quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Gente que escreve

Ou: Por que eu escrevo
Ou, ainda: Sobre colocar uma letra depois da outra


Essa semana fui indicada pela Sofia pra responder uma série de perguntas a respeito dessa coisa que é escrever. As perguntas foram retiradas de uma espécie de meme que andou circulando pela blogosfera gringa, o Why I Write. Logo que vi o post dela já comecei a pensar loucamente nas minhas respostas porque a escrita enquanto um processo é algo que me interessa pra caramba, e ler sobre a forma como outros escritores e jornalistas trabalham sempre me ensina e inspira muito. 

Então vamos lá:


O que eu ando escrevendo?

Não sei se vocês repararam, mas há vinte dias temos posts aqui no blog todos os dias. Então, sim, dá pra dizer que eu tenho escrito bastante aqui no blog, sobre os temas que vocês já estão acostumados - minha vidinha e tudo que a circunda. Para o resto da internet, também estou trabalhando na minha coluna desse mês para a Pólen (vai sair! vai sair!) e já pensando em qual será meu próximo texto pro Move That Jukebox. Tem também a Revista Nós e a matéria da próxima edição, que eu sinceramente não sei se vai sair porque não tenho tido tempo de produzir a pauta da forma como eu queria, mas espero dar um jeito antes que meu amado editor desista de mim. 

Agora no trabalho escrevo todos os dias, mas a maior parte do material são notas e notícias curtas sobre coisas da universidade e eventos que não interessam a ninguém. Parece chato, mas é um bom exercício pra quem costuma levar muito tempo pra desenvolver os textos, como eu. Começar, terminar e publicar duas, três notícias todo dia é muito. E às vezes aparecem coisas legais, tipo essa semana, que estou trabalhando numa matéria um pouco maior sobre um festival de cultura independente que vai acontecer na cidade. 

Além disso (!), estou escrevendo duas coisas, mas sem escrever (ainda). Explico: a escrita, principalmente aquela relacionada a coisas mais densas ou criativas, que exigem mais de mim, sempre começa bem antes das letras ganharem o papel. Fico matutando aquilo, construindo as coisas pouco a pouco na minha cabeça, pensando, lendo, e ruminando. Tenho feito isso pra minha monografia, enquanto leio e procuro uma linha de raciocínio que contemple tudo que estou lendo, e também um projeto (?) de ficção que ainda não sei o que é mas tenho tateado no escuro e conhecido melhor a cada dia que passa. São migalhas, mas tenho fé que um dia isso vai sair de mim e eu vou jurar que veio como que um turbilhão criativo, espontâneo e completamente inesperado. 

Como minha escrita se diferencia de outras do gênero?

Bom, não sou eu que tenho que responder isso, né? Acho muito difícil analisar meu trabalho por fora, ter essa visão um pouco mais distanciada dele. Eu nem saberia dizer em que ~gênero~ me classificaria, não sei se escrevo crônicas, ensaios, se faço jornalismo literário, ou jornalismo, ou ilusão, ou só um blog mesmo, que até já passei da idade de gastar tanto tempo com isso.

Já me falaram que eu escrevo fácil e que isso é bom, mas a maior parte dos trabalhos com os quais me identifico tem essa simplicidade intrínseca, é isso que realmente me atrai. Então, mais ou menos como a Sofia disse, enquanto não encontro minha própria ~voz~ ou um diferencial inconfundível, fico feliz de poder me identificar com trabalhos que admiro. 

Por que eu escrevo?

Minha resposta favorita pra essa pergunta não é minha, mas do Antonio Prata, e ela é tão boa que não sinto necessidade de formular uma própria. Ele diz: "Não sou corajoso, por isso escrevo. Escrever é uma forma de segunda época da vida, de recuperação nas férias. Ao vivo e em cores não sou como gostaria e o mundo não é perfeito. Então coloco uma letra depois da outra e tento transformar ressentimento em graça". Isso é tão real pra mim que eu não precisei consultar a frase pra escrevê-la aqui.

Escrevo para transformar ressentimento em graça, organizar o mundo  e a minha vida de forma que o caos pareça minimamente organizado, para que eu entenda melhor o que eu vivi, o que estou sentindo, as coisas que me interessam e, principalmente, as coisas que não entendo. Se não dá pra esclarecer tudo, pelo menos reconheço que é tudo uma bagunça sem solução e segue o baile. Escrevo também porque acredito muito na mágica da comunicação no seu sentido mais puro, que é um meio para conectar uma pessoa à outra. Eu cresci e sigo crescendo me conectando à outras pessoas e outros mundos (e partes de mim também) através das palavras, e faço minhas as palavras da Celine em Before Sunrise: "If there's any kind of magic in this world it must be in the attempt of understanding someone, sharing something. I know, it's almost impossible to succeed but who cares really? The answer must be in the attempt.". O meu jeito de tentar é escrevendo.

