domingo, 19 de fevereiro de 2012

O retrato de um personagem qualquer na minha cabeça

Meu incrível professor de Literatura do terceiro ano disse uma vez que a gente devia tentar sempre fugir das adaptações cinematográficas antes de ler o livro de referência para não cairmos no comodismo de associar o rosto dos atores aos personagens da história, o que nos roubaria o exercício importantíssimo de construí-los em nossa imaginação utilizando das referências contidas no livro. Isso me fez pensar sobre a forma como costumo enxergar os personagens dos livros que leio, e me deixou curiosa a respeito de como os outros o fazem.

Na minha cabeça isso acontece, na maioria das vezes, de forma totalmente espontânea e aleatória. São raríssimas as vezes nas quais eu consigo, de fato, construir uma fisionomia a partir do que o livro me conta. Quando lia Harry Potter tinha uma dificuldade absurda para conseguir arrumar um rosto para aquele monte de personagens com características peculiares. Até peguei raiva de alguns por simplesmente não conseguir "enxergá-los" e é por isso que os filmes sempre me foram um alívio muito grande. Pode até ser que já receber os rostos e estilos de bandeja esteja me privando de uma parte importante do exercício que é a leitura, mas só quem já tentou desesperadamente, sem conseguir, criar um personagem na cabeça, sabe do que eu falo. 

Em sua resenha de As Meninas, da Lygia Fagundes Telles, a Luh escreveu que as personagens principais são tão bem construídas e cheias de detalhes que ela até conseguiu imaginar um rosto para cada uma, coisa que não é seu hábito. Como viver num mundo onde não se consegue enxergar a cara que os personagens têm? Não sei como funciona com vocês, mas enquanto eu leio, imagino a história acontecendo como um filme na minha cabeça. Vai ver que é por isso, pela minha imaginação preguiçosa, que eu sempre fui muito mais fã de literatura realista do que fantástica. Aliás, acho que Harry Potter é a única fantasia que eu amo de verdade; de resto, minhas predileções literárias costumam ter os pés muito bem fincados no mundo que eu conheço. Sendo perfeccionista como sou, acabo entrando numa obsessão para criar perfeitamente os cenários e criaturas da forma como são descritos, e quando não consigo projetá-los uma ideia abstrata qualquer me frustra. E me cansa. É triste confessar isso, dá uma sensação que o sonho acabou, mas o que fazer?

O mais curioso nessa história de personagens são os critérios que arranjo para definir como cada um é. Pra ser sincera, são pouquíssimas as vezes em que eu tenho autonomia para decidir alguma coisa. Funciona assim: eu começo a ler, o personagem começa a ganhar vida na minha cabeça, e de repente ele recebe o rosto de alguém. A escolha pode ser por causa do nome, de alguma característica em particular, ou por algo totalmente aleatório e sem sentido. Às vezes acontece da descrição do livro não ter nada a ver com o rosto que eu "escolhi, e, por mais que eu tente mudar, uma vez que o destino foi selado não existe caminho de volta.

Engraçado é quando o personagem do livro ganha o rosto de alguém que eu conheço. Quando li O Amor Nos Tempos do Cólera, por exemplo, Florentino Ariza ganhou o rosto de um cara que frequenta a minha igreja e com quem eu nem costumo conversar. Lembro bem de uma vez, quando estava lendo o livro, que cruzei com ele no corredor e tive uma sensação muito estranha, como se estivesse mesmo diante do próprio Florentino, e foi tão forte a impressão (vai ver porque foi um livro que me marcou demais) que até olhei ao redor em busca do seu guarda-chuva preto. Já Fermina Daza foi a Penélope Cruz durante o livro todo, até mesmo na velhice - e é nessas horas que o perfeccionismo me corroi. Falando do Gabo, quando li Cem Anos de Solidão a maioria dos habitantes de Macondo ganhava vida nos rostos dos personagens da novela Cordel Encantado, sendo o primeiro José Arcádio o Capitão Herculano, e Jesuíno, o Coronel Aureliano.

Às vezes ocorrem coincidências do personagem da minha cabeça "ser" o ator que o interpretará num filme. Quando li One Day, antes de saber que haveria filme, Emma Morley tinha a cara da Anne Hathaway, embora no início eu pensasse nela como a Scarlett Johanson; na verdade, a personagem dela em Scoop, por causa dos óculos. Com o Dexter já não tive tanta sorte: minha imaginação muito criativa fez com que tanto Morgan como Mayhew tivessem o (lindo) rosto do Michael C. Hall. Em Razão e Sensibilidade, a Marianne da minha cabeça também tinha o rosto da Kate Winslet, mas - pasmem! - era o rosto dela com os cabelos azuis de Clementine, de Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças. Fico imaginando o furor que uma moça com cabelos azuis na Inglaterra campestre de Jane Austen causaria.

