segunda-feira, 27 de maio de 2013

Querências

Ou: Manifesto pelo uso de palavras bonitas

No saudoso Orkut havia uma comunidade chamada Exacerbo Meu Léxico Requintado e a descrição dizia, por meio de um monte de palavras bonitas e difíceis, que aquele era um lugar para pessoas que abusam da fina flor da língua portuguesa para destacar sua inteligência. Ai que saudades do Orkut! Não sei se era uma comunidade zoeira (pulha, pilhéria, gaiatice, chiste) ou se, de fato, ironizava quem gosta de falar difícil. Tudo a favor da zoeira e algumas ressalvas com relação à quem vomita eruditismo, mas acho que esse papo não pode se encerrar aí.

Me lembrei dessa comunidade quando, há um tempo atrás, conversava sobre novelas com a Tary e ela me disse que a achava a interpretação da Fernanda Vasconcelos um tanto quanto histriônica. Histriônica, gente! Ela poderia ter usado uma série de palavras (cênica, dramática, teatral), mas preferiu usar histriônica. Agora experimente pronunciar essa palavra lentamente, como se alguém estivesse tentando fazer leitura labial, e observe que coisa maravilhosa que acontece com a nossa boca, quantos movimentos diferentes para uma palavra só - e, de repente, a escolha da Tary vai fazer todo sentido do mundo e sua mente te presenteará com a lembrança da Fernanda Vasconcelos no papel de Ana em A Vida da Gente gritando A JÚLIA É MINHA FILHA! 

Eu não fazia ideia do que histriônica significava, e olha que eu adoro palavras (principalmente as difíceis). No entanto, soube imediatamente que eu precisava adotá-la para a vida. Incorporar certo termo ao nosso discurso pessoal, porém, não é tão simples quanto parece. Quando digo incorporar, falo no sentido mais visceral do termo, ele tem que brotar na boca ou no teclado com naturalidade, vindo da alma, da raíz, senão seremos todos Joeys brincando com o dicionário de sinônimos para tentar causar uma boa impressão. A histrionia ficou na incubadora do meu âmago por meses a fio, até que um dia ela nasceu, num almoço de domingo, quando eu disse que a mãe da Laura Palmer era tão histriônica que chegava a me dar medo de verdade. 

Então eu tenho essa coleção de palavras que ouvi por aí e que guardo comigo, esperando a hora certa delas serem minhas, como mulher zelosa que resolve amassar pão de queijo para o filho adotivo em período de adaptação. Elas ficam dançando pelas minhas ideias esperando a hora certa de serem usadas e quando ela chega, que regozijo! De cabeça, me lembro do nascimento de exíguo e idiossincrasia, sendo que esta última foi gestada por anos (mesmo!) até que aparecesse em um texto, tudo porque eu não conseguia entender direito o que ela significava e me recusava a procurar num dicionário, uma vez que buscar o significado por meio do contexto era mais interessante e virou uma espécie de desafio pessoal pra mim. Ninguém lembra do lugar exato, só eu, mas sempre que passo os olhos por aquele texto e me deparo com ela lá, não deixo de sorrir diante da sua presença, pois só eu sei o queijo e a rapadura que atravessamos para chegar ali. 

Tary está lendo Érico Veríssimo e, por conta disso, está cheia dos palavrórios interessantes. Na nossa última conversa, na sexta, ela soltou uma série de pérolas que muito divertiu Analu e eu, uma delas que, inclusive, dá título a esse post. E o melhor de tudo é que as querências pulularam num contexto tão banal quanto o das novelas histriônicas e isso é o que torna tudo muito mais mágico, porque exacerbar o léxico requintado num artigo acadêmico é muito fácil, quero ver usar tépido numa simples discussão sobre climas agradáveis. Ao martelar sobre a grata contribuição que menina Taryne e tantas outras pessoas dão ao meu vocabulário, achei apropriado fazer esse apelo: mais amor, por favor, sim, sempre, mas também um pouco mais de palavras bonitas nesse mundo, por obséquio! 

