Existem dias em que chego a acreditar que em algum quarto escuro de um submundo habita uma legião de pessoas e objetos cuja existência se justifica puramente no propósito de me enlouquecer. Lá vivem as ruas que mudam de lugar para fazer com que eu me perca, crianças falando aos berros, me derrubando suco e estourando bombinhas nas minhas pernas, atendentes de locadora que bradam que não existem filmes do Woody Allen lançados em DVD e um exército de seres pequenos, travessos e cleptomaníacos que passam para o mundo de cá, vez ou outra, para pegar tudo que é importante para mim e deixar para sempre numa sala gigantesca cheia de guarda-chuvas, chaves de várias casas, papéis importantes e lapiseiras, como na Sala Precisa de Hogwarts onde os alunos escondem seus objetos.
Semana passada, depois de ter minha lapiseira favorita roubada no ano passado, comprei uma igual. Era uma daquelas Pental, de metal, cara, que pode te acompanhar por anos, uma vez que ela não quebra nunca. A não ser, claro, que tirem ela de você.
Por conta do trauma do último roubo, andava com a lapiseira nova para todos os cantos, e verificar se ela estava ali comigo tinha tornado-se quase um tique nervoso. Hoje na escola, durante o intervalo, coloquei ela presa na espiral do meu caderno e fui até o fundo da sala conversar com umas amigas. Me sentei de costas para minha cadeira porque, claro, que pessoa é obcecada o suficiente para ficar de olho numa lapiseira à distância? É demais até pra mim. Voltando para a mesa, vi que a lapiseira não estava lá. Respirei fundo, (nada de pânico, Anna Vitória, vai ver ela só caiu no chão), olhei em todo chão ao meu redor, entre as folhas dos livros e cadernos, na bolsa, nos bolsos (respire, 1, 2, 3), perguntei se as pessoas que se sentam perto de mim por acaso não a haviam guardado por engano, (calma, Anna Vitória, uma lapiseira não some do nada), perguntei para a sala inteira se alguém tinha visto ela caída no chão (já pode surtar?), revistei tudo ao meu redor de novo. Nada. Surtei.
Só não sapateei e chorei ali na hora porque não pegaria bem aprontar um escândalo na frente de todos, mas que minha vontade era de fazer bico e birra era enorme, não vou negar. Se tem uma coisa que eu sou neurótica é com meu material escolar. Quer dizer, não estou nem aí se perco canetas vermelhas todos os dias, se a tampa da cor-de-rosa sumiu, se o fundo da roxa quebrou, mas nada pode acontecer com minha lapiseira de estimação, minha caneta Bic de fazer prova, minha borracha, meu marca-texto, meus cadernos e minhas apostilas de Exatas. Eu não penso direito sem eles.
Ano passado desapareceu misteriosamente meu caderno de Exatas e minha apostila de Química. A principal apostila de Química. O caderno em que eu anotava absolutamente TUDO que valia a pena ser lembrado e muito bem aprendido. Nunca encontrei. Fui em Achados e Perdidos, revirei minha casa, a casa dos outros, enlouqueci meus pais e amigos, os funcionários da escola, nada do caderno. Tirei 3 numa prova de Química por causa disso, já que perdi o caderno na semana de provas e não consegui recuperar todas as anotações e exercícios a tempo da dolorosa. Já fui mal em uma prova de Matemática porque esqueci minha borracha e na época tinha vergonha de pedir material pros fiscais de prova. Eu errava tudo e ia apagando com a borracha da lapiseira até que a bendita acabou. Desespero, sofrimento, lágrimas e notas ruins, só isso acontece quando perco minhas coisas.
Ah é, estou praticamente sem voz desde segunda, não consigo engolir nada mais consistente do que mingau - tenho me nutrido de açaí escondida dos meus pais, já que é gelado -, estou com a coluna estropiada, minhas provas começam amanhã e eu não sei nada de Geometria. Posso ter uma licença poética para surtar por conta da minha lapiseira? Se não,vou ali morrer um pouquinho, me acordem por favor quando já existir um CTRL + F na vida real.