O livro que terminei de ler ontem, Liberdade, tem como um dos grandes trunfos a construção impecável dos personagens, e vai ver que é por isso que todos eles estavam muito bem delineados na minha cabeça e até os secundários eram muito bem formados, embora alguns pouquíssimo condizentes com o que Jonathan Franzen imaginou. O triângulo principal, Walter e Patty Berglund e Richard Katz era formado por, respectivamente, Colin Firth (porque todo personagem quadradinho eu imagino como o Colin Firth), Kelly Rowan (tanto a do livro como a personagem dela em The OC tem tendência ao alcoolismo) e Dave Grohl (roqueiro sedutor, preciso explicar mais?). Nos filhos do casal principal é que a discrepância de imagens fica mais evidente: Joey Berglund, na minha cabeça, é o Joey Tribbiani, por mais que no livro o primeiro seja descrito como loiro. Para piorar, Jessica Berglund é a Zoe Saldana, que não é loira nem branca. Fosse eu responsável pela seleção de elenco de uma possível futura adaptação do livro para o cinema, talvez acertaria apenas na escolha de atrizes para Connie e Carol Monnaghan: Ellen Page e Frances McDormand, que me parecem perfeitamente razoáveis e coerentes com o que é dito sobre elas no decorrer da história. 

Escrevendo tudo isso fiquei um pouco preocupada comigo mesma. Será que essa falta de coerência entre a forma como os personagens são descritos no livro e a forma como os enxergo pode significar que eu não sou uma boa leitora, no sentido de captar aquilo que o autor propõe? Ou pior, será que o fato de eu ter dificuldade de criar rostos a partir do que leio significa - the horror! - que eu não tenho imaginação?

16 comentários:

  1. Olha, eu também tenho esses probleminhas de imaginar o personagem de um jeito nada a ver do que está escrito livro! Achei que era a única...

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  2. Acho que você é muito realista e pé no chão e não se permite criar tanto, não que não tenha imaginação, mesmo porque se não tivesse dificilmente conseguiria escrever TANTOS textos amazings. Talvez sua imaginação não tenha liberdade para criar tanto por causa do seu realismo e aparente necessidade de dar aos personagens um rosto concreto.
    Quando eu leio, imagino muito bem cada personagem, mas não consigo dá-los um rosto. Consigo saber a altura, tipo de corpo e as vezes cor dos olhos e cabelos, mas o rosto formado não consigo de jeito nenhum e não acho que é por falta de imaginação, é que no filme que passa em minha mente enquanto leio não tem espaço pra rostos desnecessários, sei lá. Acho que eu imagino mais como funciona a cabeça do personagem, como ele vê o mundo, do que como ele é.
    Mas em "O Diário da Princesa", por exemplo, a grandmère SEMPRE teve a cara da Meryl Streep em "O Diabo Veste Prada", pelo menos na minha cabeça e nesse caso eu não pude evitar, inventei uma cara pra Mia (completamente diferente da Anne Hathaway) e a Tina Haken Baba tinha a cara de uma amiga minha e ENFIM, cada um tinha uma cara conhecida e eu acho isso bizarro.
    Mas wow, escrevi demais! É que esse texto incitou trocentas conjecturações em minha mente conjecturista

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  3. Eu só me dou o trabalho de dar rostos aos personagens quando estou gostando razoavelmente do livro.
    Mas acho essa teoria do seu professor meio furada. Ano passado estava lendo os livros de "Game of Thrones" logo após assistir a série, e mesmo assim imaginava (e ainda imagino) todo mundo na história diferente. E assim como a Mayra, do comentário acima, nunca imaginei as pessoas do "Diário da Princesa" com as mesmas caras do filme, mesmo tendo lido depois.
    Acho que vai muito da nossa disposição. E se imaginar o rosto dos personagens é relevante ou não dentro da leitura. Ou se é relevante para o tipo de leitura que você está fazendo. Eu gosto de imaginar porque me divirto muito desenhando passagens do livro segundo minha interpretação (mas quase sempre me confundo em cenas com muita ação). Não significa que você não tem imaginação, Anna, talvez seja só que isso não é tão importante para você dentro das mil e uma coisas que tem num livro.