Vamos parar de ter vergonha da inevitável chacota e apenas clamar ao Senhor que perdoe aqueles que não sabem a diferença existente entre exíguo público e uns gatos pingados no salão! Tiremos a poeira dos dicionários, calhamaços queridos de longa data e emocionados discursos, para que eles possam ser folheados junto a Éricos Veríssimos, Machados de Assis e qualquer outro que nos faça falar e escrever melhor. Comece por adotar aquela palavra que você ache mais bonita, cultive-a a leite com pera no seu coração e espere pelo mágico momento em que ela sairá da sua boca - e torça para que alguém repare e resolva adotá-la também, dando continuidade a essa corrente do bem dizer. Porque se hoje tomo banhos com maiêutica e fico flauteando pela universidade no meio da tarde, é porque dois amigos geniais um dia soltaram esses termos entre um lero e outro, me salvando da mediocridade lexical de simplesmente ter um monte de ideias durante o banho e, pior ainda, matar aula vulgarmente. 

16 comentários:

  1. Respostas
    1. Del, acredita que uma vez ouvi alguém dizer que "quiçá" era a palavra mais feia do mundo e que deveríamos evita-la mais que o Diabo foge da cruz? Pois bem, criei esse preconceito em mim e sempre torcia o nariz automaticamente para "quiçá". Até que, ouvindo Chico, ele me canta a palavra no meio da letra de "Futuros Amantes" e pronto, acaba com meu preconceito. (:

      "futuros amantes, quiçá, se amarão sem saber"

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  2. Excelente texto! Gostei muito! Também concordo com você que tem pessoas que usam palavras dificéis mas no decorrer do texto erra pra caramba e nem sabe o significado da palavra!

    Blog atualizado
    jj-jovemjornalista.com

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  3. Amiga, também amo palavras chiques, e penso o mesmo que você: As escuto ou leio e guardo para o momento onde elas saíram sozinhas da minha boca, sem que eu tenha que pensar. Adotei o histriônica pra vida, e dou uma risadinha de canto, meio orgulhosa, quando percebo que soltei sem querer e que a galera está me perguntando o significado. Adoro. Você e a Tary são fontes incríveis, permaneçamos juntas nessa! Hihihi
    Beijos!

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  4. Quando eu leio esses seus posts fico me perguntando porque tem OUTRAS PESSOAS sendo cronistas dos jornais e revistas da vida, pq affffff. Você (e Taryne) são incríveis, apenas.

    (Tenho um amigo que sempre conversa comigo abusando do léxico requintado e das conjunções corretas, e sempre rimos a cada frase que tentamos aprimorar. Incrível ter esse tipo de gente ao nosso redor!)

    (Mas o melhor do léxico requintando é uní-lo a frases maravilhosas e espontâneas saídas das bocas das pessoas infelizmente menos letradas com quem a gente convive, deixando uma simples frase como: "que vontade de comer lasanha" num magnífico "a vontade de degustar uma lasângela permeia o meu âmago")

    Seremos mais histriônicos e lasângelos nessa vida, por favor.

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  5. aliás, história incrível: a moça que trabalhava na casa desse meu amigo se esforçava tanto pra afinar o linguajar que mudava todas as palavras, acrescentando plurais onde não tem e simplesmente alterando as letras, falando inclusive COPI.

    O SENHOR GOSTARIA DE UM COPI DE SUQUINHOS?

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  6. *e o plural era com sotaque carioca, para deixar tudo melhor

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  7. Faço isso sempre, Anna. Ou melhor, fazia. Mas, sinceramente, depois de entrar em jornalismo, fiquei com medo que as pessoas achassem que eu era metida por usar palavras diferentes/difíceis. Sério. As pessoas falam isso o tempo todo, você sabe.

    De qualquer forma, eu tenho um amor arretado por palavras. As novas, as antigas, as difíceis, as nordestinas, as que eu invento... Não importa. O que importa, pra mim, é ser uma palavra. E eu acho lindo isso de aprender palavras novas. Pra falar a verdade, faz tempo que não aprendo uma palavra nova em português. Mentira, escutei uma hoje em Grey's Anatomy... era algo sobre eutanásia, só que não era eutanásia, e sim 'deixar morrer'. AFFF, ESQUECI.

    Whatever. Texto lindo, pra NÃO variar, e eu concordo contigo em número, gênero e grau. <3

    Saudades de vir aqui.


