terça-feira, 6 de agosto de 2013

Como é não passar na prova de direção

Considerando que no último domingo eu fui dirigir com meu pai e tive extrema dificuldade, a ponto de quase bater de frente com outro veículo, em diferenciar direita e esquerda, nunca pensei que tirar a carteira de motorista fosse fácil. Nunca pensei também que eu, logo eu (direita e esquerda, lembram?), fosse passar de primeira. Mas a gente sempre se engana, seja porque finalmente aprendeu a fazer baliza e nunca mais deixou o carro morrer, seja porque o instrutor disse que você estava preparada, ou porque as duas semanas tem sido bem incríveis em termos de sorte e conquistas. Meu projeto de pesquisa foi aprovado, ganhei um livro num concurso cultural da internet (experiência nunca antes vivenciada na história dessa existência), meus amigos que tem tomado pau no Detran sucessivamente nos últimos meses finalmente conseguiram tirar a carteira e aquele troço que comprei numa loja obscura da internet chegou em dois dias. Se muito do exame é sorte, ela bem que andou do meu lado nos últimos dias. Então, foi meio inevitável que um vai que surgisse na minha cabeça, e eu já estava ansiosa em desfilar montada nessa gorda zebra na frente de todo mundo que me disse que não era o fim do mundo não passar, disfarçando pra não soltar o incidente direita-esquerda na roda pra me lembrar de não criar expectativas.


Eu estava calma, juro que eu estava. Fiz duas horas de aula antes do teste, acertei as balizas, cantei Show das Poderosas mentalmente, respirei fundo, fiz piadas e dei papo para os desconhecidos. Mesmo tendo visitado o local de exame várias vezes antes do fatídico dia, é bem diferente quando a gente está lá esperando ser chamado para fazer a prova. Sentei numa sombra junto com outros alunos do meu instrutor e uma moça que vendia água e refrigerante (não tinha Fanta Uva) e lancei meu olhar antropológico sobre o ambiente. Agora aqui em Uberlândia faz-se a prova de rua primeiro, e só depois, se a pessoa passar, é hora da baliza. De dez alunos que saíam em seus carros, só uns dois chegavam na ante-sala da linha de chegada, e no tempo que eu fiquei lá esperando só uma menina passou. 

Um dos caras que esperava comigo contou que estava fazendo a prova pela quarta vez. Disse que dessa vez resolveu ir com o uniforme do trabalho porque um colega, que passou de sexta, disse que o uniforme mostrava pro examinador que você é trabalhador responsável e tem que suar para pagar os R$150 de taxa para o reexame. Ele contou que da primeira vez foi vestindo boné de aba reta, tênis de skate e calça caída, e tem certeza que a reprovação, em menos de dois minutos, veio porque o examinador bateu o olho em sua figura e viu que ele era o tipo que daria problema. Na quarta vez, além de uniforme, ele contou que fez a barba, cortou o cabelo e só não deu pra consertar aquelas mechas meio acaju que ele inventou de fazer. Completou dizendo que deixou seu carro estacionado ali perto, e se não passar de novo vai invadir a área cantando pneu. Claramente o tipo que dará problema um dia, mesmo de uniforme.

Não sei até que ponto o papo do uniforme era verdade, mas fiquei feliz porque sem querer fui vestindo o moletom da faculdade. O jeans de cintura alta era para poder manobrar sem pensar se algo que não devia aparecer estava aparecendo, e usei meu tênis mais discreto e menos sujo. O brinco grande, do tipo que eu não uso nunca, foi dica de uma amiga, que é pros caras terem certeza que você olhou para os lados. Prendi os cabelos para disfarçar o ruivo e tentar convencê-los de que a foto do meu RG  é recente (mentira, eu tinha 14 anos) e achei bom que dava para ver que minha raiz está enorme, o que, numa análise semiótica capilar, revela que se tá faltando dinheiro para pintar o cabelo, não vai ser fácil pagar a nova prova e mais o monte de taxas (o que é mais ou menos verdade) - vai que ele se compadece de mim. Estava perfeitamente feliz com minha figura totalmente bege, séria e respeitável, transmitindo a imagem de uma motorista cuidadosa, responsável e que sobretudo sabe diferenciar esquerda e direita. Ouvi música nos minutos que antecediam o meu exame e acabei deixando a Anitta de lado, que a Renata me recomendou expressamente, mas acreditei que ouvir Pink também me faria bem. Quando pensava em ficar com medo cantava para mim mesma que eu era uma rockstar apesar de tudo, mesmo não sendo, e acreditava que tudo ficaria bem.