Por fim, eu escrevo porque essa é a única coisa que eu sei fazer, seria meio difícil tentar ser engenheira ou médica de cachorros. 

Como eu escrevo?

Do jeito mais simples possível. Já tentei editores de texto cheios de recursos e frescuras pensados especificamente pra quem trabalha com escrita (como o Scrivener e o yWriter), mas não me adaptei. As funcionalidades me desconcentram e passo mais tempo pensando no que fazer com cada coisa do que de fato escrevendo. Em casos de desespero uso o OmmWriter, um editor pra procrastinadores que ocupa toda a tela do computador, não tem nenhum recurso ou opção de formatação, só você e o texto, o texto e você, e umas músicas zen se achar melhor. 

Todo o resto eu escrevo no Word, ou no Google Docs, ou direto no Blogger ou no Wordpress mesmo. Papel só se for uma inspiração muito urgente e não tiver nenhum computador à disposição - uso no máximo bloquinhos quando preciso organizar as ideias ou não esquecer algum ponto. Faço isso principalmente quando estou trabalhando em textos mais longos e cheios de informação. Uso o bloco de notas do celular ou o Evernote pra anotar ideias, ou guardar algumas frases que me vem ao longo do dia e que eu não posso esquecer. Já aconteceu de eu escrever um post no Evernote numa tacada só, no celular mesmo e de madrugada, mas foi um episódio isolado que provavelmente nunca mais vai se repetir.

Meu horário mais produtivo é à noite, naquele silêncio mágico da madrugada. Tudo do livro e do que tenho da monografia até agora foi escrito entre a meia-noite e as quatro da manhã. À longo prazo me faz muito mal e por isso tento não lançar mão desse recurso a não ser em casos de emergência, mas o foco e a produtividade que tenho de madrugada não se comparam a nenhum outro momento do dia. O mais comum é que eu escreva em casa, em silêncio ou com white noise. Muito raramente escrevo ouvindo música, mas quando acontece é sempre Warpaint, Chet Faker e coisas do gênero. 

Não tenho o costume de compartilhar meus textos com as pessoas antes deles estarem concluídos, mas esse ano escrevi muito colaborativamente e achei incrível. Todo mundo falou que seria uma loucura escrever um livro a dez (DEZ!) mãos, mas juro que adorei o processo, e morro de saudade dos nossos brainstormings e de todas as construções coletivas. A troca que tivemos foi MUITO importante. Também usei um amigo como leitor beta do meu capítulo e os pitacos dele foram muito determinantes no resultado final. Acho que vou fazer isso mais vezes.

Como supero bloqueios criativos?

Até esse ano, eu lidava com meus bloqueios me distanciando um pouco do que eu estava fazendo pra depois voltar. Então saía do computador, ia dar uma volta com meu cachorro ouvindo música, ia caçar o que comer na cozinha, tomar um banho, essas coisas. Ler o trabalho dos outros também me ajuda muito, normalmente abro meus blogs favoritos e tenho na minha mesa dois livrinhos de crônicas do Antonio Prata e um do Vinícius de Moraes que SEMPRE me inspiram. Sério, fico com ganas de escrever sempre que leio qualquer coisa do Antonio Prata ou do Vinícius. Ler o Brain Pickings também me ajuda muito, principalmente os seus milhares de posts sobre a relação que grandes escritores têm com a escrita.

Só que esse ano a coisa era um pouco mais complexa do que uma coluna ou um post pro blog. Really serious shit. O bloqueio veio na mesma intensidade da importância do trabalho, então tive que buscar outros meios de enfrentar isso. Foi aí que comecei a ler mais sobre a escrita (a melhor coisa que li até agora foi "Follow the Story", do James Stewart. Só tem em inglês, mas recomendo de verdade), e uma coisa que mudou radicalmente a forma como eu trabalhava até então foi a ideia de que a done something is better than a perfect nothing. É um clichê, claro, mas pela primeira vez percebi na prática como isso é verdadeiro. Eu precisava expurgar de alguma forma aquelas palavras de dentro de mim, então comecei a internalizar que qualquer coisa era melhor do que nada, e se eu escrevesse uma linha, eu já teria muito mais do que quando não tinha nada, só frustração. Uma linha, um parágrafo ou um texto ruim a gente conserta, trabalhar com o nada é muito mais difícil. 

Não é sempre que faço isso, mas descobri que, realmente, começar a escrever, qualquer coisa que seja, te ajuda a escrever melhor. Às vezes você só vai reaproveitar uma frase, às vezes você não vai reaproveitar nada, mas pelo menos vai tirar aquelas ideias ruins do caminho e refrescar a cabeça pra coisas novas e melhores surgirem.


9 comentários:

  1. Amiga, adorei suas respostas. Com essa história de BEDA eu também aprendi que se eu tentar e parar de resmungar (hehe) talvez as coisas de fato saiam! Percebi que eu perco tempo demais da minha vida pensando que estou sem inspiração e frustradíssima, mas como agora não existia essa possibilidade, ando fingindo que a falta de inspiração nem existe e abrindo o word quase todo dia, mesmo que eu só tenha uma vaguíssima ideia do que vai sair, e tem funcionado! E: Antonio Prata funciona demais pra mim também! Sempre que leio alguma coisa dele fico doida de vontade escrever, hihi.