    PS: aqueles links realmente ajudaram ;)

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  8. Na faculdade aprendi: inerente, atrelado, intrínseco, prerrogativa e por aí vai. Tento escrever ao máximo, e parece que isso ajuda a fixar o significado na memória e agora encaixa direitinho com teorias que só precisavam de boas palavras. Fico feliz que queira reviver essas lindezas da nossa língua portuguesa, pois parece ter mais amor, mais carinho, poesia. Eu já tentava utilizar onde fosse, mas me achava uma chata por não ter gente compartilhando comigo essa ideia :P
    Amei seu texto, quero fazer parte do movimento! ♥

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  9. Sei exatamente o que é "ruminar a palavra e deixá-la nascer", mas conseguinte sei que não sou das melhores em definir. Tudo são coisas. Já até me chamaram a atenção sobre essa burrice. Caso estivesse em uma aula na faculdade de jornalismo e esse mesmo professor me corrigisse talvez seria eu a moça palavrosa que tanto espero, no meio de tanta "coisa", acharia alguma cousa apropriada para ser um sinônimo ou fazê-lo, o texto, ficar mais interessante bem assim como são todos os de Anna Vitória.

    <3

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  10. Querência é uma palavra muito conhecida aqui no Sul e acho que quem ajudou essa palavra ficar famosa foi o próprio Érico, que é daqui.

    Eu percebi que de um tempo para cá meu vocabulário está muito melhor. Às vezes eu falo coisas que faz meu namorado rir, porque são palavras que ninguém está habituado.
    Mas enfim, sempre achei que as pessoas deveriam aprimorar suas palavras, sem medo.
    Amei, como sempre, teu post. :)
    <3

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  11. Amiga, amei demais o post <3 Eu adoro palavras bonitas porque amo sinônimos. A ideia de poder usar várias palavras para expressar a mesma ideia me fascina. É você que tem um dicionário de sinônimos, não é? Acho essas coisas fantásticas.

    O histriônico eu aprendi em uma resenha da Isabela Boscov. Ela falava que a Angelina Jolie estava 'histriônica' em A Troca porque a interpretação era teatral. É um transtorno de personalidade, sabia? "caracterizado por um padrão de emocionalidade excessiva e necessidade de chamar atenção para si mesmo, incluindo a procura de aprovação e comportamento inapropriadamente sedutor, normalmente a partir do início da idade adulta. Tais indivíduos são vívidos, dramáticos, animados, flertadores e alternam seus estados entre entusiásticos e pessimistas", segundo a Wikipédia.

    Enfim, amo quando essas palvras saltam da gente e vão pro texto ou mesmo pra um conversa sobre as mais novas querências.

    <3

    Te amo!

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  12. Antes de tudo, não sabia que existia "chiste" em português. Essa é a palavra mais comum para dizer "piada" em espanhol. E, de fato, muitas vezes funciona usar uma palavra velha do português na hora de falar espanhol. Mas claramente não vou lembrar de outro exemplo agora.
    Seu texto me lembrou uma crônica que lemos semana passada ou retrasada em Redação 7 (olha como estou velha). Acho que o nome era colocador de pronomes. Pera, vou googlear.
    Sim, é esse mesmo: http://pt.scribd.com/doc/24279423/LOBATO-MONTEIRO-O-Colocador-de-Pronomes. Do Monteiro Lobato e conta a história (então pera, não é uma crônica, é um conto mesmo) que nasce e morre de erros na colocação de pronomes.

    Eu gosto de palavras também, mas não muito das rebuscadas. Idiossincrasia é uma dessas que evito usar. Gosto de palavras aleatórias e confesso que a maioria delas é maranhensismo: marocar, arriliada, etc, etc.

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  13. Adorei esse post, como tantos outros. Você usa as palavras como ninguém, Anna. Queria eu ter esse talento. E queria eu incorporar palavras bonitas ao meu vocabulário como incorporo gírias, memes e toda a sorte que coisas banais que escuto e leio por aí. Felizmente, vez ou outra, incorporo algumas palavras e expressões, talvez não muito sofisticadas, naturalmente.

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  14. Gosto de palavras diferentes e fico sempre curiosa quando falam alguma que não conheço... Mas penso que é preciso também distinguir a hora de falar ou não porque nem todo lugar é lugar para esse tipo de discurso, principalmente se for usar muitas delas ao mesmo tempo! XD

    E eu falo isso porque na faculdade somos confundidos o tempo todo. Em trabalhos para os professores temos que explorar, e muito bem, todas as palavras... E quanto mais difícil, melhor! Já quando vamos atender a um paciente (principalmente em ambulatórios) precisamos ser o mais simples possível.

    Beijos

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