Então eu entrei no carro com aqueles dois homens assustadores que fazem cosplay de agente Smith. O que se sentou do meu lado deu bom dia, me explicou as regras, disse que esperava que eu respeitasse as regras. Eu agradeci, depois vi que não fazia o menor sentido agradecer quando alguém diz que espera que você respeite as regras e não mate ninguém, e meio que para fazer eu me sentir menos mal ele acabou me desejando boa sorte.  O que ninguém te avisa antes é que toda a preparação e a análise semiótica da raiz do cabelo e das unhas pintadas de azul bebê vão adiantar quando você ligar o limpador de parabrisa sem querer e simplesmente não saber como faz pra desligar. Pior, você só repara que ele está ligado quando o agente Smith 01 do seu lado diz, com sua voz robótica e cruelmente educada: Senhora Anna Vitória, não há necessidade de ligar o limpador de parabrisa. Você aperta tudo que vê na frente enquanto pensa na curva fechada logo ali te esperando e nada, você faz a curva tremendo e nada (só se o retrovisor da caminhonete estacionada, que você quase derrubou, contar alguma coisa), até que o agente Smith 01, num ato de clemência ou deboche, simplesmente desliga o limpador de parabrisa pra você. Ele ainda pede que você manobre, para de fila dupla, e você coloca o braço pra fora três vezes como treinou tantas vezes, mas sabe que já era. Não dá, não deu, não vai dar.

Ainda rola um discurso antes de você sair, como aquele sermão que nossas mães insistem em dar antes das palmadas que são tão ruins quanto ou até piores que as chineladas em si, e você se sente a pessoa mais idiota do universo. Senhora Anna Vitória, a senhora não deu seta na segunda vez ao sair, é preciso sinalizar a saída. Senhora Anna Vitória, a senhora lembra que também não guardou a distância de segurança do veículo ao lado, é preciso manter distância de um braço do veículo estacionado, senhora. Senhora Anna Vitória, por fim a senhora faltou com o domínio do carro, e é por isso que a senhora está reprovada. Alguma dúvida?

- Moço, pelo menos na hora de virar pra direita eu acertei, né?

12 comentários:

  1. Amiga, desculpa, mas eu chorei de rir. Li o texto em voz alta na SALA DO TRABALHO e choramos de rir em grupo. Estamos até agora tentando entender como foi que você ligou o limpador de para brisa ocm a perna (você disse isso no whats em algum momento, não disse?). E fiquei ofendida: Nem todos os seus amigos que estavam na luta já tiraram a carteira. Eu continuo a ver navios. E pra próxima prova, por via das dúvidas, vou estudar bastante sobre como desligar um limpador de parabrisa!
    Te amo muito!
    Beijo

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  2. Eu ainda não tive nem coragem (nem motivação, já que nem carro eu tenho, nem terei nos próximos anos, a não ser que eu ganhe na mega ou algo assim, e me recuso a dirigir o do meu pai) de me inscrever na auto-escola. Mas, ao mesmo tempo, acompanhei o processo de todos os meus amigos e vi que: 1) uma hora essa coisa sai; 2) algumas pessoas dirigem tão, mas tão mal que não é possível que eu não consiga fazer aquilo ali algum dia.

    Enquanto o carro não vem, acompanho as sagas alheias. Pena que nem todo mundo consegue transformar seus testes de direção numa crônica tão divertida quanto essa.

    ps: reza a lenda que é melhor ser a primeira a fazer a prova, porque daí você não precisa ver a maioria sendo reprovado e sentir a ansiedade aumentando. Se ajuda mesmo eu não sei, mas não custa nada fazer a tentativa).

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  3. Ô Anna! :~~~~

    Eu estava tão torcendo para você passar de primeira! Acreditava muito que isso ia acontecer! Hahaha
    Mas não desanime! Eu passei na terceira vez que fiz a prova!
    Na primeira, eu errei a subida e setas. Na segunda, eu errei logo na baliza (na minha época - porque eu não sei como está agora e isso já faz uns 7 anos!!!!) a baliza era a primeira coisa a se fazer, e se você errasse, nem precisaria continuar a prova. Pois é, o carro encostou no cone atrás e fuén. Saí arrasada, mas não desisti!
    Na terceira tentativa, assim que entrei no carro, falei pro instrutor (aqui é só 1 que fica no carro com a gente) "moço!!! é a TERCEIRA vez que eu faço essa prova! Se eu não conseguir, não quero mais". Se eu errei alguma coisa, eu não sei, mas eu sei que eu passei! Hahahahaha

    Porém, com nem tudo são flores, eu não peguei no carro depois, porque eu tinha medo. Pois é. Demorei mais de anos para poder dirigir para tudo quanto é lugar. Cheguei a fazer "aulas para habilitados", e foi depois dessas aulas e de meus pais me ajudarem a comprar um Ford Ka, que eu comecei a dirigir melhor.