    Te amo! <3

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  2. Eu fico sempre surpreso quando entro aqui diariamente e tem um post com o mesmo estilo e qualidade dos posts que vieram fora do BEDA! Você é muito boa escrevendo, é impressionante.

    Uma coisa que você tem na sua escrita e que eu acho diferente de outras textos do gênero (posts em blogs?) é que, mesmo que vc esteja falando sobre a coisa mais banal do mundo, o texto fica interessante. Fica divertido. Não sei exatamente o que é, mas tem umas construções de frases que você usa, e eu fico QUE GÊNIA DAS PALAVRAS. Não é nem só o assunto ou a criatividade, é o jeito de dizer.

    "a done something is better than a perfect nothing". Uma verdade incontestável. Eu participo de um grupo de escrita no Facebook, e uma das ideias que vive circulando por lá é exatamente essa. "Escreva lixo, mas escreva". O único jeito de escrever bem é escrevendo :)

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  3. Que respostas maravilhosas, realmente a escrita é a chave universal dos cadeados das emoções. Me identifiquei super. grande beijo.

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  4. Gente que escreve é minha gente. Identifiquei demais com tudo que você escreveu. Ando nesse hiato criativo, mas sei que é fase e vai passar. É só as crianças voltarem pra escola. ;) Ando pensando que tudo nessa vida são histórias (ou estórias, como queira). Tudo, absolutamente tudo que fazemos é voltado a contar, criar ou compartilhar histórias. Na música, numa conversa, numa aula, e até escrevendo. É tudo história. Beijo!

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  5. "A done something is better than a perfect nothing" pode resumir demais o que esse BEDA tem sido pra mim. Qualquer falta de inspiração, por menor que fosse, me fazia parar e eu ficava frustradíssima porque nossa, como as pessoas conseguem escrever com tanta frequência, mas como assim elas conseguem manter a qualidade dos posts, como assim o que elas fazem, que bruxaria é essa etc. E aí que não tem bruxaria nenhuma. Sei lá, ainda torço o nariz pra algumas coisas que eu escrevo, tive a minha crise na semana passada, mas as coisas estão fluindo, nós estamos conseguindo, eu estou conseguindo. Acenderei uma vela pelos santos da escrita HAHAHAHAHA
    Amei muito suas respostas e guardei pra sempre as citações porque sim.

    amo você <3

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  6. Que maravilha de texto, de respostas, de pensamento, de BEDA e tudo mais.
    Adorei e guardei muita coisa aqui pra mim, obrigada.

    E sim, escrever também é a única coisa que eu sei fazer.

    Beijo!

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  7. Chiquinha, como alguém que sempre sonhou em ser escritora, é sua fã e ainda tem um vício muito sério em ler qualquer texto que trate do processo de escrita, muito obrigada por esse post.

    Super fiquei pensando nas minhas respostas também e só cheguei à conclusão que sou um fracasso completo na vida, então deixa pra lá. Ainda bem que eu tenho um emprego, e pelo menos tenho o bloguinho pra escrever as minhas besteiras e me distrair.

    Adorei a citação do Prata, é exatamente o que eu sinto também.

    Beijos, te amo <3

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  8. EEEEEBAAAA <3

    Como já falamos lá no meu post, é muito legal como os processos criativos são diferentes, né? E como eles podem ser parecidos em alguns pontos também. Me identifiquei muito com o que você falou sobre o processo de escrita começar muito antes de colocar as coisas no "papel" (que normalmente é a tela), porque funciono bem desse jeito também – fico muito tempo só deixando o texto se formar na minha cabeça, vou pensando, tendo umas ideias, conectando os pontos, e aí quando vou escrever em geral já tenho uma certa noção do que vai sair. Por isso às vezes só começo a escrever mesmo mais perto da deadline, mas em geral é porque o texto já tava sendo escrito mentalmente beeeem antes.

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  9. Anna, não sei se já comentei algo do tipo mas eu admiro muito sua escrita, muito mesmo.
    Eu, a maior parte do tempo, escrevo a enxurrada de pensamentos do momento e quando venho aqui fico morrendo de vergonha. :p
    Aqui é tudo tão bem feito, até mesmo os posts cômicos ou de listas, você faz com dedicação e a gente percebe quando lê.

    Adoro ler sobre o processo da escrita, se tiver coisas pra indicar pode falar. haha

    Acabei de ler uma crônica da Adriana Falcão que diz que palavras não mentem, que elas "tem corpo e alma, mas são diferentes das pessoas em vários pontos.(...) A palavra juro não mente. A palavra sou não vira a casaca. A palavra amor não se acaba. Palavras nunca mudam de ideia."

    Beijos

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