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  4. mais que linda! olha, eu confesso a ponto de esconder o rosto de vergonha que a minha imaginação termina na hora de construir uma fisionomia original para os personagens.

    eu quando pego daqueles livros bem literários, assim como você me baseio no rosto de pessoas conhecidas, ou na maioria das vezes, pessoas famosas. Parece que a gente realiza uma super produção na nossa cabeça a partir dos elementos que a gente recebe do livro.

    quando eu gosto muito do livro fico sonhando um filme com os atores que eu idealizei! hahaha

    detalhe que no "O Amor Nos Tempos do Cólera", o Florentino foi interpretado pelo marido da Penélope né? rs

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  5. Anna, eu acho MUITO difícil inventarmos pessoas. Sendo assim, eu também ligo o personagem à alguma pessoa conhecida, mesmo que não tenha nada a ver. Toca aqui. o/
    Estou lendo Leite Derramado, do Chico, e desde a primeira linha, só consigo imaginar o personagem com a cara do Chico, mesmo ele sendo muito mais velho. Quando li Memórias de minhas putas tristes, do Gabo, só conseguia imaginar o protagonista com a cara do Gabo.
    Alguns eu simplesmente não consigo imaginar, mas não penso nisso, nem crio muito caso. Se consegui, consegui, se não consegui, não consegui.
    Meu último livro foi Emma, da Jane Austen, e eu só conseguia imaginar a Keira Knightley. Acho que pra mim, toda mocinha de Jane Austen será Keira, hahaha.
    Processos criativos: Uma pira sem lógica nenhuma!
    Beijos!

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  6. Anna, eu também possuo esse "distúrbio" de imaginar atores específicos opara os personagens dos livros que leio. Por exemplo, ontem mesmo assisti ao Ensaio Sobre a Cegueira - filme inspirado na obra homônima de José Saramago. Eu me recusava a ver esse filme, até que a vontade bateu. E me surpreendi com muita coisa. Um casal oriental que eu imaginava como um par de velhinhos ao ter lido o livro, tempos antes. O médico também é muito jovem. A rapariga dos óculos escuros é - pasmen - Alice Braga. E muitas outras coisas.
    Agora estou lendo Reparação, de Ian McEwan, livro que deu origem ao fiolme Desejo e Reparação, com Keira Knightley (aquela linda) no elenco. Mas o problema é que a Cecilia do livro em nada se parece com a do filme. Nem o James McAvoy está lá. Como lidar, dessa maneira? Ainda prefiro os personagens que a minha mente inventa.
    Beijão!

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  7. Anninha!
    Bom, tenho um problema sério em imaginar personagens porque quando o rosto não é de nenhum conhecido, o personagem vira um borrão, sério, a cena vai acontecendo e o personagem não tem rosto. É até triste de pensar mas sempre foi assim...

    E, olha que engraçado: Estou lendo "Um dia" e na minha cabeça a Emma é a Kate Winslet ruiva, como a Clementine de Brilho Eterno e o Dexter é o mesmo que você criou hahah.

    beijos

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  8. Às vezes sofro desse problema, mas minha solução é emprestar o rosto de alguém só pra conseguir continuar a leitura (porque é péssimo ler sem um rosto como base). O personagem acaba ficando com as características que eu mesma escolhi, ao invés daquelas que o autor descreveu. U mad? Problem? hahaha

    Não acho que seja um problema! Sei lá, às vezes não conseguimos criar uma conexão com a história e isso acaba acontecendo. E também, nada impede que o escritor esteja "errado" ou não tenha feito a descrição corretamente. Ah, vá! Eles não são perfeitos hehehe talvez não consigam moldar a imaginação de todas as pessoas.

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  9. Confissão bizarra: eu trabalho com produção gráfica, mas não consigo pensar graficamente.

    Como assim? Bom, uma coisa é eu olhar a capa de um livro e saber onde estão os erros, que elementos podem melhorar... Ou então ler uma história a imaginar que a capa ficaria boa na cor x, com a fonte y e uma ilustração do artista z... Mas só consigo imaginar exatamente o que eu estou te falando, os conceitos abstratos, as sensações e tudo mais. A parte física, só simulando com o computador ou com um desenho (de sabe Deus quem, porque acho que ficou fácil deduzir que minha habilidade com desenho é ínfima, né?).

    Só que para mim, isso não é um problema. Acredito que o importante mesmo é sua cabeça conseguir traduzir as sensações que um conceito te passam... Quer você visualize eles ou não. Com os livros é a mesma história: sei que Harry tem cabelo preto e olhos verdes, mas não consigo imaginar o bonequinho se mexendo na minha cabeça, nem mesmo depois do filme.

    p.s.: sim, é uma droga quando sua imaginação não bate com o livro. Hermione, por exemplo, era uma versão aprimorada de... erm... mim.

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  10. Eu tenho uma imaginação tão limitada que mesmo quando o livro não vira filme, eu escolho todos os atores que seriam os personagens e assim fica mais fácil construir as cenas, mas não gosto de assistir os filmes antes de ler os livros porque na maioria das vezes me confunde. Beijos!

