Avril, que fala sobre a morte do avô dela. E talvez eu tivesse colocado "Oitavo andar". Não conheço quase nenhuma dessas (sou eu), mas a morte realmente tira a gente do prumo, né? E morri de rir com você falando que as pessoas mortas possivelmente recomendariam morrer. Talvez. Mas que eu morro de medo, morro. Morro de medo da passagem, do desespero de se saber morrendo, tenho medo de doer e tenho medo de simplesmente não estar mais aqui, embora acredite na vida após a morte. (Será que lá eu posso continuar lendo? HAHAHAHA, infame e fútil). Beijos, te amo! <3

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  3. Ah, deu maior vontade de ouvir a mixtape. Adorei o tema!
    Não que eu adore esse tema, mas ele me intriga muito. Eu penso bastante sobre isso mas não tenho medo sabe? Eu só penso como deve ser estranho e tal. E também gosto de ver séries e filmes que tratem sobre esse assunto, e músicas entao... Tendem a ser muito boas.
    Beijo
    http://www.deborabp.wordpress.com

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  4. Oie, primeiramente tenho que falar que adoro seu blog e seus textos. Parabéns! Segundo, a mixtape está maravilhosa. Só acrescentaria The Funeral de Band of Horses. =D

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  5. Sua lista me ganhou por causa de Death Cab For Cutie e a melhor banda de todos os tempos segundo a minha opinião, The Smiths <3
    Morte é uma tema bastante polêmico e sua postagem me lembrou um trabalho de Teoria Literária da faculdade. Curso Letras e um professor, uma certa vez, pediu que no trabalho final todo mundo escrevesse sobre algo que ama. Minha amiga escolheu a morte e linkou com várias músicas e livros e meu professor pra lá de filósofo, deu dez HAHA Talvez seja um comentário bem nada a ver, mas seu post me lembrou muita essa situação. Talvez seja porque nem todo mundo consegue escrever e falar abertamente sobre morte sem puxar para o lado negativo e arregalar os olhos. Mas parabéns, ficou bem escrito e lúcido. Eu adorei <3 Como todos os seus textos, é claro!
    Beijos!

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