    Não gosto muito de dirigir, mas para mim - que mora longe de tudo nessa cidade grande - é necessário. Hoje, fico feliz de ter perdido o medo e conseguir ir e voltar de qualquer lugar! ;)

    Não desista!!! :D

    (desculpa o texto longo)

    :*

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  4. Essas histórias que ouço sobre a prova de direção só me dão medo! Eu ainda vou fazer as aulas práticas, e meu professor jura que é super fácil e minha irmã que fez e passou falou que era muito fácil, mas que ela orou e levou o nome pro monte ai tá explicado hahahaha.
    Que pena, tomara que dê tudo certo!
    Beijo

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  5. Anna do céu mas qué texto delícia! Por favor não ache qué estou rindo da sua tristeza mas é qué o texto tá delicioso. Consigo imaginar exatamente como foi.

    E do mais, não se impoete pq eu acho mesmo qué o Detran é umá Máfia - muito distante da nossa que é linda e maravilhosa - corrupta e absurda. Dirigir msm, acho qué a gente aprende sozinho. Foi assim comigo...beijoca

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  6. Eu passei na terceira, relaxa. E se não passasse teria mais uma alternativa apenas antes de ter que recomeçar o processo todo...
    Minha dica seria: só refaça a prova quando estiver dirigindo de olhos fechados (licença poética!!!!) e estiver segura, que aí nenhum babaca de cara feia vai te intimidar, porque aquilo será natural pra você.
    Beijocas

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  7. Gente, que horror. Fiquei com medo da burocracia daí. Aqui o teste é o contrário, baliza primeiro e rua depois e a rua é tipo... andar por três quadras. Nunca vi alguém reprovar na rua, geralmente é na baliza mesmo e pronto e eu acho isso super mancada, porque pfvr os motoristas precisam saber andar na rua, não balizar. Eu sei fazer baliza, mas não sei dirigir, por isso não dirijo até hoje e eu consegui passar e isso não faz o menor sentido, ainda mais porque você seguiu todos os passos mentais que eu, tirando que, gente, que neura é essa do uniforme e afins? Fiquei com medo for real. E dos agentes Smith então? Meu avaliador parecia aquele cara cabeça-de-galinha que sequestra o Woody em Toy Story, sabe? HAHAHAHAH Acho bizarro pensar que aí as paradas são tão sérias assim! Eles te chamam de ~~senhora~~, pfvr. E se a neura com ~~mechas acajus~~ é grande, nem quero pensar o que seria de mim e meus cabelos coloridos.
    Tô tão assustada que nem consigo te consolar ou dizer que você deve manter tua raiz crescendo e gastar o dinheiro do salão no re-teste e tentar outra vez que uma hora vc consegue, porque as pessoas aí me dão medo.
    Coragem <3

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  8. Fiz a minha prova para a carteira de motorista americana mês passado. O robô que se senta do seu lado é assustador mesmo.
    Essa semana, minha filha tirou o "permit"pra começar a dirigir.
    Oremos, senhora Anna Vitória!

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  9. Fiz a minha prova dia 22 de julho e consegui passar de primeira (apesar de achar que isso era bastante improvável) e, coincidentemente, fui hoje ao Detran pra pegar minha carteira. Quandro abri meu Feedly e vi o título do texto tive que abrir!
    Cara, dá uma pequena frustração porque você vê que é só um pedaço de papel ridículo que dá um trabalho absurdo pra ter e que ,não, estar habilitado não significa que você sabe dirigir.
    Torço pro você por uma próxima vez. Certamente você vai estar mais tranquila porque já passou por isso.

    Beijo grande! =)

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  10. Ai, o sermão no final deve ser o pior. Depois de tudo que você já passou, depois do nervosismo... Aff!

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  11. MANO, a Natalia (aka nambarices) tem a minha idade e já dirige há 7 anos!?!! Eu ainda bato na prateleira do supermercado quando tempo manobrar o carrinho!

    Sei tão pouco do mundo automobilístico que nem imaginava que a roupa dava aquela ajuda pra você impressionar os agentes Smith. Tô anotando tudinho aqui, caso eu crie coragem um dia.

    E suas descrições são as melhores! Me divirto demais aqui!

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  12. Analuísa sádica rindo e lendo em voz alta, HAHAHAHAHA! Morri muito.

    Annoca, se tivesse exame de direção em Hogwarts, os examinadores seriam comensais da morte com dementadores de estimação. Ou pelo menos a maioria deles. Esse comentário de que eles são carrancudos é geral.

    Mas assim como a Mayra, me assustei com a dinâmica das coisas por aí. Baliza depois de percurso não ia funcionar para a minha pessoa.

    Como eu já te disse, a primeira vez é PÉSSIMA pra todo mundo, passando ou não. Na segunda seu coração vai se tranquilizar mais e você vai pegar examinadores mais simpáticos/não comensais da morte (como aconteceu comigo). E não vai ligar o negócio com a perna, hehe.

    Te amo <3

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