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  11. Que dilema, hein, Annelídea.
    Antes de tudo: quantas pessoas acessam ao seu blog? Porque o que teve de gente clicando na referência que você fez à resenha de "As meninas", hahhaha. Obrigada não só pela publicidade, como por me considerar uma certa referência na hora de pensar literatura!
    No mais, "As meninas" realmente foi um dos únicos livros que imaginei as personagens tão bem. Harry Potter eu imaginava os atores com algumas diferenças (apesar de ter começado a ler antes dos filmes) e a Mia... bem, acho que nunca imaginei a Mia direito. Talvez minha imagem dela fosse uma Anne Hathaway loira de cabelo triangular. Se eu crio imagens, são imagens por demais abstratas.
    Então acho que não é um caso de não ter imaginação, mas tipos de leitura.

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  12. Por exemplo, não é porque a gente lê um livro com profundidade que a gente precisa ter uma imagem bem delimitada dos personagens (como a Irena, para fazer seus fanarts), nem quer dizer que seríamos capazes de fazer um roteiro pra uma peça, pra um filme, ou até analisar a pós-modernidade de acordo com o autor. São realmente tipos de leitura.

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  13. Sabe que até hoje a Bella de Crepúsculo não é a Kristen Stewart na minha cabeça! Quando releio os livros imagino a minha Bella como imaginei desde o começo, antes do filme! E isso acontece com vários personagens de livros que viraram filme!
    Mesmo que nos livros normalmente eles descrevem a fisionomia dos personagens, sempre crio um imaginário na minha cabeça, às vezes nada a ver com o que foi descrito! Essa é a magia da leitura pra mim!
    Beijos

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  14. É estranho, eu sempre imagino as cenas dos livros como se fossem filmes, porém eu nunca imagino o rosto diretamente... eu tenho esse bloqueio horrível pra imaginar rostos, então na minha imaginação é como se eu estivesse vendo eles de soslaio ou algo assim. E acho que a gente ter crescido indo ao cinema ajuda muito nessa construção (exceto com os rostos ¬¬), nos possbilita, por exemplo, a imaginar um cenário medieval sem grandes dificuldades.
    Harry Potter eu acho impossível dissociar livro e filme, eu sempre imagino os personagens identicos aos atores (só o Neville que ainda é um pouco diferente... ah, e o Grope). Agora, teve uma cena no Ordem da Fênix que eu não conseguia imaginar de jeito nenhum, que é o lugar em que o Sirius cai, atrás do véu, no Dep. de Mistérios... nunca consegui montar esse cenário na mente e isso é bem irritante!
    Esses nossos critérios "aleatórios" pra criar fisionomias é que são fantásticos! É muito interessante quando a gente imagina o personagem com a cara de uma pessoa só porque tem o mesmo nome... acontece sempre! Dexter Mayhew também pra mim sempre foi a cara de Dexter Morgan! (mas Emma como Scarlett Johansson? no way!) :P
    Agora, Marianne com os cabelos azuis...? Eu tenho a impressão que a Jane não a imaginou exatamente assim... haha
    Beijo

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  15. Nesse quesito fantasia, sou o contrário de você. AMO esse tema, leio um bocado de livros ao estilo Harry Potter. Porém, confesso que quando há personagens demais eu também fico meio confusa, pois exige muito do meu cérebro criar uma feição para cada, mas sempre acabo conseguindo. O que me frustra de verdade, e você vai achar estranho, são vozes. Adoro assistir filmes dublados (prefiro legendados, mas necessito assistir dublados) porque eu gosto de gravar as vozes dos dubladores para usar nos livros. Sim, além de criar feições ainda tenho que achar vozes para os malditos personagens. Então isso acaba me dando um curto circuito, principalmente quando não acho uma voz adequada ou não consigo lembrar direito uma que gosto. É que o que eu mais gosto em livros é poder criar um filme na minha cabeça. Às vezes até ouço alguma música para dar emoção como trilha sonora.

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  16. Cara, a gente TEM que se encontrar pra discutir essas coisas pessoalmente!

    Nisso a gente é muito parecida. Dependendo da cara que eu crio pros meus personagens (meus!) eu defino se gosto ou não. Identifico com gente que conheço, com atores, com outros personagens... A glória pra mim era quando eu escrevia fanfics - sim, atente a esse fato - e tinha que postar fotinhos da "capa". Lá ia eu procurar uma moça bonita pra ser a minha personagem principal, ou o moço barbudinho (já era dessas) pra ser o mocinho safado. Sempre sempre sempre.

    Acertei em um: Gary Oldman = Sirius Black. O que já denota a minha tendência em caçar homens, digamos... idosos :P

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